ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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ET LA MAIN DANS LA MAIN

por J M Azevedo Santos
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As canções que retive do tempo do colégio são maioritariamente francófonas (o francês era a língua estrangeira principal do ensino secundário da minha geração) e estão associadas às recordações dos «Bailes de Garagem» da primeira metade dos anos 60. A simplicidade melódica, a “candura” dos textos e o facto (descoberto mais tarde) de algumas serem versões de originais ingleses tornavam-nas pouco merecedoras de menção.
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Mas, lembrei-me de: Tous les Garçons et les Filles de Mon Age, cantado pela Fr
ancoise Hardy !

A imagem da cantora é (era...) uma referência (revejam a fotografia da Nani Barosa publicada neste blog...)
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A canção está (na minha opinião) acima da média, mas foi a estrofe “… et la main dans la main….” que me levou a referi-la.
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Esta frase é (podia ter sido) um slogan onde se resumia um anseio, que poderá parecer irrisório nos tempos que correm, mas que correspondia a um fruto proibidíssimo na época. Pertenço a uma micro-geração que iniciou o colégio com o Padre António Emílio e que apanhou bruscamente com o Padre Albino. Foi uma passagem da Primavera para o pico do Inverno (houve turmas que terão tido uma transição menos brusca, já teriam atingido o Verão, tinham algum amadurecimento) tipificada por «passar a ser proibido» subir a «ladeira do colégio» aos pares! Claro que a proibição era frágil (à Padre Albino que abusava, desgastando, o estatuto para proibir a torto e a direito – recordem o fabuloso texto do João Bonifácio, sobre a proibição de escrever na Gazeta, publicada neste blog), mas lá que condicionava, condicionava! E então la main dans la main, é melhor não se falar...

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Ao escrever as linhas anteriores percebi que a frase, ou o gesto, tem uma força que excede as recordações de adolescência e que chegava a memórias relativamente recentes:

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· Alguns dos quadros de Niki de Saint Phalle são uma espécie de diários onde ela ia desenhando, escrevendo, pintando, desabafando ... e num deles, a propósito de uma relação que se esboroava, dizia: «já não damos as mãos…» (é um quadro de 1968; título: My love, we won’t; a frase: we won’t hold hands anymore)
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· Ao ver, num cinema, o Shine A Light, do Martin Scorsese, entusiasmei-me com uma das canções dos Rolling Stones (sim, evoluí um bocadinho) e habituado àqueles aplausos curtos aos solos de jazz, desatei a bater palmas...Perante o ridículo da situação, e para evitar a sua repetição, dei a mão à minha acompanhante... Recorrendo ao H. Bogart, já que se estava no cinema, diria que foi o início de uma bela (e muito feliz) Amizade (com maiúsculal!).

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João Miguel Azevedo Santos
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COMENTÁRIOS
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Nascida em 1944 Françoise Hardy "explode" em 1962 com um álbum notável (imaginativamente chamado "Françoise Hardy"), em que está incluído a canção aqui recordada.
Com temas profundamente românticos, como é tradicional na canção francesa, foram as melodias, os arranjos e a voz que constituíram a inovação e a novidade que fizeram dela um dos grandes nomes da música popular entre 1961 e 1966.
A direcção, mais mainstream, que a sua carreira toma a partir do final da década de 60 não permite a muitos apreciar a enorme qualidade do seu trabalho nestes primeiros anos da sua carreira.
Continua a cantar e gravar esporadicamente e aconselho-vos a investigar "La Question"(1971),"Message Personel"(1973), "Parenthèses"(2006), todos inesperadamente magníficos.
Está casada desde 1971 com Jacques Dutronc de quem tem dois filhos. Ela vive em Paris e ele na Córsega, continuando casados trinta e oito anos depois...Um motivo para reflexão. JJ
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João Ramos Franco disse...
Tous les Garçons et les Filles de Mon Age, cantado pela Francoise Hardy, penso que não pode ser reclamado por qualquer nós para a sua geração, uma canção romântica, que foi horizontal para todas. Quanto ao título do post, ET LA MAIN DANS LA MAIN, faz-me pensar e recuar no tempo. 1960. Fértil em recordações, faço 18 anos de idade, Padre António Emílio apesar de Director, é para mim como irmão mais velho e eu apenas como aluno assistente do ERO. Não me consigo ver a reagir perante as atitudes do Padre Albino, a minha alcunha de Traga-Balas, entre os meus colegas, tem um bocado a ver com o modo como reagia em determinadas situações, principalmente quando os assuntos iam para além das lições de moral, o qual eu entendia que a recebíamos em casa era suficiente…
Um abraço Amigo
João Ramos Franco
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João Jales disse:
Um incurável romântico evoca uma das mais belas canções de amor do século XX... E termina o post de mão dada com a Amiga com que foi ver o filme de um concerto dos Rolling Stones, filmado por Scorcese.
Passado entre 1961 e 2009, entre Françoise Hardy e os Stones, este texto faz-me acreditar que este é um Blog de todos os tempos!

