ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
.
.

Exposição de obras de Ferreira da Silva

.
.

.


Inaugurou no Sábado dia 26 no Centro Cultural e de Congressos de Caldas da Rainha a Exposição das novas peças adquiridas pela Câmara Municipal de C R ao artista Ferreira da Silva.

Pai do Rui (foto abaixo) é um dos caldenses frequentemente citado nos relatos publicados neste Blog sobre a década (e as noites) nos anos sessenta. Lembro-me de repente dos posts do João Serra, Guidó, Ramos Franco... mas deve haver mais!

Já há um video no Youtube da autoria de ceramica3CS


e várias referências na imprensa local e Internet:
http://www.jornaldascaldas.com/index.php/2009/02/04/vai-ser-criada-a-casa-ferreira-da-silva/
http://oqueeuandei.blogspot.com/2009/09/hoje-e-o-dia-de-ferreira-da-silva.html
http://100sentidoscomsentidos.blogspot.com/2009/08/ferreira-da-silva.html

.
A Guidó registou o encontro do Rui Ferreira da Silva com dois amigos,
todos antigos colegas no ERO.

__________________________________________________________

C O M E N T Á R I O S

João Ramos Franco disse...
Compromissos assumidos, levaram-me a não estar junto a vós e ao Ferreira da Silva (meu amigo de à cinquenta anos). Sabem, sinto com certa nostalgia desses tempos alegres da minha juventude e os companheiros que a ajudaram tornar tão bela. Está na forja o contar como apareceu o Inferno da Azenha, e a participação do Ferreira da Silva na criação desse espaço que vossa juventude tanto recorda.
Um abraço do
João Ramos Franco

Manuela Gama Vieira disse...
Está de parabéns o Mestre Ferreira da Silva(de quem,curiosamente,me recordo),está de parabéns a Cultura e a Cerâmica que poderá tornar as Caldas na sua Capital.
O "trio" de ex-colegas,ficou muito bem...na pose para a fotografia da Guidó.
Aqueles meninos sentados no chão,nas suas "conversadas",não me passaram despercebidos.Um pormenor que me deliciou ao visionar o video.
Manuela Gama Vieira

Luís disse:
Merecidíssimo o reconhecimento do pai do Rui,o vídeo está bem feito e a recolha das notícias é útil para quem está fora das caldas.Apesar da nota no Facebook, só encontrei fotos no blogue “O que eu andei”.
Não vejo qualquer problema em intercalar notas como esta no meio das “séries”,penso que torna o blogue mais vivo!Abraço.L

Manuela Gama Vieira disse...
Luís,neste caso,concordo inteiramente consigo.
Um evento importante na vida cultural das Caldas onde nem todos os ex-ERO residem-o meu caso-e,por certo,gostam de acompanhar-o meu caso,também.
Por outro lado tratando-se do Pai de um Colega nosso,o Rui,e sendo Comissário da Festa da Cerâmica/2009,outro Colega nosso,o João Serra,que mais argumentos para partilharmos com gosto e orgulho?
Logo,o nosso Blogue está de Parabéns!
Manuela Gama Vieira

3cs disse...
não esquecer os autores do video ... http://www.ceramica3cs.com/ Obrigado

JJ disse:
Têm razão os autores do vídeo, omitidos do post! As nossas desculpas, já está corrigido.

Eleições no Rebenta Canelas

.
A propósito de "BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES" recebemos de uma colega uma redacção da Guidinha (da autoria de Luis de Sttau Monteiro, publicado em 1969).
.
.

Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo.
.
Guidinha (Luis de Sttau Monteiro)
.
__________________________________________________________
C O M E N T Á R I O S
.
Luis António disse:
Tenho a ideia que estes textos eram divertidissimos e a leitura deste reavivou-me a memória e confirmou-me a recordação.Não os encontro na Net,apenas a indicação de estarem reunidos num livro que nunca vi.Alguém sabe se está disponível?
Uma ideia muito engraçada publicar nesta ocasião!
.
Anónimo disse...
Só pelo comentário da Luisa que não tenho o prazer de conhecer,percebi(?)que a série de Verão,dedicada aos livros,filmes e histórias de férias da nossa juventude,terá acabado.Este texto,"Eleições no Rebenta Canelas",relaciona-se com um novo capítulo do Blogue?Será que a Luisa ou alguém me sabe responder?
Só mais um esclarecimento:assino SEMPRE os meus textos e comentários:Manuela Gama Vieira
.
Luisa disse:
O texto é realmente muito divertido e por isso o enviei.Respondendo ao Luis digo-lhe que o livro com estes textos foi publicado há poucos anos pela Porto Editora,deve ser fácil de achar.À Manuela que o JJ anunciou que no final do verão a série acabava e no último email que recebi estava escrito que a partir de 1 de Outubro o blogue anunciava o próximo encontro.Bjs.L
.
Belão disse...
Existe o livro " Redacções da Guidinha" da Areal Editores, publicadas anteriormente no Diário de Lisboa.
Críticas à ditadura muito bem conseguidas e com muito humor. Boa ideia a da Luísa e ainda por cima na altura própria.
.
jorge disse...
realmente muito engraçado,fiquei até na dúvida se seria mais uma partida como a da aninhas...mas já confirmei que não,é mesmo um texto de 1969 do stau monteiro.na mouche,mcomo se dizia naquele tempo!jorge
.
ana carvalho disse...
Já nem me lembrava das redações da Guidinha...mas não perdia uma eram realmente muito engraçadas e escritas com muito humor . Eu acho que tenho por aí o livro , vou procurá-lo e relê-lo muito boa ideia a tua Luisa.
Bjs PP
.
Manuela Gama Vieira disse...
Agora que as Eleiçoes Legislativas passaram,gostaria de dizer com toda a frontalidade,que não me pareceu oportuno o timing da publicação deste post.Contudo,opiniões não se discutem...Manuela Gama Vieira
.
Guida disse...
Incrível a "fome" com que alguns colegas morderam no texto do Stau Monteiro! Será que não existe por aí um pingo, só um pinguinho, de consciência? Não viveram esses tempos? Ou se viveram, pelos vistos não lhes fez comichão.... Pois eu não perdia uma das redacções naquela época e, assim que o livro foi publicado, tratei de o adquirir.
.
António J M disse...
Estas redacções da Guidinha tinham muita piada e convem realçar que eram a forma possível de dizer algumas coisas que não era possível dizer de outra forma.Também a mim esta publicação,aproveitando bem a coincidência do tema e da época que vivemos me deu vontade de voltar a ler as redacções originais.
As farpas do Eça e do Ramalho continuaram actuais até hoje,será que estas redacçôes têm o mesmo destino?A
.
Isabel X disse...
Só para subscrever o que diz Manuela Gama Vieira quanto à oportunidade da publicação desta redacção da Guidinha. Quanto às opiniões não se discutirem, já não me parece tanto que assim seja. Também Sttau Monteiro, atrevo-me a dizê-lo, não estabeleceria paralelos como estes que aqui parecem estar subentendidos.
- Isabel Xavier -
.
Guida Sousa disse...
Achei kilos de graça,não percebo como é que houve quem não achasse.Vivemos num país de gente cinzenta e sem sentido de humor!!!
Guida (mas não Guidinha!)
.
Manuela Gama Vieira disse...
Isabel,se me permite, com a expressão "Opiniões não se discutem" referia-me única e exclusivamente ao timing escolhido para a publicação do post.
Manuela Gama Vieira.
.
Isabel X disse...
Tem razão a Manuela! No caso em apreço, não vale a pena discutir. Fica cada um na sua... opinião.
Mas é que em 1969 houve, de facto, "eleições", como as que se faziam em Portugal nesse tempo, e eram essas que Sttau Monteiro, ou a Guidinha se preferirem, parodiava. Temo que se adaptem palavras de alguém que já não está entre nós, a quem muito prezo (Sttau Monteiro), para fins muito afastados, no mínimo, dos que eram os seus quando as escreveu. Não há paralelo possível.
- Isabel Xavier -

Há Festa na Aldeia

.

por Nicolau Borges

.


