ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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Paul McCartney e eu (11 de Junho de 1965)

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Ouvi a porta da rua bater e acordei sobressaltado. O despertador indicava um pouco mais de oito horas, eu devia estar a sair de casa com a minha irmã para apanhar a carrinha do Colégio que fazia a sua primeira paragem no Borlão. Que se teria passado para não me acordarem? Subitamente lembrei-me, estávamos a 11 de Junho e as aulas tinham acabado! A minha irmã, ainda na Primária, teria aulas até ao fim do mês, bem como os que frequentavam anos de exame (2º, 5º e 7º), mas não era o meu caso… Espreguicei-me mais demoradamente do que era costume e deixei-me ficar um pouco mais na cama.

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À mesma hora dessa sexta-feira, em Albufeira, Paul McCartney levantava-se bem mais apressado, já que a viagem até Lisboa era longa, por uma estrada sinuosa e estreita, e ele tinha já combinado ir almoçar a Vila Franca de Xira. A sua bela e serena namorada, Jane Asher, estava já pronta e tomava o pequeno-almoço enquanto o motorista do Opel cinzento que os iria transportar tentava arrumar vários pacotes avulsos (incluindo uma caixa de vinho do Dão) que Paul e Jane tinham acrescentado às suas inúmeras malas, durante os quinze dias que tinham passado no Algarve.

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Eu deliciava-me entretanto com pão fresco com muita manteiga e uma enorme chávena de café com leite, os dois componentes imprescindíveis de um pequeno-almoço durante toda a minha vida. Ainda hoje uso uma chávena muito grande, mesmo que não a encha, continuo a preferir assim; o pão é que já não é “do Teixeira” nem o café é uma mistura “do Pena”, coada num saco, logo de manhã, para ir servindo para pequenos-almoços, lanches e refrescos durante o dia, nem o leite é fresco, vendido à porta de casa e bebido poucas horas depois de ser mungido.

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A manhã de Paul foi integralmente preenchida com a viagem Albufeira-Vila Franca, interrompida por algumas paragens para apreciar a paisagem, a serenidade e o silêncio do Alentejo, bem como o cheiro da vegetação, de que Paul nunca se fartava. Estava certamente feliz: Jane era uma companhia que ele apreciava e ia regressar a Inglaterra para receber uma das mais ambicionadas condecorações britânicas (M.B E.) ainda antes de completar vinte e três anos (o que aconteceria no próximo dia 18). O lançamento de Help - o single , o filme e a banda sonora - era minuciosamente preparado nessa altura e constituiria o acontecimentos artístico de 1965 com mais divulgação na imprensa mundial. Os sucessos musicais pareciam infindáveis, a Melody Maker e o Billboard desse dia 11 confirmavam que “Ticket To Ride” continuava, pela nona semana consecutiva, no Top Ten Britânico e Americano.

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Eu peguei na minha raquete de ténis e fui até ao Parque onde, por volta das dez horas, apareceriam alguns colegas que, como eu, tentavam aprender a jogar. Alguns tenistas mais velhos, entre os quais o Dr. Calheiros Viegas, o Zé Augusto (pai da Belão e do Zé Sancho) e o Dr. Henrique Mineiro davam-nos ocasionalmente umas “lições”, embora sempre condicionadas às suas actividades profissionais. Acabei a trocar umas bolas com dois ou três amigos; deles, só o Miguel Bento Monteiro faria deste desporto o centro da sua vida (exagero meu?). Mas não eu, só joguei regularmente até ter ido estudar para Lisboa.