TRISTANA

“Tristana”, por Isabel Xavier

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Era uma noite chuvosa de Inverno. Já atrasados, como sempre, os manos Xavier fecharam a porta de casa com estrondo e correram para as escadinhas do Beco da Boa Vista, a caminho da Praça 5 de Outubro. Iam ao cinema. Aliás, rara era a semana em que não assistiam aos filmes que então (anos sessenta - setenta), passavam nas Caldas, no Teatro Pinheiro Chagas ou no Salão Ibéria.
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No cimo do primeiro lance de escadas havia, nessa altura, um candeeiro de iluminação pública. Agora ou não há candeeiros, que é o caso, ou os que há têm uma luz muito fraca. Presentemente, para andar nas Caldas, à noite, a não ser à frente do CCC, só tacteando…
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Quando estava prestes a alcançar o primeiro patamar, eu resolvi agarrar-me com veemência ao corrimão de metal, pintado de verde, molhado, com a minha mão esquerda, empenhada em ultrapassar os meus irmãos. Foi quando senti um forte esticão que da mão alastrou ao braço. Já o chapéu-de-chuva rolava pelas escadas enquanto eu, gritando e soltando-me, esfregava furiosamente a mão e o braço esquerdos com a mão direita.
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O Mário, que naquele tempo sabia quase tudo, pelo menos era o que a mim me parecia, sentenciou:
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- “Tiveste sorte por calçares essas botas de solas de borracha. Caso contrário, terias morrido, aqui e agora, à nossa frente. Nenhum de nós poderia sequer ajudar-te porque se te agarrássemos, morreríamos também.”
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Imaginei logo a cena, ou “vi logo o filme todo”, como preferirem: eu aos esticões; a Helena, desconhecedora desses mistérios científicos, procurando ajudar-me e logo impedida de o fazer; os meus irmãos impávidos e serenos, assistindo à minha morte, para espanto de todos, incluindo o meu…
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A partir daqui já não “vi” mais nada, impedida de dar largas à imaginação pela pressão do tempo. Tínhamos que escapar dali o mais rapidamente possível, se ainda queríamos chegar ao cinema a horas minimamente aceitáveis. O que vale é que costumávamos ocupar um camarote e, assim, não incomodávamos tanto os restantes cinéfilos.
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Da adolescência, nada surge a meus olhos como uma perda a não ser os filmes, a rotina da ida ao cinema e das acaloradas discussões que a seguir tínhamos sobre o filme recém-visto. Todos muito “intelectuais”, ou com pretensões a sê-lo, o que em si mesmo não é mal, pelo contrário, queríamos ser mais do que éramos e “trabalhávamos” para isso. Era uma atmosfera, uma vivência, bem giras.
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Víamos filmes de Fellini, de Ingmar Bergman, de François Truffaut, de Buñuel…
Deste último recordo com enorme nitidez o filme “Tristana”, com Catherine Deneuve no seu melhor (quando é que ela não estava no seu melhor?). Um filme sobre o amor e o ódio, sobre a vingança e o perdão. Lembro-me da determinação com que ela escolhia sempre uma de duas coisas com que se deparasse: duas ervilhas no prato, por exemplo. Só comia uma delas. Os gestos do quotidiano elevados a actos simbólicos! Que génio!
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Já nem o Pinheiro Chagas ou o Ibéria cá estão para nos “contarem” a sua história! Onde é que estão esses filmes? Porque é que só no cinema King (e poucos mais) e, agora, também nas Caldas, no CCC, às segundas-feiras, é que há filmes de origem europeia e de países para além dos E.U.A.?
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Já não sei dizer que filme vi naquele dia do choque. Sei que mantive um teimoso e coerente amuo relativamente aos meus irmãos durante toda a sessão: afinal não é todos os dias que a vida nos é salva por umas simples e adequadas solas de sapatos quando se está rodeada de irmãos por todos os lados! Mesmo que teoricamente seja esse o comportamento correcto, nós esperamos sempre mais do que o frio cumprimento das regras de conduta, ainda que sejam as que o conhecimento científico nos indica, pelo menos da parte dos nossos irmãos...
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- Isabel Xavier -