Em plena adolescência, o Verão era passado entre a Praia de Mira, combatendo as suas ondas telúricas e os olhos postos na prancha de saltos da Barrinha, e os dias quentes vividos no campo, perto de Miranda do Corvo, acompanhando os ciclos das culturas do milho, da apanha da fruta e, apoteoticamente, das vindimas. Era tempo de “vadiar”, no sentido que lhe dava Agostinho da Silva, dias intermináveis de felicidade pelas brincadeiras incansáveis e pelas amizades incondicionais.
.
O cinema já era uma paixão, vivendo em Coimbra, não havia semana que não peregrinasse ao Tivoli, ou ao Gil Vicente ou, por vezes, o arriscar no Sousa Bastos um filme mais “marginal”.
.
Em Miranda não havia cinema, o mais próximo ficava a 8 km, na Lousã, pelo que aos domingos à tarde pegava-se na bicicleta e, em pelotão, lá rumávamos nós ao cinema ver o que estivesse em cartaz.
.
Um filme teve em nós um efeito muito especial porque ficou associado a brincadeiras que haveriam de nos fazer rir até às lágrimas. O filme foi o “Há Festa na Aldeia”, de Jacques Tati, o qual contem uma sequência verdadeiramente delirante, precisamente aquela em que o carteiro corre a aldeia, numa viagem vertiginosa de bicicleta, sequência essa que nos faz suster a respiração de tanto rirmos, a qual haveria de se tornar fonte de inspiração e imitação para os nossos passeios e ousadias velocipédicas.






À época, na região, existia uma expressão popular que se aplicava aos ciclistas que andavam de bicicleta de modo muito formal e muito rígido, os quais eram apelidados de “sapateiro da Lousã”. Ora essa designação aplicava-se tal e qual ao carteiro do “Há Festa na Aldeia”, pelo que, na sequência em que o carteiro faz a sua viagem vertiginosa, mais nos pareceu um sapateiro, dito da Lousã, do que propriamente um carteiro. A sequência desassossegou toda a sala e quase acabou com o fim da projecção do filme, já que após um pequeno burburinho rapidamente se armou uma enorme algazarra motivada pelas “bocas” e pelos risos hilariantes associados aos comentários em alta voz, obrigando mesmo a uma intervenção do guarda de serviço e à ameaça de interrupção da projecção do filme.
.
É claro que a plateia acalmou, mas não o seu efeito e as repercussões no estilo e na forma como, no próprio dia e nas semanas seguintes, haveríamos de encarar e utilizar a bicicleta, companheira inseparável de todas as férias.
.
Nas descidas era ver-nos, a toda a velocidade possível, com o torso muito aprumado, a cabeça bem levantada, pedalando desenfreadamente e gritando: “cuidado que lá vem o carteiro da Lousã!”. Confesso que o estilo não se impôs, rapidamente se regressando à expressão de “sapateiro da Lousã”, por força e vontade do filme seguinte, e dos outros que se lhe seguiram.
.
Os filmes do realizador, e também actor, Jacques Tati haveriam de voltar a cruzarem-se comigo ao longo dos anos seguintes, por via dos ciclos de cinema temáticos que o Gil Vicente organizava frequentemente, registando a cinematografia de Tati como uma das mais decisivas na consolidação da paixão pelo cinema, confirmada também por via de alguns grandes amigos admiradores confessos do cinema inconfundível de JT, dos quais saliento o José Alemão.
.
Quanto ao “Há Festa na Aldeia”, eis alguns dados que podemos partilhar, disponíveis ao alcance de um click:
.

.

Há Festa na Aldeia
Jour de FêteCady Films / Panoramic FilmsFr., 1949, 76m (versão 1949) / 70m (versão 1995) , comédiaRealizador: Jacques TatiArgumento: Jacques Tati, Henri Marquet e René WheelerActores: Jacques Tati, Guy Decomble, Paul Frankeur, Santa Relli, Maine Vallée, Delcassan, Roger Rafal.

.
A feira chega a uma pequena aldeia francesa e com ela o carrossel, bancas de divertimentos e cinema. O filme em exibição é um documentário que mostra as modernas técnicas que os correios norte-americanos utilizam e que leva toda a aldeia brincar com o carteiro local. Este decide, então, utilizar as mesmas técnicas no seu trabalho.
.
A primeira longa-metragem de Jacques Tati é uma deliciosa comédia que abre caminho para o percurso que o realizador veio a desenvolver ao longo da sua carreira e onde é possível identificar as raízes da sua mais famosa personagem: Mr. Hulot. Tendo como ponto de partida a curta-metragem L’École des Facteurs, realizada por Tati dois anos antes, Há Festa na Aldeia é muito mais do que um simples remake: é uma verdadeira homenagem a uma época cinematográfica distante, que tinha na comédia física e na pantomima as bases do humor e que mostra o porque de Jacques Tati ser uns dos mais geniais cómicos franceses.
.
A intenção do realizador era a de rodar o filme integralmente a cores, utilizando, o então experimental processo Thomson-Color. Mas devido à incerteza da viabilidade do processo, Tati resolveu filmar, ao mesmo tempo e utilizando uma segunda câmara, uma versão a preto e branco. Embora a rodagem tenha corrido sem problemas, a revelação da película a cores verificou-se impossível devido a problemas técnicos e o filme foi estreado na sua versão a preto e branco, que é a mais conhecida do público.
.
Em meados da década de 60, Jacques Tati decide realizar uma nova versão de Há Festa na Aldeia à qual acrescentou uma nova banda sonora, novas cenas (filmadas de propósito e onde surge, pela primeira vez, a personagem do pintor) e coloriu algumas cenas do filme. Esta nova versão, que manteve o mesmo tempo de duração, substituiu a anterior a preto e branco nas salas de cinema.
.
Em 1987, a filha de Tati, Sophie Tatischeff, e o director de fotografia François Ede iniciaram o restauro do filme original a cores e a nova versão estreou em 1995, que é a que actualmente é exibida no cinema e na televisão. Esta versão permite ver melhor, e em todo o seu esplendor, o trabalho de Tati e a atenção que o realizador dava ao aspecto visual. Os poucos diálogos e música que existem no filme e que é uma característica que Tati utilizou e dominou como poucos ao longo da sua carreira, ajudam apenas a reforçar a mensagem visual.
.
O apelo universal da linguagem desenvolvida por Jacques Tati é de tal maneira forte que o realizador se tornou numa referência do cinema francês, influenciando gerações de realizadores, como os arquitectos da Nouvelle Vague, e que ainda hoje torna os seus filmes bastante populares em todo o mundo. Há Festa na Aldeia é um excelente exemplo disso mesmo.