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Almocei à uma hora em ponto (os horários das refeições eram sagrados em minha casa), mas Paul só chegou à Estalagem Gado Bravo por volta das catorze horas e trinta minutos. A História não registou o que almocei nesse dia mas está bem documentado que, no Gado Bravo, a refeição foi constituída por linguado à regional, escalopes de vitela e doce de ovos com amêndoa, tudo regado com muito e bom tinto. Sabemos isto porque Baptista Bastos (do Diário Popular) participou na refeição, ao contrário de Joaquim Letria (do Diário de Lisboa) que, no dia anterior, tinha recusado um convite do músico para jantar. A conta, cento e cinquenta escudos, foi considerada ridícula por Paul – e devia ser para um estrangeiro, já que o Diário de Lisboa desse dia relata que um operário sueco ganhava nessa altura quarenta e cinco escudos por hora. O mesmo jornal noticiava na primeira página que morrera o Almirante Mendes Cabeçada, político da Primeira República que, além de deputado, chegara a ser Primeiro-ministro e Presidente da República interino por um breve período em Junho de 1926 (precisamente trinta e nove anos antes). O meu pai deve ter lido todas estas notícias, já que nessa época comprava religiosamente o Primeiro de Janeiro, de manhã, e o Diário de Lisboa, à tarde.

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Passei essa tarde no Parque, satisfeito com a perspectiva de umas longas férias sem preocupações escolares – e alheio e desconhecedor do que se passava no Mundo. Saberia pouco depois que precisamente nesse dia os Rolling Stones lançaram o seu primeiro disco ao vivo, “Got Live If You Want It”, mas só muito depois que Paula Rego pintava, também em Londres nessa tarde igualmente soalheira, dois dos quadros com que satirizou e condenou os regimes políticos ibéricos: “Retrato de Grimau” e “Manifesto Por Uma Causa Perdida” (série iniciada com “Salazar Vomita O País” em 1961). Nesse dia 11 de Junho de 1965 a Alemanha Ocidental aderiu à NATO, perante a desaprovação da França, que abandonaria o Conselho Executivo da Organização. “Repulsa” de Roman Polanski, com Catherine Deneuve mas rodado em Inglaterra, estreia também nesse mesmo dia na capital inglesa. O centro do Mundo mudava de Paris para Londres (claro que a capital artística de então era já Nova Iorque, mas a música, a moda e a vivência da Swinging London eram claramente mais atractivas para a geração jovem, incluindo a norte-americana).

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Paul McCartney, findo o almoço, continuou a beber vinho verde gelado e assistiu a um festival taurino na praça adjacente ao Gado Bravo, isto depois de autografar um postal onde a Estalagem era retratada; Jane Asher assinaria também, depois da inscrição da data: 11 de Junho de 1965. Assinou, ajeitou o cabelo graciosamente atrás da orelha e comentou “the best time of my life, these days I spent in Portugal”.

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Ao fim da tarde tentei ler um álbum do Tintin, com que os meu pais tentavam estimular o meu ainda incipiente francês, ouvindo alguns discos da pequena colecção de EPs que possuía. She Loves You, que me tinha sido oferecido no Natal anterior, I Feel Fine (o último EP dos Beatles editado em Portugal), Apache dos Shadows, Tell Me dos Stones e Cuore da Rita Pavone (que ainda hoje não ouço com indiferença, devido à paixão que tinha pela cantora italiana nessa altura!). A televisão começava às sete horas da tarde (apenas um canal…), mas raramente tinha programas para jovens. Eu preferia a recém descoberta frequência modulada, ouvia o Em Órbita no Rádio Clube Português das 19 às 21 horas.

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À hora que eu comecei a jantar, Paul e Jane embarcaram num Caravelle da TAP com destino a Londres, com escala no Porto. Paul pensava na condecoração que ia receber e nos milhões, de espectadores e libras, que esperavam os Beatles em todo o mundo (em Itália, dias depois, o deputado Mário Quintieri interpelaria no Parlamento o Ministro das Finanças sobre as verbas e os valores dos impostos que envolviam a digressão dos Beatles àquele país!). O músico garantiu a todos, ao despedir-se, que regressaria a Portugal, apesar de ter dito a Letria que o que o mais impressionara no nosso país fora "o olhar triste da maioria dos portugueses". Cumpriu a promessa três anos depois, só que na companhia da sua futura mulher, Linda Eastman, já não com a doce Jane Asher...
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Eu entretanto fora para a cama, não sonhando certamente que quarenta e seis anos depois estaria aqui a recordar esse dia olhando para o postal que Paul McCartney e Jane Asher tinham autografado a pedido do Sr. José Carlos Baptista, gerente do Gado Bravo, e que o seu filho, o meu amigo Victor, me ofereceu há dias.























