ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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AS FOTOGRAFIAS DE UMA VISITA (Carmo Franco Lemos)


Tratava-se de um grupo ligado à Igreja que apoiava famílias carenciadas. A família em questão, que também se vê na foto, era um casal e um filho. Não me lembro do nome deles, sei que moravam numa casa de madeira ao pé do cemitério.
Aqui vão as fotos que eu tenho do grupo que visitou essa família carenciada.



Zé Canhão Veloso

Manela Vieira Pereira

Salete

Alberto Lemos (da Escola Comercial)

António Canhão Veloso

Alcides

Fonseca (trabalhava na Papelaria Silva Santos e foi para a Cartuxa de Évora)

Zé Maria (da secretaria do ERO)

Roberto Ornelas

António Carrilho


Bj



Carmo Franco Lemos

A Praia de Mira!

por Ana Braga


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Ao ler o post da minha irmã Isabel e o comentário de alguém que lamenta tão triste recordação de Mira, devo confessar que percebo e comungo desse sentimento que nos assaltou, quando mudámos, repentinamente de praia. Foi um sentimento avassalador, agora diluído no nevoeiro do tempo, nevoeiro quase tão espesso como o tal que se abatia todas as noites sobre aquela orla da costa, mas que ainda me permite vislumbrar algumas vivências dessa época.
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Todos sabemos qual a importância do grupo para qualquer adolescente, e a mudança da Figueira da Foz para aquela praia praticamente desconhecida, onde costumávamos ir fazer piqueniques em pequenos, embora muito bonita, com a sua mata fresca e a barrinha de águas mansas, não tinha os requisitos que nessa altura considerávamos fundamentais – faltava-nos a companhia dos amigos, e sem eles sentíamo-nos francamente desasadas.

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A inegável beleza natural do lugar, o ar saudável do pinhal que se estendia por quilómetros a acompanhar a beira mar, a extensão das dunas com a sua flora exótica e a sua mistura de odores quentes e almiscarados, a prática milenar do arrastar das redes carregadas de peixe, ao fim da tarde, numa árdua tarefa partilhada entre os bois e os pescadores, muitas vezes ajudados pelos veraneantes, os típicos “palheiros”, como se designavam as casas dos habitantes da aldeia - agora infelizmente, quase todos destruídos -, nada disso, à primeira vista, constituía qualquer atractivo para duas miúdas em plena “crise” da adolescência marcadas pela dependência de um bando de jovens como elas, habituados às mesmas rotinas, aos mesmos passatempos e à frequência de certos lugares divertidos e que estavam na moda.
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Através desse nevoeiro da distância, consigo agora perceber que nos assaltava, como acontece habitualmente com os jovens, um medo inconfessável de perdermos a ligação ao grupo se nos arredássemos deles nem que fosse por quinze dias. Ficaríamos, quem sabe, desactualizadas, deixaríamos de partilhar uma qualquer experiência marcante, o que nos afastaria definitivamente desse tronco!? E como sofríamos com tal insegurança!
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Mas cada uma aguentava à sua maneira e, enquanto eu sofria mais calada, a Isabel, a mais rebelde dos irmãos, manifestava-se ruidosamente, o que lhe valeu uma dose reforçada de castigos e tabefes.
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Eis-nos, pois, em Mira. Que fazer? Chorar e refilar todo o tempo ou procurar uma maneira airosa de nos safarmos? Depressa descobrimos novas companhias e formas divertidas de passar o tempo. Encontrámos colegas do Liceu, fizemos novos amigos, aprendemos os rudimentos da vela, frequentámos os bailes do Mirasol, uma espécie de terraço coberto de um restaurante, onde havia bailes todas as noites, namoriscámos…
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Foi por essa altura que tive um dos encontros mais bonitos da minha vida de adolescente, sem consequências no futuro, mas que me fez crescer e sentir importante. Foi esse rapaz que me deu a conhecer, entre outras obras de referência da época, o “Quarteto de Alexandria” de Lawrence Durrell, que eu li de um fôlego. Foi ele que me levou a procurar e a perceber algumas mensagens que se escondiam nas entrelinhas dos textos.
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Em Coimbra, além de estudar Direito, fazia parte de um dos grupos de teatro de então, e em Mira, declamava poesia para mim, na praia, ao pôr do sol, de livro em punho. Como eu gostava desses fins de tarde poéticos, mas a Isabel achava-o pedante e enterrava-lhe os livros de poesia na areia, quando o apanhava distraído.
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Foi ele que me fez sentir tão responsável e digna de confiança, a ponto de me comunicar o segredo da sua fuga para a Bélgica, antes que a guerra o levasse para outras paragens mais longínquas. Foi uma despedida à laia de “filme – que - não – acaba – bem”, no parque da cidade, em Coimbra, com o cair da folha, um chão atapetado de tons castanhos e vermelhos, em que jurámos uma amizade eterna e em que deixámos no ar a hipótese de um reencontro algures no mundo.
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Mira não se resume apenas a más recordações, não é, Isabel? A curta estadia do João Calheiros naquelas paragens, se bem me lembro, foi mais um contributo que ajudou a ultrapassar aquele sentimento de revolta que nos levava, inicialmente, a isolarmo-nos do resto do mundo, nessa fase em que íamos para a praia por atalhos, com caras de poucos amigos, um guarda sol, um transistor e os habituais livros policiais.
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Mas depois soubemos dar-lhe a volta e até nos tornámos mais independentes do grupo do costume – felizmente, nunca tivemos dificuldade em fazer amigos.
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Um beijo
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Ani