.
NB
.
______________________________________________________________
C O M E N T Á R I O S
.
MM disse...
Colorida descrição Nicolau Borges, gostei muito, fez-me até, uma vez mais ter pena de não ter aprendido a andar de bicicleta. Valeu pelo que me despertou pelo Jacques Tati.
bj MM
.
Laura Morgado disse...
Adorei esta "Festa na Aldeia".
Laura
.
Manuela Fiel
Que saudável "vadiagem" e passeios pelo "Há Festa Na Aldeia".
Adorei.
.
Isabel X disse...
Eis um texto à altura do realizador que referencia: Jacques Tati! É evidente quanto o seu autor se revê no estilo inconfundível do cineasta francês.
Nesta história é que se cruzam, de facto, as peripécias de um filme e as da vida! Neste caso a do Nicolau, quando adolescente, e do seu grupo de amigos. Hesito entre lamentar não ter pegado a expressão nascida da vivência cinéfila (carteiro da Lousã) ou preferir-lhe a que lhe esteve na origem (sapateiro da Lousã). Mas tanto faz, são ambas bem giras!
Confesso que, conhecendo o Nicolau (agora), de quem sou muito amiga aliás, me custa imaginá-lo nestas corridas desenfreadas de bicicleta... Mas nada melhor do que a surpresa, não é verdade?
Espero que continues a aparecer por aqui, Nicolau.
Beijinhos para todos!
- Isabel Xavier -
.
Belão disse...
O Nicolau cinéfilo, já eu conhecia. Agora o Nicolau ciclista....
Mas eram com toda a certeza muito divertidas as tardes de domingo.
Se o "Há festa na aldeia" teve um efeito especial nele, acredito, mas sei que o Nicolau teve um efeito muito especial numa determinada fase da adolescência do meu filho, na altura seu aluno. Sempre que queria ir ao cinema dizia " O setôr Nicolau diz que é muito bom". Acho mesmo que tudo o que ele dizia era "escritura". E isso tem um significado muito especial.
Aliás, no que se refere à disciplina de História, o rapaz teve dois professores que o marcaram e de quem ainda hoje fala - Nicolau e, já no secundário, a Isabel Xavier.A Isabelinha é assídua por aqui. Espero que o Nicolau continue a aparecer.
.
Isabel X disse...
Também me lembro muito bem do meu querido antigo aluno, que há-de continuar a sê-lo sempre um pouco, pelo menos para mim, giríssimo e muito divertido, o "Bolos"! Era esta a alcunha do filho da Belão, minha antiga colega do ERO, que também o é agora de profissão e de blogue.
Veja-se como se descobre de quantas maneiras as nossas vidas se cruzam quando nos pomos a pensar nisso!
Beijinhos!
- Isabel Xavier -
.
Luis disse...
Muito engraçado o texto e é um prazer recordar o grande cineasta que é Tati. Hoje só vemos filmes americanos...
Não me lembro do Nicolau mas daqui lhe mando um abraço.L
.
José Carlos Faria disse:
Bem-vindo ao blog, Nicolau. A tua chegada, em velocidade e de torso direito, é uma festa!
Abraço.
.
João Jales disse:
Respondendo a algumas perguntas, esclareço que o Nicolau não foi aluno do ERO, como aliás se depreende da leitura do texto.
Esta evocação de Tati corresponde exactamente ao que esta série propunha, ao fornecer simultaneamente informação sobre o filme e a forma como ele foi visto pelo autor, reproduzindo as palavras o humor das imagens.
O Nicolau é um homem da Cultura, foi pois com prazer mas sem surpresa que li e publiquei esta magnífica prosa. E, como os outros comentadores, exijo: queremos mais!
Um abraço. JJ
.
Luisa disse:
Depois de uma série tão boa,não parecia possível que ela acabasse a subir de nível e em beleza da forma que tem acontecido!
Este post do Nicolau Borges(que não conheço)é muito divertido e informativo.Só conheci os filmes de Jacques Tati mais tarde,nas sessões clássicas em Lisboa e recordo-me sobretudo de Playtime.Parabéns,escreva mais!
.
Manuela Gama Vieira disse...
O "Há Festa na Aldeia" que li com muito agrado,fez-me lembrar não as minhas "viagens vertiginosas de bicicleta",mas a mimha aprendizagem a andar de bicicleta.Joelhos esmurrados,de vez em quando,mas nada mais do que isso,a não ser saber andar de bicicleta!
Também pergrinei pelo Gil Vicente,pelo Avenida,pelo Tivoli,mas não vi o filme de Jacques Tati que refere.
Parabéns pelo seu texto.
Manuela Gama Vieira
.

Isto de férias tem muito que se lhe diga...

.
por João Bonifácio Serra
.
.
Sempre tive sentimentos ambivalentes em relação às férias. Refiro-me sobretudo às férias de Verão. Há quem ache, sumariamente, que com a idade me tornei um “workaholic”. Nada mais errado. A minha desconfiança face ao real significado das férias é atávica. Tem que ver com as minhas origens rurais. Nada mais estranho ao mundo rural onde nasci e cresci do que o conceito de férias.
.
No singular, féria era o salário do trabalhador rural. Paga semanalmente, ao Sábado ao fim da tarde, era o resultado dos dias (ou meios-dias) de trabalho efectivo, a multiplicar pelo valor da jorna diária.
.
Percebem pois a dificuldade de assimilar férias a não-trabalho e, ainda por cima, não-trabalho pago. Na minha aldeia só o trabalho era pago. Se o trabalhador estivesse impedido de comparecer no local de desempenho, por doença sua ou de familiares, por exemplo, ou até por motivos que não lhe podiam ser imputados (como o estado do tempo), não recebia a sua féria.
.
Como se passou, no português, de féria=salário ou jornal (e por extensão, lista destes salários) para féria=dia de descanso é para mim um mistério.
.
Lembrar-me-ão que a noção de férias acabou por ser o resultado dos longos períodos em que as escolas fechavam e as meninas e meninos mandados para casa. Mas quem suponha que as filhas e filhos dos camponeses tinham férias à sua espera, sempre que eram libertados das obrigações escolares, está equivocado. Não ter aulas significava para eles exactamente ter outras tarefas distribuídas e porventura bem mais duras: as raparigas, ajudar as mães na lida da casa e da horta e tomar conta dos mais novos, os rapazes ajudar os pais nos trabalhos com o gado e o campo.
.
Os meninos da minha aldeia só brincavam na escola. Em certo sentido, as férias escolares estava mais distantes do conceito de férias, do que as aulas propriamente ditas.
.
Eu era uma excepção, claro, mas não me parece que os longos meses de férias representassem para mim um atractivo tão forte como para os meus colegas da cidade. Afinal, tirando as duas semanas de praia acrescidas de uma ou duas em casa de familiares em Lisboa, sobrava muito tempo sem actividades partilháveis com companheiros da mesma idade. Lembro-me de os meus pais pedirem a uma família camponesa vizinha licença para o filho, Manuel, vir ao fim da tarde, ou ao Domingo, terminadas as suas obrigações determinadas pelo Pai, brincar comigo.
.
Os ritmos da agricultura não eram compatíveis com as férias, designadamente as “férias grandes”. Não me recordo de o meu Pai ter passado férias comigo e com a minha Mãe durante a minha infância e adolescência. Se alugávamos casa em S. Martinho ou na Foz, aparecia à noite e abalava de madrugada. Só o víamos na praia aos Domingos.
.
Recuando uma geração, testemunhei que meus Avós gostavam de ver o mar –
todo o mundo rural tinha esse fascínio, organizavam-se excursões aproveitando Domingos ou Dias Santos no Verão para o ir ver – sobretudo na Nazaré. Faziam-no aos Domingos, mas evidentemente não saiam do café Oceano, onde permaneciam toda a tarde.
Ocasionalmente, cediam em visitar, nas suas barracas de praia, os filhos. Isso sucedia também na Nazaré, onde os meus Tios alugavam casa. Uma ou duas vezes teve lugar na Foz, preferência da minha Mãe depois que fiz a instrução primária.
.
Essas visitas raras exigiam preparativos complexos. Os meus Avós entravam na praia vestidos e calçados com a indumentária dos Domingos e permaneciam o resto do tempo dentro da barraca, de costas para as ondas e o vento norte. Era preciso garantir, nesse dia, que o banheiro providenciasse os bancos e a mesa de madeira indispensáveis. O momento alto do acontecimento era o almoço. De dentro de uma cesta de vime, devidamente revestida com um pano branco, saíam toalha e guardanapos, talheres, pratos e copos, pão, água e gasosa, um tacho (embrulhado em papel de jornal para manter o calor) com arroz de coelho, uma marmita com bolo mármore e um termos com café. Como se percebe, o resultado de um intenso labor preparatório e de uma aplicada logística de transporte e resguardo. Mesmo na praia, o mundo rural mantinha as suas práticas, rituais e códigos.
.
Pela minha parte, foi aí que comecei a achar que ter férias podia ser muito trabalhoso. Comprovei-o anos mais tarde quando eu próprio me vi – alegremente – envolvido nessa empresa indescritível de proporcionar férias de Verão a filhos e... netos.
.
João B Serra
.
_______________________________________________
C O M E N T Á R I O S
.
João Ramos Franco disse...
Este passar pelas férias do João Serra, faz-me dar uma volta pela minha origem familiar.
Os meus avós, Ramos Franco e Calisto ,residiam em Rio Maior, à época pequena Vila rural. O meu pai tinha que se deslocar a Rio Maior, pelo menos uma vez por Semana para pagar a Féria ao pessoal que trabalhava na casa agrícola.
As férias dos nossos Avós na Nazaré também são comuns, em nós…A história de uma família que todos Caldenses conhecem, os Calisto, começa num namoro de ferias na Nazaré, entre o meu Tio Asdrúbal Calisto e a menina Leonarda Alves (natural de Santarém), que casam e vêm residir para as Caldas da Rainha.
Claro também existem diferenças entre o meu modo de sentir as Férias e o JBS, eu nasci na cidade e residi na mesma, logo aqui, a diferença de ambiente na juventude gera diferenças ao enfrentarmos as férias…
João Ramos Franco
.
Manuela Cama Vieira disse:
Uma visão muito singular esta,do João Serra,sobre as férias.Li-o com muito interesse e agrado, especialmente porque está bem claro no texto o valor do valor do trabalho e da sua justa retribuição.
Concordo consigo- quem corre por gosto não cansa, eu que o diga,também tenho Filhos (e...namoradas de Filhos)- que "Isto de férias temmuito que se lhe diga... " e ainda lhe digo mais!Depois das férias, dá vontade de "....descansar das férias.
Preciso urgente de férias das férias. Sempre achei que o que dá mais trabalho no ano são as férias."
Manuela Gama Vieira
.