JJ

C O M E N T Á R I O S

Inês F disse:
Olá JJ
Adorei o post!
 Não me surpreendeu a qualidade da escrita que admiro em si, desde que o leio. O João sabe que me encanta a aparente simplicidade das suas 'histórias'.
Desta vez encontro, julgo que encontro, uma arte nova. Uma construção paralela de dois tempos simultâneos de ficção que se cruzam na frente e verso de um postal ilustrado. O coleccionador apaixonado, criador da realidade, o film-maker.
Um dia destes, espero vê-lo como realizador...
Bj
Inês

diz o que te vai na alma disse...
JJ, és um emotivo! A prova provada é este artigo, descritivo, táctil e carregado de emoções! Gostei de ler! Dalila Garcia
EliminarTina disse...
Que interessante descrição de acontecimentos cruzados no tempo, com incidência numa data significativa, e não só para o autor desta crónica! É sugestivo o cruzamento do dia em que começaram as férias grandes nas Caldas da Rainha com a ida de Paul McCartney a Vila Franca de Xira, em companhia da sua namorada Jane Asher, a musa a quem devemos canções lindas dos Beatles. Adorei a descrição do pequeno almoço com pão fresco barrado de manteiga, acompanhado de uma grande caneca de café com leite, gosto que partilhei em pequena, comendo mais que um pão para gáudio dos meus irmãos. Leite, manteiga e café que também já não são como antigamente na minha terra... Demarcam-se os hábitos de vida de um rapaz com horários a cumprir no convívio com a família, enquanto o badalado compositor e cantor cumpria com condescendência um programa traçado. Cruzam-se no tempo as notícias dos sucessos condecorados de Paul com a do falecimento de Mendes Cabeçada, bem como com as recordações juvenis do estudante em início do gozo de férias. No dia 11 de Junho de 1965, recordo-me eu, começavam também as minhas férias, após terminar o terceiro ano no Liceu Gil Eanes na minha ilha cabo-verdiana de S. Vicente. Só não recordo ter ouvido falar dessa viagem de Paul e Jane a Portugal. Mas lembro-me da seguinte, três anos depois, pois já me encontrava a estudar no Liceu Maria Amália, em Lisboa, onde as alunas já tinham começado a enfrentar a "ditadura" das professoras, usando mini-saias e tagarelando sobre o que conseguiam saber do mundo. Os Beatles, como é lógico, eram um dos temas muito do nosso gosto. Parabéns, JJ, pois este texto está um doce!
Isabel Esse disse...
Fiquei sem palavras!Um autógrafo de Sir Paul,um dia na vida de um ERO,um retrato de um Portugal "de olhar triste",um dia na vida de um Beatle,o Gado Bravo que eu bem conheci!!! JJ queremos mais crónicas,há muito que não escrevias nada,queremos as nossas memórias,queremos o "tal" livro!!!
EliminarCarlos disse...
Curioso! Foi exactamente quando estava a acabar de ler esse teu post, que recebi a notificação de que o havias partilhado comigo. Magnífico relato-retrato dessa época. Obrigado. Abraço Carlos Geraldo.
EliminarCasa da Caldeira disse...
Delicioso, este relato de "a day in the life" de JJ e de Paul McCartney, escrito naquele estilo escorreito e tão expressivo a que o primeiro dos personagens acima referido já nos vem habituando. Ideia brilhante, a de transformar o célebre postal com os autógrafos em elo de ligação. Li o texto de um fôlego, eu, que também com os meus 12/13 anos, não me lembro bem – não tenho essa memória prodigiosa do JJ –, vivi uma experiência empolgante relacionada com o Paul McCartney. Foi da primeira vez que fui ao Algarve. Ficámos instalados numa Quinta magnífica, a Quinta das Redes, na praia da Luz, que então não passava de uma simples aldeia de pescadores. Fomos a convite de uns amigos dos meus pais, ela Inglesa e ele Dinamarquês, que geriam uma Imobiliária e que nessa época ali viviam. Lembro-me que a casa era linda, simples, funcional, mas com uma decoração