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C O M E N T Á R I O S
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Isabel Esse disse...



Só conheci a Praia de Mira de raspão nos anos 70.Lembro-me sobretudo da água fria,mas eu ia e regressava a casa dos meus avós,não conheci a "sociedade" local.


Bom texto como é habitual nos posts da Ana Braga.


Beijos,boas férias para todos e também para o JJ que tenho visto no Facebook em grande no algarve!!!IS
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Luis disse...


Tendo conhecido,por opção paterna,diversas praias do Oeste,desde Peniche até à Figueira sei bem o que é que a autora refere como um desenraizamento,já que em todas as povoações se criavam grupos de Verão constituídos por pessoas que se conheciam já de uns anos para os outros.E nem sempre era fácil entrar nesses grupos,até porque tínhamos saudades dos amigos do ano passado.


Não é fácil ser adolescente,ao contrário do que algumas crónicas aqui publicadas dizem.Gostei muito de ler e achei muito curiosa a fotografia.L
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J J disse...


Este post encerra uma série de excelentes textos da Ana e Isabel Braga sobre o Verão e alguns episódios de férias passados em diversos locais do País.Repõe também a "verdade" sobre a praia de Mira, anteriormente "vítima" do negativo estado de espírito da Ana que preferia, por motivos óbvios, passar o Verão na Figueira.
De realçar a descoberta da poesia, da prosa de Durrell,da realidade da Guerra Colonial... Passámos todos por aí.
Obrigado, Ana, vai aparecendo. JJ

UM BARCO EM S. MARTINHO (3)








 C O M E N T Á R I O S
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Luis disse :
Se bem me lembro:
1ª foto (esq. para dir.) - Tó Morgado, Mendonça, Filipe Rego, Amália Mendonça, Zé Vieira Lino, Miguel Costa, Tony Gomez - o barco não se afundou???
2ª foto - Carapito
3ª foto (esq. para dir.) - Zé Vieira Lino (com um "estigma" no peito), Miguel Costa, Tony Gomez.
Luís Lamy
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Luis disse...
(Cont): rebobinando o filme, na segunda foto o homem-rã também pode ser o Ruca Gomes.
Luís Lamy

UM BARCO EM S. MARTINHO (2)









C O M E N T Á R I O S

Julinha disse:
Oh...um passeio no iate do Padre Xico ! Dos companheiros de viagem identifico-me (a mim)....à esquerda,no meio a Justina Rêgo Filipe ,depois a Odete Ribeiro ,e o Chico Valério à minha frente. Nas outras fotos, a Paula Figueiredo Lopes e julgo que o Tozé Hipólito. Os outros colegas que me desculpem ,mas teremos que pedir ajuda à Ana Nascimento!