Isabel X disse...
Há uma obra interessantíssima que se chama a "Arte de perguntar". Aí se defende a tese de que já se encontra contida nas perguntas, a parte mais significativa das respostas que suscitam, quando formuladas de modo adequado. Parece-me ser o caso quando o João se pergunta, perplexo, como é que a palavra "féria", que sempre significou pagamento por um trabalho realizado, se transformou no seu oposto, ou seja, em descanso duplamente remunerado, ao adquirir um simples "s", ao passar para a sua forma plural: "férias"!
Este caso, que fica inevitavelmente por responder, prova bem que a arte de perguntar não é para todos. E que é preciso muita arte para em vez de gozar as férias, aproveitá-las para reflectir sobre os conceitos e as alterações a que estão sujeitos quando passam do meio que lhes deu origem, o rural, para o meio urbano que rapidamente os desvirtua.
Por outro lado, acho sempre graça quando o João invoca as suas origens rurais! Não me lembro bem dele desse tempo (do Bonifácio, como muitos dos bloguistas lhe chamam), embora ele fosse amigo do meu irmão Luís. A imagem que tenho do João Serra é a do professor universitário, a do investigador, a do assessor e chefe da casa civil do presidente Sampaio, a de alguém que mantém um blogue muito coerentemente intitulado "oqueeuandei", no qual se prova que não pára de facto, que é um cosmopolita inveterado, quase mundano, na medida em que conhece e convive com sei lá quem que nós nem sonhamos!... E afinal, segundo o seu próprio testemunho, ficamos a saber que a incomensurável capacidade de trabalho que lhe permite saber viver assim, aprendeu-a ele das suas origens rurais e dos exemplos familiares. Talvez daí, esta espécie de desconfiança perante algo tão recente como as férias. Ah, sim! Porque mesmo quando João nos fala de si, nunca é só de si fala: toda a narrativa está urdida de modo histórico, e é História que temos a oportunidade de aprender!
- Isabel Xavier -
.
Belão disse...
É sempre muito agradável ler o J Serra. Em vários registos. Féria, férias, o gostar de ver o mar... tudo me fez recuar no tempo e recordar.
"Na minha aldeia só o trabalho era pago" - lembro-me da minha mãe (professora primária) me contar que no início de carreira e durante vários anos, os professores não recebiam nas férias. Dei comigo a imaginar...."meus Avós gostavam de ver o mar, todo o mundo rural tinha esse fascínio, organizavam-se excursões..."- recordou-me um episódio, datado de 1979 e no qual eu não queria acreditar.Leccionava numa aldeia perto de Fátima, Loureira, quando organizei uma visita (com uma turma de miúdos entre os 10 e os 13 anos) à Foz do Arelho, no final do ano lectivo. Razão da escolha: mais de metade da turma nunca tinha visto o mar. Foi lindo olhar as caras deles quando avistaram o mar. Nem sei descrever. Fiquei de lagrimita a vê-los durante muito tempo. Eu já sabia que as férias deles eram passadas a ajudar os pais. Mas nunca imaginara que nunca tivessem visto o mar. O almoço que levavam era quase o descrito pelo JS, embora sem mesa e sem bancos.Foi uma trabalheira, sem dúvida. A excitação era imensa e eles eram 32! Mas foi muito gratificante.
Obrigada João!
.
J.L. Reboleira Alexandre disse...
É sempre gratificante ler os artigos de J. Serra, mas o meu comentário vai para outro comentário. O da Belão. Afinal Fátima é já ali. E o ano de 1979 parece que foi ontem. Quanta pobreza escondida como a que Belão nos mostra andará ainda por aí!
No meu caso, revejo-me em toda a história do Serra, salvo no que o mar concerne, of course, já que ia para lá desde pequenito ou a pé ou na minha bicicleta, com os miudos da minha idade, e por norma sem os meus pais. As «excursôes» do pessoal dos «cabeços» passavam frente à minha porta, e achava aquilo algo esquisito. Felizmente tudo mudou, e para bem melhor!
..
Artur R. Gonçalves disse...
Antes de significar o valor da jorna diária, a palavra «féria» significava para os nossos avoengos romanos «dia de festa». Mas para eles, tal como para muitos de nós, o conceito de festividade não cabia num único dia, pelo que a palavra começou a ser utilizada no plural. E foi assim que passámos a ter as «férias» para celebrar os dias consagrados ao repouso. O tal mistério da transformação semântica do lazer ao labor deveu-se ao facto de os «dias de festas» (férias) serem utilizados pelos lavradores para venderem o produto do seu trabalho efectivo (féria). Os locais onde esses eventos ocorriam passaram rapidamente a ser designados por «feiras». Locais privilegiados de ócio e negócio. Na Idade Média como na actualidade, é bem verdade que o descanso de uns só é possível à custa do trabalho de outros. De facto, isto de férias tem muito que se lhe diga…
.
Isabel X disse...
"Dia de festa", talvez por isso mesmo, o de ser o dia em que se recebia a féria, não?Inspiro-me também na experiência própria, sabe?...
- Isabel Xavier -
.
João Jales disse:
Esta excelente crónica, em que o autor regressa a um dos seus temas favoritos, a Cidade e as Serras, dispensa comentários. Acrescento só que as suas Serras não são nunca cobertas pelo diáfano manto da fantasia de Eça, são pedregosas e duras, com gente vivendo sob códigos ascéticos e duras leis da vida. Há sempre algo de um filme neo-realista nestes relatos, acho eu.
.
Quanto às "férias" e à "féria" estou certo que o João conhece e usa a máxima:
"Se não sabia a resposta, para que é que perguntou?"
Eu já não me deixo enganar... JJ
.

BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES

.
Esta carta, escrita por uma garota após ter ido pela primeira vez ao cinema, é um documento precioso para esta série. Fiquem pois com as impressões da Aninhas sobre a Branca de Neve e os Sete Anões:

.