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C O M E N T Á R I O S
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João Ramos Franco disse...
A Isabel Xavier, para nos falar de “Tristana” e de Buñuel, transporta-nos primeiro ao ambiente envolvente de hábitos familiares, às Caldas da Rainha da sua juventude, as salas de cinema Teatro Pinheiro Chagas ou Salão Ibéria e com habilidade mostra-nos como não consegue ver a Cidade à noite actualmente, devido à falta de iluminação pública…
O seu texto tem uma citação a como nós na juventude começamos a partir para a tentativa do ser “intelectual”, de que gosto bastante: “Da adolescência, nada surge a meus olhos como uma perda a não ser os filmes, a rotina da ida ao cinema e das acaloradas discussões que a seguir tínhamos sobre o filme recém-visto. Todos muito “intelectuais”, ou com pretensões a sê-lo, o que em si mesmo não é mal, pelo contrário, queríamos ser mais do que éramos e “trabalhávamos” para isso. Era uma atmosfera, uma vivência, bem giras”, pois parece-me o mesmo ter-se passado comigo…Outra realidade está nos realizadores que mais a marcaram no cinema que via, filmes de Fellini, de Ingmar Bergman, de François Truffaut, de Buñuel, etc."
Todos eles marcaram na 7ª arte uma época que ainda hoje é recordada.Não vi o filme “Tristana”, mas vi outros filmes de Buñuel, tal como o «Charme Discreto da Burguesia», que senão me engano ganhou um Óscar e outros filmes dos quais recordo o conteúdo mas não nome.
Termino este comentário com uma frase que a Isabel Xavier disse sobre o filme escolhido por mim para esta série.“Qualquer dia temos que combinar umas sessões cinéfilas!”
Um abraço amigo do
João Ramos Franco
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Luis disse...
Bunuel foi um realizador fantástico e Catherine Deneuve uma grande actriz.Lembro-me melhor de Belle de Jour e o Charme discreto da burguesia.
Também vi muito cinema no Chagas e no Ibéria e lamento o desaparecimento do cinema europeu das salas portuguesas.
A história da electrocução é um pouco assustadora,foi mesmo assim?
O artigo da Isabel é muito bom e gostei de rever a família Xavier!
LUis
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João Jales disse:
Baseado numa novela de Benito Perez Galdos, Tristana é a história (triste) de uma orfã (Catherine Deneuve) seduzida por um velho e aristocrático socialista (Fernando Rey). Depois de se apaixonar por um galã da sua idade (Franco Nero), Tristana fica doente (é-lhe amputada uma perna) e regressa para o velho Don Lope com quem casa. Desta estória da coxinha (literalmente), o genial Buñuel arranca um filme fantástico (só ele o faria), como habitualmente com laivos surrealistas, em que o Catolicismo, o Socialismo das bonitas palavras e as convenções sociais saem de rastos.
De rastos ficou também a Isabel com a aparente indiferença dos irmãos perante o seu infortúnio eléctrico, mas o episódio permitiu-lhe escrever este texto magnífico (que convém, como sempre, ler duas vezes), que eu muito apreciei porque consegue fazer o que eu por vezes tento, este entrelaçado entre as recordações pessoais e as memórias históricas e culturais. O estado de espírito da Isabel naquela noite paira sobre todo o post e pinta Tristana de cores bem negras... Ou é ao contrário?
..
Isabel X disse...
Só para descansar os meus amigos: este texto não se deve a nenhum "estado de espírito" particular, nem depressivo. Pelo contrário, trata-se de uma espécie de "humor um nadinha negro", que decidi colocar neste texto, por graça. Escrevi-o, depois de muito ir pensando nele, num instantinho, durante a vigilância de um exame. Já que não se pode ler, escreve-se... Os meus irmãos nunca são indiferentes comigo, nem aparentemente. Uma das melhores coisas da minha vida foi ter sido criada numa família de seis irmãos, sendo eu a número cinco. Fez-me aprender desde cedo que não sou o "centro do universo", o que é uma aprendizagem fundamental para todo o ser humano e que, por vezes, nem a vida inteira chega para ensinar a certas pessoas. Claro que os meus irmãos me adoram e que eu adoro os meus irmãos. Foi apenas um exercício de estilo. Mas sim (Luís M.), apanhei ali um belo dum choque e o Mário explicou aquela coisa das solas dos sapatos. O resto é por minha conta, agora. Sei lá o que pensei na altura!
- Isabel Xavier -