Belos tempos! Belos passeios!....mas julgo ter sido neste que tive um pequeno percalço . Neste dia o P. Xico resolveu levar-nos até á Barra e, para ancorar o barco, necessitava duma corda que estava precisamente debaixo dos bancos . Eu, muito solícita , vou buscar a dita corda, mas para isso tive que me debruçar ....e, nesse preciso momento, a minha cabeça começou a andar à roda, comecei a ver estrelas no mar, a baía afastava-se cada vez mais....até que uma golfada de "ar contaminado" vai alimentar os peixinhos!!! Se houvesse uma fotografia de regresso como estaria a minha cara? Nunca mais voltei à Barra, mas também não fiquei com vontade !
Júlia R
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Tó Zé Hipólito disse:
O jovem sorridente nas duas fotos comigo e a Paula é o Tó Zé Carapito Pardal, mais facilmente identificavel por ser o ex. da João Gomes.
Engraçado é o facto do rapazinho em frente a Justina ser meu primo, 5 anos mais novo e que nunca viveu ou estudo nas Caldas, donde se conclui que o Padre Xico devia fazer recolha de candidatos a passeios no areal.
O mundo é mesmo pequeno.
A.H.

UM BARCO EM S. MARTINHO (1)




C O M E N T Á R I O S 

 Paulo Caiado disse...

Esse não era o barco do Padre Xico contruido nos famosos estaleiros navais do Ramalho Ortigão, paredes meias com o aviário de codornizes?

IsabelK. disse...
..Hmm de onde este barquinho vem...e que familiar me é...bjs

Isabel Esse disse...

Este barco eu conheço:este é o barco do Padre Chico!

Que saudades,que belos tempos e que boa ideia mostrar estas fotografias no meio do Verão...Depois do jantar julgava que ias de féias,afinal continuas activo.
Boas Férias!!!IS