Querida prima:

.
Espero que te encontres bem na companhia dos teus pais. Não pergunto pelo teu irmão porque ele ainda não me pediu desculpa de me puxar as tranças na festa de Natal. Nós por cá todos bem.

.
A minha mãe levou-nos ontem ao cinema. Eu e o meu irmão nunca tínhamos ido ao cinema e ela disse que era como uma televisão grande.

.
Não era bem verdade porque as pessoas e os animais são a cores, a sala é MUITO maior que lá em casa, estava muita gente que eu não conhecia e eu apanhei um susto logo no princípio porque faltou a luz. A luz só apareceu outra vez a meio da história.
.
Além do susto da luz detestámos tudo o resto. Imagina que a Branca de Neve era filha de uma bruxa horrível e andava toda contente vestida de trapos a varrer o jardim. Não sei porquê, mas estava tão alegre que até cantava e falava com os passarinhos. Se eu andasse toda rota e descalça não me apanhavam de certeza a cantar nem a falar com os passarinhos.

.
A Rainha Má tinha um espelho falante que lhe dizia que ela não era a mais bonita do mundo. Não sei para que é que alguém quer um espelho falante que diz que há outras pessoas mais bonitas. Mais valia ser mudo, como o meu.

.
A Rainha deixou-se convencer pelo espelho falante a matar a menina. Mas o motorista (ou jardineiro) teve pena dela e matou antes o Bambi. O meu irmão Luís desatou a chorar. Com razão, porque o bruto do homem matou o pobre bicho só para lhe tirar o coração. Ainda berrou mais quando a tal Branca de Neve fugiu e apareceram uma quantidade de monstros na floresta.

.
Pior ainda foram os anões que andavam a cavar um buraco no chão para apanhar pedrinhas. Mais valia irem à Foz, sempre andavam ao Sol! Mesmo tendo aquele trabalho horrível, também cantavam muito. Lembraram-me logo os anões que eu vi a dar chapados uns nos outros no Circo e aí chorou o meu irmão e chorei eu, porque detestámos os anões do Circo! A minha mãe estava danada e também não parecia estar a gostar nada daquele Cinema. Acho que ela também não sabia bem ao que ia.

.
As luzes acenderam-se e tivemos o melhor do Cinema: os caramelos que a minha mãe comprou para calar o meu irmão. Eu também comi, claro.

.
Mas quando as luzes se apagaram a Madrasta (que é uma espécie de Mãe, mas ainda mais chata) deu uma maçã podre à Branca de Neve e ela morreu. Aí é que ninguém calava o meu irmão! E eu disse logo à minha mãe que nunca mais comia fruta, diga ela o que disser. A minha mãe ainda começou a discutir comigo mas não conseguiu porque entretanto zangou-se com as outras pessoas à nossa volta por causa da nossa conversa e da choradeira do Luis. Mas a culpa era da história, que só melhorou quando um senhor deu um beijinho na morta e ela ressuscitou. Eu já tinhas visto alguns meninos mais velhos andarem a ressuscitar as meninas mais velhas no Parque quando ando lá de bicicleta e espreito para a fonte junto ao Ténis.
.
Acabou a história com mais uma cantoria. Muito se canta no cinema, é muito aborrecido. Salvaram-se os caramelos.

.
A minha mãe prometeu:
.
- NUNCA MAIS vêm comigo ao Cinema, o vosso paizinho, que queria tanto que vocês viessem, que vos traga para a próxima!

.
Por isso acho que tão cedo não volto ao Cinema.

.
Não te esqueças que faço anos no dia 10. No ano passado esqueceste-te e não recebi nenhuma prenda. Beijinhos da prima amiga