TINTIN













TINTIN, por João Jales
















As “histórias aos quadradinhos”, já aqui referidas no colorido texto do João Serra “Memória dos Livros”, constituíram para mim apenas uma etapa de passagem para a literatura e o gosto pela leitura.

Os livros do Tintin terão sido a excepção, incentivada pela minha família ao comprar-me os álbuns de Hergé na sua língua original (ainda hoje os tenho), tentando assim estimular que eu lesse em francês. Fizeram o mesmo mais tarde com o Astérix, em relação à minha irmã. Dez anos depois o Inglês começaria a tornar-se a língua universal, a língua francesa perderia a sua importância, a capital cultural do mundo deixaria de ser Paris e estes esforços perderiam o seu sentido…



Tintin nasceu em 1929 (faz este ano oitenta anos, embora não pareça) celebrizando-se numa visita à URSS nesse ano, relatada em “Les Aventures de Tintin, reporter du “ Petit Vingtième", au pays des Soviets”. O grafismo tosco, com o desenho a preto e branco, é bem diferente do usado pelo autor nas aventuras posteriores que todos recordamos. A polémica sobre o tom panfletário e anti-soviético deste livro fez com que ficasse anos por reeditar e eu só o lesse depois de todos os outros.

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“Tintin au Congo” foi publicado em Portugal pelo “Papagaio” (revista dirigida por Adolfo Simões Muller), sob o título “Tintin em Angola” com o texto adaptado e os desenhos coloridos por artistas nacionais. Foi a primeira tradução de um livro de Hergé e também a primeira vez que o autor viu os seus desenhos a cores; gostou tanto que passaram a ser todos assim. Consta que ver Milou transformado numa cadela cor-de-rosa chamada Rom-Rom não lhe agradou tanto… Ambas as versões motivaram polémica, devido a acusações de racismo e colonialismo, com o autor a defender-se alegando ter retratado apenas uma realidade existente.

“Tintin en Amérique”, de 1932, só seria autorizado nos EUA em 1973, depois de algumas adaptações e cedências a uma política editorial racista que exigiu a substituição de alguns personagens negros por brancos.

Fomos com Tintin à Lua, muitos anos antes da aposta americana na concretização desse sonho, e ao fundo do mar em busca do tesouro de Rakham, o Vermelho (que, em Portugal, foi rebaptizado Rakham, o Terrível...). À América do Sul, onde conhecemos estéreis questiúnculas e cruéis ditadores, em retratos injustamente acusados de reaccionários, quando se limitavam a ser impiedosamente cínicos e realistas… Ao Médio Oriente, adivinhando já os problemas da dependência ocidental do petróleo, à Sildávia e Bordúria, inventados por Hergé para mostrar os conflitos latentes na Europa Central e nos Balcãs, à Índia e à China, onde conhecemos o tráfico de drogas. Tentei situar geograficamente as vinte e quatro aventuras na lista que acompanha este post, espero que os “especialistas” a corrijam e aumentem.

Tintin nunca visitou Portugal, mas o vendedor ambulante português Oliveira da Figueira aparece em vários livros (não recordo exactamente quais), impingindo ao nosso herói montes de inutilidades, enquanto ele se gabava a Milou de não se deixar levar pela conversa do vendedor!
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Lembro-me de me deixar seduzir pelo muito jovem “jornalista”, de idade indefinida, porque me dava a certeza que as aventuras me esperavam também a mim, amanhã, ao virar da esquina… Por outro lado era enorme o apelo e o fascínio por lugares exóticos, e a facilidade com que Tintin os calcorreava, numa altura da minha vida em que uma viagem anual a Trás-os-Montes ou ao Algarve era uma odisseia!

Por ainda hoje me lembrar de tudo isto quis trazer aqui Tintin, Milou, Haddoc, Tournesol, Castafiore, Dupont e Dupond (que não são gémeos, como os nomes bem mostram) e tutti quanti nos álbuns de George Remi (R.G.) encheram de humor e aventuras a minha juventude.


Está aqui a lista dos álbuns originais de Tintin, por Hergé. A azul, sob o título,
os países (reais e imaginários) e zonas onde decorre a acção.