fantástica, onde predominavam os elementos característicos da região: o chão de tijoleira, objectos de cerâmica, os cestos de verga, as mantas típicas e quadros com pintura moderna. O jardim era tipicamente mediterrânico, com duas ou três estatuetas de aspecto antiquado, trepadeiras cheirosas e uma profusão de tufos de ervas aromáticas. A casa pertencera a um casal de ingleses, um deles escritor ou pintor. E amigos de quem? Do Paul McCartney, precisamente. Mas para mim e para a minha irmã, duas adolescentes fascinadas pelos Beatles, como qualquer jovem daquela época, o que a quinta tinha de mais fascinante, era o facto de o próprio Paul McCartney ter ali estado a passar uma temporada. Pelo menos, foi o que nos foi dito e por isso, aquela estadia teve um sabor tão especial. É que ele estivera no interior daquelas paredes, dormira numa das camas, talvez na nossa, sentara-se na sala e servira-se dos mesmos objectos que nós estávamos a usar, provavelmente compusera ali alguma das suas canções. Enfim, o seu espírito pairava pela casa, praticamente vivia ali connosco. Foram umas férias inesquecíveis essas, que passámos com o Paul! Ana Braga 
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 jorge disse...
grandes memórias as tuas e agora tão bem acompanhadas!a prova que gostei é que comentei o que não fazia há meses.mas tu tens escrito pouco,isto tem tido só fotos!abraço.j
EliminarLuisa disse...
Adorei!!!Fizeste lembrar músicas que estavam adormecidas e tempos em que fomos felizes.Porque escreves tão pouco últimamente?Beijinho.L .
. ..... . ... ... .. .. .
Agueda Correia Muito bom JJ, como é bom lembrar das "coisas" boas da nossa infância/adolescência,..., foi bom sentir o cheirinho do café com leite e o sabor de um Bom Pão com "montes" de manteiga,..., quanto ao Paul Mc, não tive a oportunidade desse prazer, para alem de criança, estava bem longe daqui,...:)..
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              Guida Sousa disse...
Perguntas onde é que eu estava neste dia?Não sei,não me lembro!O que é extraordinário é tu lembrares-te! Adorava os Beatles e sobretudo o Paul McCartney que era um "borracho".A tua prosa faz tudo isto regressar à minha cabeça como se tivesse sido ontem e retrata uma época como se tudo estivesse realmente ligado e se calhar estava. -Gostei muito- não diz tudo o que eu senti ao ler mas eu não escrevo tão bem como tu!!!
Guida S
cx disse...
Impecável entrelaçado de acontecimentos... (técnica que entretanto sabemos característica do JJ,e da qual possui perfeito domínio)!! Retrata o último dia de umas férias de Paul MacCartney em Portugal, aparentemente inesquecíveis (de que eu não tive conhecimento... mas eu tinha apenas 10 anos)e simultâneamente o primeiro dia de férias do autor!!! Em traços breves retrata também uma época, a da nossa infância e adolescência, e com tamanha clareza que nos compele a reencontrar as nossas próprias vivências naqueles dias distantes...(oh o sabor gostoso do café ao pequeno almoço...que ainda não desisti de tentar reproduzir...)!! Li com um sorriso do principio ao fim...os meus parabéns!São Caixinha  . Júlia disse... Olá, JJ! Adorei a tua crónica. Não tenho nenhuma história interessante... A 11 de Junho de 1965, devia estar a preparar algum exame e a organizar as coisas para um jantar em família: é o dia de anos da minha mãe. Desde que me conheço, é sempre o mesmo programa a 11 de Junho. E espero que, no próximo, possa também festejar o dia do seu 89º aniversário! Júlia Ferreira
Belão disse... 
Fantástico! Gostei mesmo muito deste cruzamento e devo dizer-te que o teu dia foi muito mais divertido que o do Paul McCartney, mas não tanto quão o bocadinho em que estive absorvida nesta leitura.
JJ no seu melhor.
Bjo