.
Ana


.
C O M E N T Á R I O S
.
Julinha disse:
Encantei-me-ao-ler-esta-carta!Levou-me-a-sentar-naquelas-carteiras-de-madeira-a-fazer-uma-redacção....deliciei-me!
Não-sei-quem-é-a-Ana-mas-queria-agradecer-lhe-este-momento-maravilhoso.
Tenho-um-problema:não-posso-comentar-porque-só-tenho-tracinhos-não-tenho-espaços!......desculpa-lá-acabar-com-a-tua-pachorra!!!!!!!!
Mais-uns-tracinhos-Bjs-Júlia
(NOTA-A Júlia tem mesmo uma avaria no teclado e este email NÃO era para publicar, claro)
.
João Ramos Franco disse...
Já não me recordo das minhas redacções com esta idade, nem de ter escrito uma carta a alguém…Mas esta carta da Ana, 9 anos de idade, com o poder de descrição do real, transportado-nos ao filme e às reacções que a envolvem, “é de se lhe tirar o chapéu”…Se com aquela idade escrevia assim, como será agora?!…
João Ramos Franco
.
Laura Morgado disse...
Quantos Professores de Português gostariam de ter uma aluna assim?
Partindo do pressuposto que a Ana era mesmo uma criança quando escreveu esta carta, era uma menina com capacidades intelectuais acima da média. Só assim, conseguiria descrever com tanta clareza o filme e toda a sua envolvente. Palpita-me que, no momento presente, seja uma excelente escritora.
Obrigada Ana pelo seu texto tão encantador e divertido.Espero que continue a presentear-nos com a sua escrita.
Laurinha
.
António J M disse...
Este é um texto incrivelmente divertido,custa a crer que tenha sido guardado para o final da série já que uma carta destas teria que aparecer no blogue mal o JJ a visse.
Há aqui uma história para ser contada,fico a aguardar(e se houvesse mais cartas da Aninhas???). A
.
Ana Carvalho disse:
Olá eu não sei quem é a Ana (será que não sei?), mas dou-lhe os parabéns por esta pequena grande história que me encantou, deliciou, fez rir, enfim divertiu-me imenso .
Obrigada. Bjs PP
.
jorge disse...
como é que o comentador ramos franco sabe que a autora tem nove anos?há pelos vistos informações que não chegam a todos os leitores!
as observações são divertidissimas,a autora não pode ter nove anos!seja quem for,deve ter outros escritos que nós gostávamos de ler.jorge
.
Luis disse...
(...)Quem será esta Aninhas,tão ladina e despachada e que tanto me divertiu?Fez passar o filme à minha frente de uma forma tão crítica que fico a pensar em que circunstâncias esta carta terá sido escrita... LF
.
Isabel X disse...
Há um humorista brasileiro (peço desculpa, não me lembro do nome, o Vasco Baptista sabe quem é, talvez possa ajudar) que fez uma descrição do que viu e sentiu num jogo de futebol, a que assistiu sem saber ao que ia, sem saber sequer o que era isso de futebol, com a qual este pretensa carta de uma pretensa menina à sua prima tem inúmeras semelhanças.
A ideia é gira, concedo!
Mas...há algumas correcções a fazer:
- A rainha não se deixou convencer pelo espelho falante, mas pela sua própria inveja;
- Os espelhos limitam-se a dizer a verdade. Não há espelhos mudos;
- A parte dos anões concedo que tenha a sua razão de ser;
- Andar rota e descalça não será condição de cantar, mas de falar com os passarinhos é com certeza;
- A madrasta ser uma espécie de mãe, mas ianda mais chata, brada aos céus! Já não há nada de sagrado?
Conclusão: e o valor de fazer chegar tanto simbolismo até às crianças e jovens de tantas gerações, como o fez Walt Disney, onde é que fica?
Parabéns, JJ, assumiste esta personagem num dos teus melhores registos!
- Isabel Xavier -
.
JJ respondeu:
.
À Julinha, à Paulinha e à Laurinha - Obrigado pelos elogios, que transmitirei, e pelo constante apoio ao nosso Blog. Bjs.
.
Ao Jorge - O João Ramos Franco não tem qualquer informação extra sobre a Aninhas, ele confundiu apenas o dia do aniversário (dia 10) com a sua idade. Esta carta não podia ser escrita por uma pessoa de nove anos, tem que ser alguém mais velho.
.
Ao António, ao João RF e ao Jorge - Não tenho mais nenhuma carta da Aninhas, anterior ou posterior a esta.
.
À Laura - Não sei se algum professor gostaria de ter uma aluna destas. Hoje em dia não é preciso saber ler nem escrever, a Aninhas seria certamente um empecilho incómodo na sala de aulas!
.
À Isabel - Julgo que o humorista que referes é o Millôr Fernandes, que o Diário Popular publicou num suplemento semanal durante anos.
O filme "Snow White and the 7 Dwarfs" que foi realizado em 1937 foi profundamente alterado para a edição em VHS nos anos 70, ainda mais para a primeira edição em DVD e novamente para a edição de 2006 actualmente à venda. Resultado:
- Não ficou uma única cena original das conversas da madrasta ao espelho nem da sua transformação na bruxa;
- Não ficou uma única cena dos anões dentro da mina;
- O beijo do principe, considerado demasiado hollyoodesco foi completamente re-desenhado.
- Idem para a morte da corça, contactos da Branca de Neve e os anões, etc.
Acrescento que:
- Todas as crianças acham as mães umas chatas, não há nada de sagrado nisso.
- Fica a sugestão aos ornitólogos para que se apresentem rotos e descalços perante os passarinhos.
Agradeço sempre os elogios, mas neste caso não sou eu quem assina a carta. Mas agradeço o excelente comentário, a que a nossa amizade me obrigou a responder.
Bjs. JJ
..
Isabel X disse...
JJ
O registo do humorista a que me refiro é gravado e não é, quase de certeza, o que tu indicas. Só mesmo o Vasco Baptista para o identificar, ele é que tem o disco!
O facto de as mães serem chatas é uma verdade insofismável: eu que o diga! Aliás, é a sua obrigação. Compará-las a madrastas como a da Branca de Neve é que me parece algo sacrílego!
Bjs a todos,
- Isabel Xavier -
.
vitor b disse...
Esta carta é de morrer a rir,lembrou-me umas redacções da Guidinha que o Diário Popular publicou em tempos e que eram escritas por um autor conhecido(mas que não me recordo o nome).
Ver este filme como um filme de terror é uma ideia bem esgalhada e a Aninhas conta-o com montes de piada.
Vitor
.
Isabel X disse...
A Guidinha das redacções sem pontuação (foi aí que o Saramago se inspirou para algumas das suas obras, quem sabe?) era o Sttau Monteiro. Penso que não era o Diário Popular, mas o Diário de Lisboa.
- Isabel Xavier -
.
JJ respondeu:
Tem no comentário anterior triplamente razão a Isabel:
- As redacções eram do Luis Sttau Monteiro
- Foram publucadas no Diário de Lisboa (1969-1971)
- Constituíram provavelmente a inspiração de Saramago...
.
Guida disse...
Mas afinal quem é a Ana?
.
João Gomes disse:
Pelo menos sabemos que usava tranças, que não é filha única e que faz anos a um dia 10.
Mas seja lá quem fôr gostei muito de ler a carta.
Bjs MJoãoGomes
.
Manuela Gama Vieira disse:
A Aninhas podia ser qualquer um de nós…neste caso, uma de nós, usava tranças. Mas…esta carta também podia estar guardada no imaginário de um menino que puxasse as tranças à irmã, sabe-se lá. Embora tenha um dedo que adivinhe…não estou muito interessada em saberquem é a Ana.
O facto é que a Aninhas me avivou os filmes que vi na minha infância e os sentimentos tão diversos que me suscitavam, de acordo com o argumento das histórias. Quando comoventes, instalava-se-me um aperto na garganta, tal era a vontade de chorar...e quantas vezes não choreimesmo!
Quando a fantasia e o encantamento dominavam o filme, tinha pena que acabasse e logo me avisavam que nada do que tinha visto era verdade!
Quer num caso quer noutro, violência psicológica sobre crianças dir-se-ia hoje, vá-se lá saber.
«Os contos de fada, a meu ver, representam um perigo neste nosso mundo de hoje, tão realista. Prefiro predispor as crianças para a vida da luta que para o sonho e a idealidade abstracta, sem ramo em que a ave azul ponha o pé», disse Aquilino Ribeiro.E assim….”havia três dias e três noites que a Salta-Pocinhas- raposeta matreira, fagueira, lambisqueira…..”
Aninhas, sem desprimor para Aqulino, muitos parabéns!Manuela Gama Vieira
.

WALT DISNEY

.






Olhando um pouco para trás, para o tempo em que fomos meninos no Externato Ramalho Ortigão, penso que será difícil encontrar um criador mais popular do que Walt Disney. Desde Mickey à Bela Adormecida, de Donald a Bambi, dos filmes aos “quadradinhos”, ninguém deve ter passado a sua infância e juventude longe do fascínio das suas criações.

A sua história pessoal confunde-se com a história do cinema, começando com curtas-metragens, que já antecediam a projecção dos filmes nos anos vinte. A grande aventura, entre 1934 e 1937, foi a realização de Branca de Neve, que quase arruínou a produtora. Mas a atribuição de um Óscar (e sete miniaturas…) consagrou a visão e a ambição de Walt Disney e, a partir daí, o sucesso comercial, artístico e financeiro estava garantido.

A Fantasia (de 1940), “ilustrando” música de Bach, Tchaikovsky, Igor Stravinsky, Beethoven, Amilcare Ponchielli, Mussorgsky e Schubert, apesar de mal recebida pela crítica norte-americana da época, viu o seu estatuto crescer ao longo dos anos e transformar-se numa das obras-primas do cinema de animação.

Além das imagens do vídeo acima, acrescentei uma lista datada das longas-metragens de Disney até ao encerramento do ERO.

Comentários?

.
Título em português (Título original) Data de lançamento
.
1 Branca de Neve e os Sete Anões (Snow White and the Seven Dwarfs)
21 de Dezembro de 1937
2 Pinóquio (Pinocchio) 7 de Fevereiro de 1940
3 Fantasia (Fantasia) 13 de Novembro de 1940
4 Dumbo (Dumbo) 23 de Outubro de 1941
5 Bambi (Bambi) 13 de Agosto de 1942
6 Olá, Amigos ( Saludos Amigos) 6 de Fevereiro de 1943
7 A Caixinha de Surpresas ( The Three Caballeros) 3 de Fevereiro de 1945
8 Música, Maestro! (Make Mine Music) 20 de Abril de 1946
9 Batalha de Gigantes ( Fun and Fancy Free) 27 de Setembro de 1947
10 Tempo de Melodia (Melody Time) 27 de Maio de 1948
11 As Aventuras de Ichabod e o Sr. Toad (The Adventures of Ichabod and Mr. Toad)
5 de Outubro de 1949
12 Cinderela (Cinderella) 15 de Fevereiro de 1950
13 Alice No País das Maravilhas (Alice in Wonderland) 28 de Julho de 1951
14 As Aventuras de Peter Pan ( Peter Pan) 5 de Fevereiro de 1953
15 A Dama e o Vagabundo (Lady and the Tramp) 16 de Junho de 1955
16 A Bela Adormecida (Sleeping Beauty) 29 de Janeiro de 1959
17 Os 101 Dálmatas (One Hundred and One Dalmatians) 25 de Janeiro de 1961
18 A Espada Era a Lei (The Sword in the Stone) 25 de Dezembro de 1963
19 O Livro da Selva (The Jungle Book) 18 de Outubro de 1967
20 Os Aristogatos (The Aristocats) 24 de Dezembro de 1970
21 Robin dos Bosques (Robin Hood) 8 de Novembro de 1973
.
.
C O M E N T Á R I O S
.
Cecilia Travanca disse:
E como nos sentiamos bem com esse mundo de fantasia apesar de, mais tarde, se falar muito na "violência" dos desenhos... Se vissem alguns de agora...
.
Luis disse:
Não posso dizer que tenha sido uma admiração que me tenha acompanhado ao longo da vida,mas as minhas primeiras recordações de cinema e leitura estão realmente ligadas a Walt Disney.E não sei se musicais,com as canções dos filmes...
Mas ao contrário de outros autores que reencontrei com prazer ao acompanhar as novas gerações não me aconteceu isso com a obra deste homem.Tenho que rever a Fantasia,ver se é como dizes...
Abraço.L
.
Belão disse...
Vi todos! Em pequena, mais tarde com os meus filhos e há pouco tempo com o meu neto. As cores, a música, o movimento... nada tem a ver com o que hoje a criançada devora.
Mas os meus desenhos animados preferidos eram os do coiote e do Beep Beep, que até nem são da autoria de Walt Disney.
Quanto aos "quadradinhos", a minha preferência ia sem dúvida para o pato Donald.
.
João Ramos Franco disse...
Apesar de ter visto algumas longas-metragens de WALT DISNEY, o que mais recordo da juventude são as curtas-metragens que passavam antes da projecção do filme principal. Na realidade o momento de boa disposição provocado pelos desenhos animados era, para mim, quase que imprescindível.
João Ramos Franco