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Tintin Au Pays des Soviets (Tintim no País dos Sovietes) 1930
Bélgica,Alemanha,União Soviética
Tintin au Congo (Tintim na África ou Tintim no Congo) 1931
Congo Belga
Tintin en Amérique (Tintim na América) 1932
EUA (Chicago)
Les cigares du pharaon (Os Charutos do Faraó) 1934
Egipto,Médio Oriente,Índia
Le lotus bleu (O Lótus Azul) 1936
Índia,China
L'oreille cassée (O Ídolo Roubado ou A Orelha Quebrada) 1937
Bélgica,San Theodoros,Nuevo Rico
L'île noire (A Ilha Negra) 1938
Inglaterra, Escócia
Le sceptre d'Ottokar (O Ceptro de Ottokar ou O Cetro de Ottokar) 1939
Bélgica,Sildávia
Le crabe aux pinces d'or (O Caranguejo das Tenazes de Ouro ou O Caranguejo das Pinças de Ouro) 1941
Bélgica,Marrocos
L'étoile mysterieuse (A Estrela Misteriosa) 1942
Bélgica,Islândia,Árctico
Le secret de la Licorne (O Segredo do Licorne ou O Segredo do Unicórnio) 1943
Bélgica
Le trésor de Rackham le Rouge (O Tesouro de Rackham o Terrível ou O Tesouro de Rackham o Vermelho) 1944
Bélgica,Oceano Atlântico,Caraíbas
Les sept boules de cristal (As Sete Bolas de Cristal) 1948
Bélgica,França
Le temple du Soleil (O Templo do Sol) 1949
Peru
Tintin au pays de l'or noir (Tintim no País do Ouro Negro) 1950
Bélgica,Khemed
Objectif Lune (Rumo à Lua ou Objectivo Lua) 1953
Lua,Sildávia
On a marché sur la Lune (Explorando a Lua ou Pisando a Lua) 1954
Lua,Sildávia
L'affaire Tournesol (O Caso Girassol) 1956
Bélgica,Suiça,Bordúria
Coke en Stock (Perdidos no Mar ou Carvão no Porão) 1958
Bélgica,Médio Oriente,Mar Vermelho
Tintin au Tibet (Tintim no Tibete) 1960
França,India,Nepal,Tibete
Les Bijoux de la Castafiore (As Jóias de Castafiore) 1963
Castelo de Moulinsart (França)
Vol 714 pour Sydney (Vôo 714 para Sydney) 1968
Indonésia
Tintin et les Picaros (Tintim e os Tímpanos ou Tintim e os Pícaros) 1976
San Teodoro
Tintin et l'Alph-Art (Tintim e a Alph-Art) 1986 (incompleto)
Bélgica, Itália
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COMENTÁRIOS
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São Caixinha disse:
Olá João!
Li em adolescente a maior parte dos livros do TinTin, por excepcional obséquio do meu primo Mário, que lhes era muito devotadamente zeloso. Apesar de mais novo que eu, impunha-me então, uma série de regras inerentes á leitura! Tinha, por exemplo, que ler sempre na sua presença e naturalmente tendo o cuidado necessário para evitar causar algum dano. Desde que observasse as regras, porém, era convenientemente deixada em confortável sossego!!! Parece-me que nem respirava, mas tudo valia a pena, para ter acesso aqueles livros que tanto adorava, não só pelas aventuras, mas sobretudo pelos desenhos! Ainda hoje considero que conservam a magia de outrora.
Adquiri os meus próprios livros muito mais tarde, e então, por força das circunstâncias, em Inglês e Holandês! Que curioso ter sido em Portugal que foi feita a coloração e simultâneamente a primeira tradução!
Obrigada João pelo magnifico texto repleto de interessantes pormenores sobre este tema que me é tão grato!
E obrigada também ao Mário pelo ensejo, que eu adorei, apesar do rigor que acompanhava as leituras, justificado ademais, já que eu entretanto também manejo os meus livros com similares precauções!
Bjs, São
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Luis disse:
Gosto e valorizo muito toda a BD,não partilho da visão do JJ que parece não apreciar muito mais que o Tintim...
Aparte isso achei preciosa a lista das aventuras com as datas e os locais onde decorrem bem como os pormenores das polémicas que só conhecia em parte.Na minha opinião um dos melhores e mais bem ilustrados artigosdo blogue,mérito do JJ mas também do Hergé!!Abraço.L
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João Ramos Franco disse...
"Diabrete", “Mundo de Aventuras”, "Cavaleiro Andante", "Foguetão", "Zorro" e as Revistas Marvel (edição Brasileira), com contos aos quadradinhos. Não só o TinTin, mas todas as outras figuras da BD estão guardas num compartimento das minhas memórias de jovem, juntas com os heróis que nós tentávamos imitar nas nossas brincadeiras no Parque.Na minha geração o TinTin, apesar de ser publicado no Cavaleiro Andante não tem em mim impacto especial.Recordo-me de passarmos a tarde a ler as Revistas da Marvel, em casa do José Carlos Nogueira, tinhas encadernadas e o seu Pai e Mãe (donos da Tália) muito gostavam de ver a nossa tertúlia de miúdos, reunidos a ler as revistas.João Ramos Franco
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Isabel Esse disse...
Não li muitas histórias aos quadradinhos,a minha família não me dava dinheiro para isso,mas uma tia minha ofereceu-me no natal e nos anos alguns livros do Tim Tim.Lembro-me sobretudo do tamanho porque eram enormes e do cheiro quando se abriam,que não sei se seria do papel ou das tintas.As aventuras eram fantásticas e muito mais realistas do que as do Astérix.
O artigo é muito agradável de ler e cheio de curiosidades interessantes.
Parabens.IS
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Isabel X disse...
Este texto inaugura um novo estilo (daquilo que conheço), a somar aos restantes, na produção sempre criativa e muito sugestiva, do JJ. A informação exaustiva e rigorosa, com dados tão interessantes sobre o Tintin, fazem deste texto um momento diferente, com um tratamento histórico do tema.Aprendi muito.
Sempre, e cada vez mais, parabéns ao João Jales! Pelos seus textos e pelo "nosso" blogue!
- Isabel Xavier -
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farofia disse...
Adorei este "TINTIN"!É um trabalho profundo, perfeito e precioso. Quantas coisas aqui aprendi!!
E acompanho o João Jales no quase lamento do desaparecimento do 'francês' como veículo de cultura.
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FERREIRA DE CASTRO (João Ramos Franco)




EMIGRANTES e A SELVA
(Ferreira de Castro)





por João Ramos Franco








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A razão da escolha e leitura dos Emigrantes, está nas palavras que Ferreira de Castro escreve no PÓRTICO desta edição:

……..”Os homens transitam do Norte para o Sul, de Leste para Oeste, de país para país, em busca de pão e de um futuro melhor.
- Nascem por uma fatalidade biológica e quando, aberta a consciência, olham para a vida, verificam que só a alguns deles parece ser permitido o direito de viver. Uns resignam-se logo à situação de elementos supérfluos, de indivíduos que excederam o número, de seres que o são apenas no sofrimento, no vegetar fisiológico de uma existência condicionada por milhentas restrições.
Curvam-se nos conceitos estabelecidos de há muito, aceitam por bom o que já estava enraizado quando eles chegaram e deixam-se ir assim, humildes, apagados, submissos, do berço do tumulo – a ver, pacientemente, a vida que vivem outros homens mais felizes. Outros, porém não se resignam facilmente. A terra em que nasceram e que lhes ensinaram a amar com grandes tropos patrióticos, com palavras farfalhantes, existe apenas, como o resto do Mundo, para fruição duma minoria. E eles, mordidas as almas por justificada ambição, querem também viver, querem também usufruir regalias iguais ás que desfrutam os homens privilegiados. E deslocam-se, e emigram, e transitam de continente em continente, de hemisfério em hemisfério, em busca do seu pão.”………
Texto de Ferreira de Castro – Emigrantes – 7ª edição, 1946 – PÒRTICO, pág. 1 e 2

A edição é de 1946, a culpa do mau estado é minha, que li e reli este romance quando era estudante.
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Na envolvente rural da cidade onde vivia (Caldas da Rainha), o fenómeno da emigração, era real. Nas aldeias encontrávamos famílias em que alguém era embarcadiço ou tinha utilizado este meio de “dar o salto”, para o Estados Unidos ou Canadá, que eram os seus destinos preferidos nesta região.
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No meu interesse por estes assuntos e esclarecimento dos mesmos estão sempre presente o meu Pai e a sua biblioteca…
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Na Oral do 5º ano de Letras, depois da 1ª parte da mesma, em que era obrigatório Camões, me disseram para escolher um escritor do meu agrado, respondi:

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- Ferreira de Castro.
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Na sala fez-se um certo silêncio, naquele tempo um aluno optar por este autor (que não muito bem visto pelo regime) era arrojado…
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- Quais obras do escritor que escolhe para falar?
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- Emigrantes e A Selva - respondi eu.
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Não me recordo, o suficiente para vos dizer textualmente as respostas dei… Sei que passei com 18 valores a Português e saí satisfeito do exame por ter libertado um certo estado espírito que tomava forma em mim…
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O examinador foi Dr. José Gonçalves, Vice-Reitor do Liceu Rodrigues Lobo, era assim que se chamava, só mais tarde passou a ser designado como Liceu Nacional de Leiria.
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Recordo-me bem dele porque era cunhado do Dr. Correia Rosa (da farmácia Rosa, em Caldas) e eu tinha-o conhecido pessoalmente, por intermédio da sobrinha (nossa colega do ERO), Guida Rosa.
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Confesso que o facto de o conhecer pessoalmente teve influência na escolha do escritor, sabia que quem me estava examinar era contra o regime…
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João Ramos Franco
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C O M E N T Á R I O S
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Isabel X disse...
Muito bem escolhidos, estes dois livros, pelo João Ramos Franco! A mim o que mais encantou foi "A Selva" e as respectivas descrições de uma natureza intensa e crepitante. Parece até que ouvimos os seus sons e vemos as suas cores. Isto para além do lado humano, igualmente trágico, a que o João R. F. já aludiu!
Agradeço a lembrança! Abraço a todos.
- Isabel Xavier -
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Fernando Santos disse:
É pena que o João Ramos Franco só tivesse recebido um comentário sobre este escritor autodidacta.
Não fora a minha actual falta de tempo e eu teria muito gosto em comentar sobre o assunto.Creio ter lido toda a obra deste escritor bem como a sua biografia e, para informação do amigo Ramos Franco, tenho o privilégio de possuir a primeira edição de um dos primeiros livrinhos deste autor, creio que anterior à sua partida para o Brasil.Chama-se: SENDAS DE LIRISMO E AMOR. Foi adquirido na Feira da Ladra há muitos anos. É uma edição de Edições Spartacos, Lisboa 1925.
O meu obrigado ao João Ramos Franco por me ter trazido à memória um dos escritores que mais contribuiu para o início da minha formação cultural.
Um abraço.
Fernando Santos.
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João Jales disse:
Os comentários são imprevisíveis e inconstantes, não estão ligados às qualidades dos posts ou aos seus temas.
Os méritos do texto do João Ramos Franco, bem como a importância de Ferreira de Castro como escritor, estão bem patentes nas palavras do Fernando Santos que são elucidativas e suficientes (embora eu também gostasse de ver mais leitores manifestarem-se...).
Um abraço ao João e ao Fernando.
JJ

SUNSET BOULEVARD (Billy Wilder, 1950)

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Norma Desmond (Gloria Swanson) é uma antiga estrela do cinema mudo que vive numa mansão, digna de uma novela gótica do século XX, com o seu ex-marido, realizador, agente, motorista e mordomo Max von Mayerling (Erich von Stroheim), há mais de vinte anos.
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Joe Gillis (William Holden) é um argumentista freelancer que é convencido a escrever o guião para o “regresso” da diva, um sucesso que o fará famoso. Mas Fausto ronda este enredo em que não há sucesso nem futuro para ninguém…
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O melhor filme de sempre sobre Hollywood, realizado por Billy Wilder em 1950, Sunset Boulevard ("O Crepúsculo dos Deuses" em Portugal) é inesquecível ao mostrar quão descartáveis são as celebridades da Sétima Arte.
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Filme verdadeiramente noir, este é um drama de frustrações e angústias. Faz parte dos filmes da vossa vida?