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Carlols Abegão disse...
Excelente artigo. Oh João, deixa de vender alta fidelidade, e dedica-te à escrita. Um abraço J. Carlos Abegão .
J L Reboleira Alexandre disse...
Sei que este comentário vem tarde e fora de horas, mas têm sido tempos de muito trabalho e há que fazer opções. Li e reli esta maravilhosa descrição de uma época que, tendo sido de todos nós, foi mais vivida por uns do que por outros. O JJ teve a sorte de fazer parte dos primeiros, mas consegue 40 anos depois, e com a sensibilidade que lhe é própria, pô-la ao dispor dos restantes, nos quais nos incluímos. Sem ir ao ponto de lhe recomendar o que o Abegão menciona, penso no entanto que deveria «aparecer» com mais frequência. Obrigado por este belo momento. J.L. Reboleira Alexandre  .
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Eliminar
Blogger MJSousa disse...
Estes posts que parecem mais compridos são sempre os que parecem acabar mais depressa!Li segunda vez mas como já alguém disse queremos mais destas tuas memórias,que são também as nossas que não temos o teu talento para escrever. O blogue precisa destas tuas crónicas,tenho a certeza que as visitas são sempre maiores quando és tu a escrever!!! Abraço.MJS
.vitor b disse...
Para quem conhece melhor os teus escritos sobre música este texto é um pouco estranho.Como se procurasses uma simplicidade e um retorno a uma adolescência perdida...Gostei,claro,reconhecendo-te nos discos cuidadosamente escolhidos,no saudoso Em Órbita,no elogio do Help,na descrição dos Beatles como grande fenómeno global e não só musical.Tudo muito JJ.
Talvez pudesses recuperar aquele texto sobre o Societies Child,que é que achas?E o At Seventeen é sobre esta altura das nossas vidas,não é?
Parabens.VB
 .
Libânia disse :
Adorei o paralelo do teu dia com o dia do PM and Jane. Só tu te lembrarias do que fizeste há 46 anos atrás, mas é evidente que a tua paixão pelos Beatles está associada a essa recordação. Adorei o pequeno almoço... xerox do meu nesses tempos, continua a ser um dos favoritos. Libânia

.Luis disse: disse...
A propósito:   . É ou não é?Abraço.Luis

17 comentários:

diz o que te vai na alma disse...

JJ, és um emotivo! A prova provada é este artigo, descritivo, táctil e carregado de emoções! Gostei de ler!

Dalila Garcia

Tina disse...

Que interessante descrição de acontecimentos cruzados no tempo, com incidência numa data significativa, e não só para o autor desta crónica!
É sugestivo o cruzamento do dia em que começaram as férias grandes nas Caldas da Rainha com a ida de Paul McCartney a Vila Franca de Xira, em companhia da sua namorada Jane Asher, a musa a quem devemos canções lindas dos Beatles.
Adorei a descrição do pequeno almoço com pão fresco barrado de manteiga, acompanhado de uma grande caneca de café com leite, gosto que partilhei em pequena, comendo mais que um pão para gáudio dos meus irmãos. Leite, manteiga e café que também já não são como antigamente na minha terra...
Demarcam-se os hábitos de vida de um rapaz com horários a cumprir no convívio com a família, enquanto o badalado compositor e cantor cumpria com condescendência um programa traçado.
Cruzam-se no tempo as notícias dos sucessos condecorados de Paul com a do falecimento de Mendes Cabeçada, bem como com as recordações juvenis do estudante em início do gozo de férias.
No dia 11 de Junho de 1965, recordo-me eu, começavam também as minhas férias, após terminar o terceiro ano no Liceu Gil Eanes na minha ilha cabo-verdiana de S. Vicente. Só não recordo ter ouvido falar dessa viagem de Paul e Jane a Portugal. Mas lembro-me da seguinte, três anos depois, pois já me encontrava a estudar no Liceu Maria Amália, em Lisboa, onde as alunas já tinham começado a enfrentar a "ditadura" das professoras, usando mini-saias e tagarelando sobre o que conseguiam saber do mundo. Os Beatles, como é lógico, eram um dos temas muito do nosso gosto.
Parabéns, JJ, pois este texto está um doce!