PAU DE CABELEIRA (Everybody's Talking)

por José Manuel Franco



.


-Não vou !-disse eu.
.
-Oh Zé,vem lá.Se tu não fores também não me deixam ir.Vais ver que vais gostar.O Casino é divertido,devem lá estar os teus amigos das Caldas,raparigas da tua idade e podes estar atrás do palco a ver os músicos e a apreciar os truques do conjunto -argumentou a minha irmã,tentando convencer-me.

.
Estávamos no Verão de 1970,como de costume eu passava parte das férias grandes em casa dos meus avós,em Alcobaça.Era a grande reunião familiar que se completava com aqueles que,por razões profissionais ou outras,só ao fim de semana se juntavam –pais,tios,irmã.

.
A grande novidade desse Verão era o namoro da minha irmã.O jovem “chevalier servant” era um leiriense de mil ofícios e sete instrumentos,que por essa altura oficiava como instalador de equipamentos,técnico de som e o mais que aparecesse ,junto da banda residente (o conjunto ,como então se dizia) do Casino das Caldas da Raínha: a Xaranga Beat.

.
Ora,ia ter lugar um baile especial ,não me perguntem porquê que eu não me lembro(seria o Baile do 15 de Agosto?),ao qual ,obviamente, o meu futuro cunhado queria levar a Teresa e esta estava desertinha por ir.Não só para estar com o namorado,mas também para fugir ao tédio das noites alcobacenses que pouca animação tinham para oferecer a uma jovem da sua idade.

.
E aqui é que surgia o grande problema para cuja resolução a minha contribuição era indispensável-nem pensar em deixar uma rapariga de boas famílias ir de Alcobaça para as Caldas da Raínha,à noite,para um baile, em companhia de rapazes,um dos quais seu namorado,ainda por cima!

.
Depois de muita argumentação e algumas ameaças veladas quanto a futuras trocas de favores,lá me deixei convencer e anuí a fazer aquela triste figura com a qual os meus amigos e eu tanto gozávamos a propósito dos desgraçados que se viam obrigados a emparelhar com as irmãs em festas,bailes,convívios e outras ocasiões onde a virtude e, sobretudo, a reputação das donzelas pudesse perigar-o Pau de Cabeleira.

.
E foi assim que,na noite do grande acontecimento, o Luís Maduro que ,além de guitarrista do conjunto(o que “desabonava” a sua situação ), era também amigo de infância e tinha sido colega de escola da minha irmã,para lá de ser filho de amigos e colegas dos meus pais( o que abonava a seu favor),se apresentou em nossa casa pronto para nos transportar até esse sítio desconhecido e vagamente transgressor ,onde ,dizia-se,além de se dançar,se jogava às cartas e ,imagine-se, as mulheres fumavam.

.
O Casino tinha uma entrada que, para um rapaz da minha idade,causava uma forte impressão.As portas corta vento de madeira dando acesso ao corredor de pé muito alto,encimado por um tecto em vidro curvado suportado numa armação em ferro forjado( o céu de vidro), ligando ao parque, o salão de jogo de um lado,continuado pelo bar, o qual por sua vez desembocava no salão de baile.Este desenvolvia-se perpendicularmente ao corredor ,era amplo e com várias portadas dando para o Parque D.Carlos.Alinhada junto a estas portadas uma fila de cadeiras,estrategicamente colocadas, para as senhoras,as quais assim não só beneficiavam do fresco do parque mas também controlavam as movimentaçãos das respectivas filhas ,das outras raparigas e lhes permitia ter uma visão próxima de quem dançava com quem,quem bebia demais e das toilletes de damas e cavalheiros.Não havia o perigo de falta de assunto, na Zaira, no dia seguinte!

.
Ultrapassado este primeiro deslumbramento com a arquitectura,o ambiente e o”beautiful people” que ainda antes do baile começar já circulava pelo Casino,fui “ajudar” a montar e afinar os equipamentos e instrumentos da banda.

.
Foi assim que conheci o Carlos Velez,guitarrista exímio,cuja interpretação do “Tico-tico no fubá “ainda hoje recordo, impressionado pela destreza das suas mãos,o António Achega, viola baixo e cantor,o Carlos Alberto ,teclista discreto e eficaz,o Rui Venâncio,baterista de batida forte e disposição festeira,o Carlos Cavalheiro que cantava tudo o que fosse preciso ,desde os Deep Purple até Bossa Nova,com garbo e distinção.Além ,claro, do já citado Luís Maduro cujo desempenho na viola ritmo ,sendo discreto,não deixava de ser importante .

.
Está claro que ,apesar de amigos e companheiros de muitas noites e viagens,os músicos mantinham uma relação pautada por alguma tensão e rivalidade-aquela causada sobretudo por motivos relacionados com a incerteza quanto ao futuro,a guerra colonial estava no auge,a música era uma actividade adicional para alguns e única para outros, e esta por questões de saias.

.
Com este enquadramento,as piadas,anedotas e partidas eram o pão nosso de cada dia.

.
Não sei se foi nesta noite ou em qualquer outra semelhante que ,para se vingar de alguma sacanice,para ganhar uma aposta ou pura e simplesmente por gozo,o meu futuro cunhado desligou a viola ao Luís Maduro deixando-o a tocar a seco toda a santa noite sem que este desse por nada.

.
A música era variada permitindo assim satisfazer as várias camadas etárias que acorriam ao Casino para conviver ,dançar e, no caso do pessoal adolescente, sacudir a ossatura e encostar às garotas com quem se tinham trocado olhares langorosos.