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C O M E N T Á R I O S
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João Ramos Franco disse...
Ver na minha juventude este filme confesso que foi um pouco confuso. Um drama para o qual talvez não estiva preparado para enfrentar e enquadrar, dado o meu desconhecimento da historia da 7ª arte, quando o vi pela primeira vez. A Galeria de cartazes com a fotografia de Celebridades do Cinema no Cine – Teatro Pinheiro Chagas, não era documentada ao ponto de nos esclarecer. Estas obras que recordamos hoje fazem parte de um despertar cultural que retrata como nos fomos construindo.
João Ramos Franco
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ze_mas disse...
O filme é fantástico mas não me recordo de o ter visto na minha juventude,foi nas Sessões Clássicas da década de 70 que o vi em Lisboa.Concordo que é um filme deseperado sobre Hollywood e uma amarga reflexão sobre o Cinema mas não é talvez um dos filmes da nossa juventude...pelo menos da minha!

Já está disponível em DVD,comprei-o aqui na Fnac há 3 ou 4 anos.
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POLANSKI "Rosemary's Baby"

por Inês Figueiredo
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Um jovem casal muda-se para um prédio habitado por estranhas pessoas. Quando ela (Mia Farrow) engravida, passa a ter estranhas alucinações e vê o seu marido (John Cassavetes) envolver-se com os vizinhos, uma seita de adoradores do demónio que quer que ela dê à luz o Filho das Trevas.
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Ficha Técnica:
Título Original: Rosemary's Baby / A Semente do Diabo
País de Origem: EUA
Género: Terror
Classificação etária: 18 anos
Tempo de Duração: 142 minutos
Ano de Lançamento: 1968
Estúdio/Distrib.: Paramount Home Entertainment
Direção: Roman Polanski
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Elenco:
Mia Farrow .... Rosemary Woodhouse
John Cassavetes .... Guy Woodhouse
Ruth Gordon .... Minnie Castlevet
Sidney Blackmer .... Roman Castlevet
Maurice Evans .... Edward "Hutch" Hutchins
Ralph Bellamy .... Dr. Abe Sapirstein
Victoria Vetri .... Terry Gionoffrio
Patsy Kelly .... Laura-Louise McBirney
Elisha Cook Jr. .... Sr. Nicklas
Emmaline Henry .... Elise Dunstan
Charles Grodin .... Dr. C.C. Hill
Hanna Landy .... Grace Cardiff
Phil Leeds .... Dr. Shand
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Recordo que era um 'must' em 69, quando também o livro «A Semente do Diabo» foi editado pela Portugália Editora, ilustrado com fotografias do filme.
Deste romance de Ira Levin disse Truman Capote: «Uma narrativa sombria e brilhante, diabólica e moderna, que obriga o leitor a acreditar no inacreditável. Eu acreditei - e fiquei enfeitiçado.»("Vida Mundial", 13-6-69)
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Inês Figueiredo
(publicado em colaboração com o seu blogue)