UM CAVALO EM SERPA

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O meu texto sobre o João Calheiros suscitou alguns comentários elogiosos e muito simpáticos. Mas a palavra escrita é realmente traiçoeira e, por vezes, os relatos preto no branco tornam os acontecimentos que descrevem muito mais definitivos e sérios do que realmente foram. Assim, perante algumas observações que me pareceram atribuir uma dimensão exagerada ao caso, achei que devia reduzi-lo o caso às suas verdadeiras dimensões. Passo a explicar:
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O João Calheiros e a sua passagem pelas nossas vidas, minha e da Ani, foi um episódio, entre muitos, a marcar a nossa adolescência, e um mero pretexto para desfiar memórias felizes, algo que, admito, fazemos com facilidade. Crescemos num ambiente intelectualmente muito aberto, absorvíamos como esponjas as conversas dos mais velhos e tínhamos livros sem fim à disposição. Tudo isso fez de nós jovens bastante comunicativas e sociáveis - lembro-me que, num sábado, à hora de almoço, nos Casais, a casa dos arredores de Coimbra, onde vivíamos, depois de o telefone tocar vinte vezes e de a empregada vir, pela vigésima primeira vez, chamar uma de nós para atender, o meu pai deu um murro na mesa e mandou desligar o aparelho. Vários desses rapazes e raparigas estão, ainda hoje, de alguma forma, presentes nas nossas vidas e aqueles a quem perdemos o rasto não se ausentaram de todo das nossas memórias. É esse o caso do João Calheiros, no que me diz respeito. Relendo o que escrevi, e, como disse, para repor as coisas nas suas devidas proporções, queria explicar que ele até nem foi a única figura marcante da minha vida nesses verões de que falei. Posso até dizer que, nas férias que passei em Serpa, a figura masculina central não foi o João Calheiros, mas sim um cavalo preto, de raça lusitana.
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Chamava-se Alecrim, pertencia ao cavaleiro tauromáquico José Mestre Baptista, e estava a ser treinado pelo pai da amiga em casa de quem eu estava. O nosso quarto de dormir ficava por cima da cavalariça, na bela casa da família, em Serpa. E todas as noites eu adormecia a ouvir o Alecrim agitar-se e resfolgar de impaciéncia. Embora desejasse muito dar uma volta montada nele, estava formalmente proibida de me aproximar do bicho pelo pai da Ana, que não tinha, acertadamente, grande confiança nas minhas qualificações equestres. O que ele dizia sempre é que haveria de poder fazê-lo, um dia, que até iria levar para Coimbra uma foto a cavalo, vestida de sevilhana, mas só poderia fazê-lo quando o Alecrim estivesse cansado, ao fim de um dia de treino, e depois de galopar algum tempo em terra mole.
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Mas muita coisa acontecia sem que o dono da casa se apercebesse. E, naqueles dias calorentos e imóveis de Serpa, em que Salazar parecia instalado na cadeira para sempre, eu e um dos irmãos da minha amiga, que também dava pelo nome de João, e era, apesar dos seus 18 anos, um experiente cavaleiro, começámos a discutir política e a embirrar ferozmente um com o outro. Mas, perante os pais de ambos, disfarçávamos bem.
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Uma bela tarde, eu e a Ana saímos a passear na caleche puxada pelo burro chamado Zé Estrela e as nossas deambulações ociosas levaram-nos até uma bomba de gasolina que tinha um café ao ar livre, no meio do campo, nos arredores de Serpa. Ali, o João, irmão da Ana, tomava um refresco, acompanhado de outros rapazes, com o Alecrim pela arreata. Parecia que a minha oportunidade tinha chegado, o cavalo era fascinante, verdadeiramente poderoso, uma espécie de relâmpago negro. Engolindo o orgulho, fui humildemente perguntar ao João se podia montar um bocadinho, e, muito magnânimo, ele consentiu. O que ele tinha em mente, não sei, mas, relegadas para o fundo da minha mente, estavam as firmes proibições do pai.
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Nos primeiros minutos foi o deslumbramento, dei uma leve impulsão aos calcanhares e o bicho começou a trotar como um rei pela estrada de alcatrão que, no final, ia desembocar na nacional, que liga Serpa a Beja. Depois do trote, ensaiei o galope, e ao cabo de menos de um minuto, foi o princípio do fim. O Alecrim percebeu que levava no seu precioso lombo alguém totalmente incompetente e começou a dar cangochas violentas, tentando sacudi-lo.
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.Agarrei-me com unhas e dentes às crinas do bicho, quando ele começou num galope furioso pela estrada fora. Entrámos na estrada nacional, havia camiões a passar nos dois sentidos, e eu gritava pela minha mãe, num cavalo preto que, no meio do desenfreado galope, metia a cabeça para baixo e levantava os quartos traseiros, em coices desesperados.
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As minhas leituras de livros de cowboys salvaram-me a vida, ainda hoje estou convencida disso, lembrei-me de que muitas vezes as pessoas ficam presos pelos estribos, são arrastadas pelos cavalos e morrem. Tomada de terror absoluto, libertei as pernas, que tinha enfiadas nos estribos até aos joelhos, apesar das botas.
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A seguir, voei e não me lembro de mais nada, apenas de ter acordado na parte traseira de um jipe, com uns homens desconhecidos muito preocupados a fazer-me perguntas, e eu a gritar que havia um cavalo que valia milhares de contos em fuga, por amor de Deus, que o encontrassem. Os homens sossegaram-me, dizendo que o cavalo havia de aparecer, e, na verdade, pouco antes de chegarmos à vila, vimos o Alecrim a pastar sossegado num campo, uma visão inacreditável para mim, depois de ter experimentado a sua fúria.
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Voltei a casa numa lástima, com as calças de montar rasgadas de alto a baixo, imensas dores no peito e muitos arranhões, nada que dois dias de cama e caldos de galinha não curassem. À noite, quando ouvia o Alecrim a agitar-se na cavalariça, acordava empapada em suor.

O irmão da minha amiga foi relegado para o colégio, nunca mais o vi, e recusei-me firmemente a tirar a foto vestida de sevilhana, montada no animal que eu via agora como a encarnação do Diabo. Terminou, pois, com pouca glória a minha passagem por Serpa, mas na origem dos meus tormentos esteve um cavalo lusitano, não o coitado do João Calheiros.
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Isabel
Braga
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C O M E N T Á R I O S
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 Guida Carvalho da Silva disse:
Muito bem contada esta aventura! Posso imaginar o susto valente que a Isabel apanhou quando o cavalo lhe fugiu a galope pela estrada nacional.... ui.... ui....

Anónimo disse...
Bonita história mas penso que deve haver uma pequena confusão pois o Mestre Baptista nunca viveu em Serpa.Essa história deve-se ter passado em Moura ou perto de Moura

Guida Sousa disse...
São sempre muito vivos estes relatos das manas Bragas,leio-os sempre com muito prazer.Já aqui escrevi que partilhamos as mesmas memórias apesar de termos vivido a adolescência em sítios diferentes mas não desta vez porque felizmente nunca me vi em assados destes!
Boas férias a todos!!!