.
Houve uma música em particular que me deixou forte impressão e ainda hoje, passados quase quarenta anos,recordo com nitidez o Achega cantando,magro ,alto,bigode negro,olhar de ave de rapina adejando sobre as raparigas que dançavam ou simplesmente assistiam,as mães alvoroçadas ,os pais encostados ao bar,discutindo tudo e nada,os jogadores na sala ao lado e o mundo, todo um novo mundo que eu estava a descobrir e que passaria a frequentar assídua e prazenteirosamente ,concentrado naquela sala e naquela canção:
.
“Everybody’s talkin’ at me
I don’t hear a word their sayin’
Only the echoes of my mind…”



José Manuel Franco
2009.08.18
.
____________________________________________________________
C O M E N T Á R I O S
.
Belão disse...
Para mim é sempre com muita saudade que recordo os tempos do Casino e do Xaranga Beat.
Achei imensa piada ao post do Franco e dei comigo a pensar na sorte que eu tive por não ter o problema da Teresa. Morava em frente do casino e não precisava do meu irmão para ir ao bailarico. Também se precisasse, bem podia esperar sentada, que ele não iria, nem com um favorzito para a troca. A queda para a dança veio toda para mim!
Não sei se o Franco não estará enganado no ano, pois penso que o Xaranga chegou no Verão de 1970, mas com Rui Burguete e Porfírio. Cavalheiro, Achega e Carlos Alberto são posteriores.Contudo, recordo também com nitidez a música a quem todos ligamos o Achega e que tão bem a interpretava.
.
João Ramos Franco disse...
Falar do Casino é sempre do meu agrado. Mas vou retirar o ano de que Zé Franco nos fala, pela a simples razão de que nada sei das personagens de que fala. Nesta época já vivo em Lisboa.
Para quem o enfrenta pela primeira vez, faz nos uma boa descrição do interior do Casino dando-lhe vida, descrevendo a arquitectura e o ambiente que social com que se deparou.Um retrato com a vida do nosso Casino, do qual gosto do que me dá a ver…
Um abraço amigo
João Ramos Franco
.
Margarida Santos disse...
Lindo, o velho céu de vidro! Esta aproximação que lá puseram agora não tem nada a ver. Que tristeza! Se o rei cá voltasse e visse aquela "coisa" nem precisava de levar um tiro para morrer outra vez!
.
Isabel Esse disse...
Será que a malta nova ainda sabe o que é um pau-de-cabeleira?Julgo que não,mas posso estar enganada.
Já no ano passado se tinha aqui falado do Casino,mas esta história está bem contada e o casino bem descrito.
Julgo que a Belão tem razão,o Xaranga em 1970 ainda tinha o Rui Burguete como vocalista e não o Cavalheiro.
Gostei muito,espero que o autor tenha mais memórias e canções para nós.IS
.
João Jales disse:
Bom conto do meu amigo J M Franco, com uma evocação colorida e animada de um tempo e um local que marcou uma geração. Os paus de cabeleira não eram um papel simpático de representar mas tinham que existir para que as garotas também se divertissem… Calhou a todos!
Espero que o autor, também um melómano conhecedor, regresse a este blogue onde tem lugar reservado sempre que quiser.
E agora, posso falar um bocadinho de Everybody’s Talking?
Nilsson é um excelente compositor e músico, sendo responsável por dezenas de grandes álbuns e canções mas, ironicamente, os dois grandes êxitos que teve eram versões de outros : “Without You” (dos Badfinger) e este “Everybody’s Talking” (de Fred Neil).
Fred Neil é um dos maiores músicos de que vocês nunca ouviram falar. Compositor profissional no início da década de 60 (interpretado por Roy Orbison, Buddy Holly, Bobby Darin, Tim Hardin, Lovin’ Spoonfull, Jefferson Airplane, Nilsson, etc), venerado por David Crosby, Richie Havens e Tim Buckley, e uma influência sempre citada por Stephen Stills, David Crosby, Joni Mitchell, The Holy Modal Rounders, John Sebastian, Jerry Jeff Walker, Karen Dalton, Tim Hardin, Dino Valenti, Peter Paul And Mary… Ajudou a tornar conhecido um tal Bob Dylan, deixando-o tocar harmónica e cantar algumas das suas composições nos seus espectáculos em Greenwich Village em 1961.
Retirou-se da música em 1975 para se dedicar à preservação dos golfinhos durante o resto da sua vida. The Dolphins, uma composição sua de 1973, conheceu dezenas de versões (procurem no Youtube - se possível a de Tim Buckley ).
JJ
.
Isabel X disse...
Bem interessante esta perspectiva de José Manuel Franco, vindo de Alcobaça, sobre o casino. Lembro-me muito bem destes bailes e de como as músicas eram tão bem tocadas pelos Xaranga Beat. Acorriam pessoas de outros locais, além das Caldenses e de quem passava férias nas Caldas, com destaque para S. Martinho. Quem ganhava sempre o título de miss casino, e com toda a justiça, era a Ana Vieira Lino.
Lembro-me da Isabel Marçal (de Lisboa) me contar mais tarde quanto estranhava ver nesses bailes miúdas de quinze anos de vestidos compridos... Aquilo era giro, mas uma espécie de "ilha", na qual sobreviviam práticas algo invulgares para quem vinha de fora.
Muito úteis as explicações do JJ, que contribuiram para esclarecer a importância destas músicas, praticamente geracionais.
O vidro do actual "céu de vidro" nada tem com o que nós conhecemos, de facto, penso que já nem se fabrica nada de semelhante...
- Isabel Xavier -
.
Ana Carvalho
disse...
Zé (posso tratar-te assim?), sê muito benvindo ao nosso querido blogue. Adorei o texto voltei aos tempos de verão do Casino, de que tenho imensas saudades e relembrei aquela famosa banda, "Xaranga Beat", que nos divertia imenso.
Até assistiamos aos ensaios, que eram à 2ª feira, salvo erro, e nos quais colaborávamos bastante, havia quem cantasse, quem tocasse bateria...enfim uma noite bem passada; só até à meia noite, claro, porque as meninas eram bem comportadas e deitavam-se cedo!!!
Que saudades, tempos bons esses. Bjs PP
.
Miguel Cruz Gomes disse...
Olá Franco
Daqui um S. Martinhense convicto, mas de uma geração mais abaixo. Os meus anos já não são do Casino das Caldas, mas sim do "Ferro Velho" e posteriormente dos 1ºs anos do "Green Hill".
No meu caso não tive irmãs, mas afianço-te que o denominado "Pau de Cabeleira" ainda existia. Era passsageiro e só durava o tempo que levava a rapariga ou a contestar os pais, ou como aconteceu em todas as gerações, a dizer ao irmão, ou irmã, que fosse dar uma curva (nada que os mesmos não estivessem desejantes).
O que eu estou a descobrir, com os meus sobrinhos, é que hoje em dia estes paus de cabeleira podem estar muito diluídos, mas que existe agora uma figura nova: Um pai (menos vezes uma mãe, mas já vai existindo) sentado no carro à porta da Discoteca (com um ar "muita chateado") por volta das 4 da manhã, para ir buscar os crianços
.Algumas destas novas personagens, as que têm sorte, têm permissão dos "meninos" para entrar e esperar lá dentro, outras nem tanto.
Um abraço amigo (de um pai que daqui a uns anitos deverá estar nestas andanças)
Miguel Cruz Gomes
P.S.: Como era dito num dos comentários, ficamos á espera de mais...
.
Pedro Santos disse...
Gostei de ler a novela,embora a irmã do autor e o namorado tenham ficado esquecidos a meio,no que devia ter sido um final feliz(ou infeliz,como nos amores do João Jales!).Mas isso é um pormenor,concordo com os restantes comentadores que este é um bom retrato de um local que eu,que sou mais novo,não conheci tão bem.
Os comentários do JJ sobre música são sempre curtos e informativos,mas discordo da Isabel quando ela diz que estas músicas são apenas desta geração,muitas delas continuam a ser boas apesar da idade e esta canção que conheci num filme é um exemplo.
A minha geração aparece pouco aqui no blogue,só vi alguns mais novos quando publicaram a fotografia da D. Clarisse,mas sou um fã incondicional!P
.
Isabel X disse...
Claro que o valor das músicas não está em causa! Digo "praticamente geracionais" porque marcam uma geração. Há modas nas músicas, como em tudo o resto, mas muitas delas (como é o caso) nunca esquecem. O que disse foi para reforçar a pertinência dos esclarecimentos do Jales, pois muitos de nós (eu por exemplo) não sabemos nem uma pequena parcela do que ele sabe sobre música. Mais úteis se tornam as explicações dadas por ele quando pode haver quem não conheça tão bem as músicas por pertencer a outra geração.
- Isabel Xavier -