Isabel Esse disse...

Fiquei sem palavras!Um autógrafo de Sir Paul,um dia na vida de um ERO,um retrato de um Portugal "de olhar triste",um dia na vida de um Beatle,o Gado Bravo que eu bem conheci!!!JJ queremos mais crónicas,há muito que não escrevias nada,queremos as nossas memórias,queremos o "tal" livro!!!

Anónimo disse...

Curioso! Foi exactamente quando estava a acabar de ler esse teu post, que recebi a notificação de que o havias partilhado comigo. Magnífico relato-retrato dessa época.
Obrigado. Abraço

Carlos Geraldo.

Casa da Caldeira disse...

Delicioso, este relato de "a day in the life" de JJ e de Paul McCartney, escrito naquele estilo escorreito e tão expressivo a que o primeiro dos personagens acima referido já nos vem habituando. Ideia brilhante, a de transformar o célebre postal com os autógrafos em elo de ligação.
Li o texto de um fôlego, eu, que também com os meus 12/13 anos, não me lembro bem – não tenho essa memória prodigiosa do JJ –, vivi uma experiência empolgante relacionada com o Paul McCartney. Foi da primeira vez que fui ao Algarve. Ficámos instalados numa Quinta magnífica, a Quinta das Redes, na praia da Luz, que então não passava de uma simples aldeia de pescadores. Fomos a convite de uns amigos dos meus pais, ela Inglesa e ele Dinamarquês, que geriam uma Imobiliária e que nessa época ali viviam. Lembro-me que a casa era linda, simples, funcional, mas com uma decoração fantástica, onde predominavam os elementos característicos da região: o chão de tijoleira, objectos de cerâmica, os cestos de verga, as mantas típicas e quadros com pintura moderna. O jardim era tipicamente mediterrânico, com duas ou três estatuetas de aspecto antiquado, trepadeiras cheirosas e uma profusão de tufos de ervas aromáticas.
A casa pertencera a um casal de ingleses, um deles escritor ou pintor. E amigos de quem? Do Paul McCartney, precisamente. Mas para mim e para a minha irmã, duas adolescentes fascinadas pelos Beatles, como qualquer jovem daquela época, o que a quinta tinha de mais fascinante, era o facto de o próprio Paul McCartney ter ali estado a passar uma temporada. Pelo menos, foi o que nos foi dito e por isso, aquela estadia teve um sabor tão especial. É que ele estivera no interior daquelas paredes, dormira numa das camas, talvez na nossa, sentara-se na sala e servira-se dos mesmos objectos que nós estávamos a usar, provavelmente compusera ali alguma das suas canções. Enfim, o seu espírito pairava pela casa, praticamente vivia ali connosco.
Foram umas férias inesquecíveis essas, que passámos com o Paul!
Ana Braga

jorge disse...

grandes memórias as tuas e agora tão bem acompanhadas!a prova que gostei é que comentei o que não fazia há meses.masc tu tens escrito pouco,isto tem tido só fotos!abraço.j

Anónimo disse...

Adorei!!!Fizeste lembrar músicas que estavam adormecidas e tempos em que fomos felizes.Porque escreves tão pouco últimamente?Beijinho.L

Guida Sousa disse...

Perguntas onde é que eu estava neste dia?Não sei,não me lembro!O que é extraordinário é tu lembrares-te!
Adorava os Beatles e sobretudo o Paul McCartney que era um "borracho".A tua prosa faz tudo isto regressar à minha cabeça como se tivesse sido ontem e retrata uma época como se tudo estivesse realmente ligado e se calhar estava.-Gostei muito- não diz tudo o que eu senti ao ler mas eu não escrevo tão bem como tu!!!Guida S

Maria Gotte disse...