Alfredo disse:
Excelente estória da Isabel Braga que divertiu e através da qual ficamos a saber que afinal o João Calheiros não foi a figura principal desses longínquos anos da juventude mas sim um outro ser de mais puro e nobre sangue lusitano, o Alecrim, preto, ainda a desbastar por completo, a fim de lhe retirar a mania de garanhão indomável que, não sei porquê, é um defeito que todos os machos têm, os latinos onde se incluem claro, os lusitanos, de a possuir mas que sempre a perdem, a mania claro, através de umas mãos femininas dispostas a desfazer essa virtude/defeito.

Como não podia deixar de ser, eu, como bimbo habitante de aldeia, também passei por uma situação idêntica com uma ligeira diferença, até porque a classe social era outra, o meu lusitano de puro sangue era uma linda mula de cor indefinida, por já velha mas que em tempos idos teria sido castanha.

Era eu uma criança de instrução primária, aracnídeo devido a altura que já atirava, só pernas, mas não demasiado magro, gordo muito menos, enfim estão a ver, mais assim para o bem constituído, mas pernalta, tipo Bugs Bunny, e que um dia lhe foi proporcionado passar uns dias de férias num lugar chamado Sapeiros, ali para os lados do Casal Pardo.

Um belo dia fui autorizado a montar a mula e com ela dar um passeio equestre apreciando a paisagem composta por terras aráveis e remansos de pinheiros e eucaliptos. Só que ninguém se prontificou a selar a mula e coube-me a mim fazer essa tarefa. Peguei na sela, mais não era que uma albarda e vai de albardar a mula à vontade do dono, isto é, na minha fé de cristão crente por imposição familiar, que não queriam ouvir o rezinga do padre se assim não fosse, não apertei em demasia as cilhas deixando-as folgadas a fim de não ferirem a barriguita, mais barrigona, da mula.

Acabada essa tarefa, o meu olhar era triunfal vendo o trabalho feito pela primeira vez na vida, moço inteligente, vai de pé esquerdo no estribo, o direito no chão, os saltitos com este e… upa, no mais puro estilo a perna direita eleva-se, roda por cima do dorso da mula e… já está, eis-me muito direito sentado na albarda e as mãos no arção, até parecia que tinha engolido uma colher de pau tal era a postura de cavaleiro, qual D. Quixote qual quê, ele se quisesse viesse aprender. Durante toda estas operações a mula não tugia nem mugia e muito menos mexia, ela bem reconheceu a classe de cavaleiro que lhe tinha subido para a garupa.

Estava pronto para o meu trote matinal mas… qual seria a password para o animal se mexer?… dou-lhe um toque com as pernas, isto é, bato-lhe com as pernas em forma de tesoura na barriga, ouço um som escapulir pelo escape, a barriga devia ter encolhido, as cilhas já por si mal apertadas, vão deslizando rodando muito lentamente, vejo-me, como se de um filme em câmara lenta se tratasse, na posição horizontal em relação ao chão, e num repente encontro-me sentado muito direito na albarda, pernas bem apertadas em torno da barriga da mula, mas de cabeça para baixo.

Olho em frente e a mula de cabeça baixa a olhar para mim mostrando-me um sorriso pepsodente de dentes grandes e amarelos, aqueles grandes lábios, made in Moura Guedes, como que a gozar o panorama.

E depois, depois não gostei nada que ela se pusesse a zurrar feita mula a gozar com este garboso cavaleiro, mas ainda bem que não era maldosa, continuou quieta, sem se mexer. Se ela se põe a trotar e galopar imaginem as cabeçadas que eu daria no chão.

Pois é, em vez de um cavalo em Serpa esta minha estória seria mais, uma mula ranhosa nos Sapeiros.

Um abraço
A.Justiça
Obs: A estória é verdadeira, passou-se mesmo, só que sem tantos floreados descritivos. Mas que fiquei a saber a constituição do bojo de uma mula, fiquei. Barriga tipo balão cheio, quatro pernas articuladas e desprovida de perna flexível.