Impecável entrelaçado de acontecimentos... (técnica que entretanto sabemos caracteristica do JJ,e da qual possui perfeito dominio)!! Retrata o último dia de umas férias de Paul MacCartney em Portugal, aparentemente inesquecivéis (de que eu não tive conhecimento... mas eu tinha apenas 10 anos)e simultâneamente o primeiro dia de férias do autor!!! Em traços breves retrata também uma época, a da nossa infâcia e adolescência e com tamanha clareza que nos compele a reencontrar as nossas próprias vivências naqueles dias distantes...(oh o sabor gostoso do café ao pequeno almoço...que ainda não desisti de tentar reproduzir...)!! Li com um sorriso do principio ao fim...os meus parabéns!
São Caixinha

Anónimo disse...

Olá, JJ! Adorei a tua crónica. Não tenho nenhuma história interessante... A 11 de Junho de 1965, devia estar a preparar algum exame e a organizar as coisas para um jantar em família: é o dia de anos da minha mãe. Desde que me conheço, é sempre o mesmo programa a 11 de Junho. E espero que, no próximo, possa também festejar o dia do seu 89º aniversário!

Júlia Ferreira

Belão disse...

Fantástico! Gostei mesmo muito deste cruzamento e devo dizer-te que o teu dia foi muito mais divertido que o do Paul McCartney, mas não tanto quão o bocadinho em que estive absorvida nesta leitura.
JJ no seu melhor.
Bjo

Carlols Abegão disse...

Excelente artigo.
Oh João, deixa de vender alta fidelidade, e dedica-te à escrita.
Um abraço
J. Carlos Abegão

Anónimo disse...

Estes posts que parecem mais compridos são sempre os que parecem acabar mais depressa!Li segunda vez mas como já alguém disse queremos mais destas tuas memórias,que são também as nossas que não temos o teu talento para escrever.
O blogue precisa destas tuas crónicas,tenho a certeza que as visitas são sempre maiores quando és tu a escrever!!!
Abraço.MJS

vitor be disse...

Para quem conhece melhor os teus escritos sobre música este texto é um pouco estranho.Como se procurasses uma simplicidade e um retorno a uma adolescência perdida...Gostei,claro,reconhecendo-te nos discos cuidadosamente escolhidos,no saudoso Em Órbita,no elogio do Help,na descrição dos Beatles como grande fenómeno global e não só musical.Tudo muito JJ.
Talvez pudesses recuperar aquele texto sobre o Societies Child,que é que achas?E o At Seventeen é sobre esta altura das nossas vidas,não é?
Parabens.VB

Anónimo disse...

A propósito
http://www.youtube.com/watch?v=kevjLHGQE8U&feature=related
É ou não é?Abraço.Luis

J L Reboleira Alexandre disse...

Sei que este comentário vem tarde e fora de horas, mas têm sido tempos de muito trabalho e há que fazer opções. Li e reli esta maravilhosa descrição de uma época que, tendo sido de todos nós, foi mais vivida por uns do que por outros. O JJ teve a sorte de fazer parte dos primeiros, mas consegue 40 anos depois, e com a sensibilidade que lhe é própria, pô-la ao dispor dos restantes, nos quais nos incluímos. Sem ir ao ponto de lhe recomendar o que o Abegão menciona, penso no entanto que deveria «aparecer» com mais frequência.
Obrigado por este belo momento.

J.L. Reboleira Alexandre

Anónimo disse...

Adorei o paralelo do teu dia com o dia do PM and Jane. Só tu te lembrarias do que fizés-te há 46 anos atrás, mas é evidente que a tua paixão pelos Beatles está associada a essa recordação. Adorei o pequeno almoço... xerox do meu nesses tempos, continua a ser um dos favoritos.
Libânia