c o m e n t á r i o s

João Jales disse:
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Vi este filme, e até mais que uma vez. O assassinato, nas circunstâncias macabras que todos conhecemos, de Sharon Tate pela "Família de Charles Manson" acabou por conferir a este filme uma carga diabólica que o ajudou a celebrizar como um clássico de terror. É o mais conhecido filme de Polanski mas não é o seu melhor - é só pensar que ele realizou Baile dos Bombeiros, Amores de uma Loira, Amores de Uma Adolescente, Chinatown, Tess, O Pianista (Palma de Ouro em Cannes, 2002), A Repulsa, O Inquilino, A Nona Porta (Oscar Melhor Realizador, 1999)...
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Este polaco,sobrevivente do Holocausto, filmou no seu país de origem e, em 1966, encetou uma carreira de grande sucesso artístico e comercial nos EUA, até ser acusado num nebuloso caso de pedofilia que o obrigou a refugiar-se em França em 1977, onde se naturalizou. As posteriores declarações da jovem envolvida (numa entrevista em 1988) levam a crer que tenha sido vítima de um esquema de chantagem, mas ainda hoje não pode entrar nos EUA nem recebeu pessoalmente o Oscar que lá ganhou, para Melhor Realizador, em 1999.
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Obrigado Inês por esta colaboração com o seu blogue. JJ
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JMiguel disse...
Não sei se é válido o meu apoio à escolha da Inês Figueiredo, pois situo este filme fascinante no final da minha juventude, numa fase em que já me julgava muito adulto e que, objectivamente, já não estava no colégio.
Deixando-me de legalismos, tenho a declarar que foi um filme de culto e que escalpelizei com a minha irmã (que também andou no colégio, como atestam algumas fotos apresentadas neste blog, mas é mais «caladinha») em várias sessões clássicas e de cineclube, na detecção das pequenas referências com que, com imensa mestria, Polanski polvilhou o filme tornando-o mais emocionante e intrigante que o livro. A ideia de base não é excepcional, mas o modo como é exposta dá ao filme um ritmo e uma tensão extrema. Assinalo um facto pouco usual: considero o título da versão portuguesa mais expressivo que o original.
Note-se que não é o filme da minha vida, mas é um deles e foi um prazer recordá-lo!
JMiguel
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Luis disse:
O filme é ***** e de um dos grandes realizadores da segunda metade do século vinte, que parece que não é pessoa de grande carácter...
A ideia de posts simples aguardando depois os comentários é boa,assim o pessoal corresponda.Eu vi o filme já em Lisboa com 17/18 anos e impressionou-me logo muito,mas só passei a vê-lo como obra-prima quando o revi anos depois.Há coisas que não são imediatas... L
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João Ramos Franco disse...
Ora aqui está mais um filme que tem história para mim.Sentado na Brasileira do Chiado, tomava a bica e aguardava pela namorada, sem qualquer programa pré - estabelecido para essa tarde. Sabia que este filme estava em exibição no S. Luís e qual o seu argumento, mas talvez o meu estado de espírito, provocado por ter chegado à pouco tempo da guerra, dirigia-se mais para um estado “nem Deus nem o Diabo”…Mas tinha que ser, a namorada chega e estabelece como programa para a tarde ir ao cinema ver «A Semente do Diabo».Desde do inicio do filme, no momento do encontro dos casais e entrega do colar com a semente do diabo a Mia Farrow, passando por toda a envolvente que outros comentadores já referiram, fica ainda uma imagem do filme para eu falar, a reunião da seita em torno do berço, onde vemos uma criança com o olhar do diabo, para terminar toda este desenrolar de continuo de situações macabras.Sou sincero, não gosto deste género de filme.
De qualquer modo, e reportando-me à analise feita por João Jales, que enquadra socialmente o produtor e a sua geração, em que este tipo de cinema foi feito, digo-vos que Polanski conseguiu transportar-nos onde pretendia, durante todo filme.
O sempre amigo
João Ramos Franco

DIÁRIO Etty Hillesum

Este é um texto enviado pela Isabel Xavier como comentário a
O registo deste texto é outro. Compromete-nos com o que é dito, interpela-nos na nossa humanidade. A sinceridade e a autenticidade do testemunho da São trazem a este blogue um raro momento de reflexão. Há livros construtores da nossa personalidade. É o caso do Diário de Anne Frank. Tanto quem escreveu o livro como quem o analisa (salvas as devidas proporções e as diferentes circunstâncias),neste caso, partem das suas experiências, das suas vivências pessoais para escreverem palavras que, por isso mesmo, são a própria vida.
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Curiosamente, há outro Diário, de outra judia, neste caso adulta, real também, passado em Amesterdão, que eu muito gostaria de aconselhar à São e aos outros amigos deste blogue. Trata-se de Etty Hillesum, que "escolhe" morrer em Auschwitz em vez de solitariamente se "livrar" desse destino, aproveitando a oportunidade que lhe surgiu de sobreviver no estrangeiro. Os dois últimos anos de vida, enquanto o cerco se aperta em seu redor (as humilhações, intercaladas por situações de grande elevação humana são constantes), constituem em si mesmos o testemunho de uma espiritualidade intensa, física, quase insuportável, e que só a morte poderia redimir. Como se vivesse uma oitava (ou muitas) acima do comum dos mortais.
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É um livro publicado pela Assírio e Alvim, na Colecção Teofanias (também estão publicadas as Cartas). No prefácio diz-nos o poeta Tolentino Mendonça, responsável por esta colecção: "No meio da tortura absoluta, é ela quem se preocupa com Deus. 'Vou ajudar-te, Deus, a não me abandonares', escreve. (...) Mas o traço mais forte é o de uma impressionante e inexplicável confiança: 'Quando ontem, às duas da manhã, finalmente cheguei lá acima ao quarto da Dicky e me ajoelhei quase nua, no meio do quarto, totalmente deprimida, eu disse de repente: 'Hoje, vendo bem, vivi coisas grandiosas e esta noite também, meu Deus, agradeço-te por eu poder suportar tudo e por haver poucas coisas que não ponhas no meu caminho.'"
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Como a vida é interessante! Conhecemo-nos em jovens, eu e a São, mal nos conhecendo então, embora nos víssemos quase todos os dias durante vários anos. E este testemunho sobre Anne Frank, tão belo, irmanou-nos, agora, sinto-o, como não era possível nesse tempo! Estou-te grata por isso, São!
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- Isabel Xavier -
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C O M E N T Á R I O S
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São Cx disse:
Tens razão Isabel em aconselhar o diário de Etty Hillesum, com o titulo Holandês "Het verstoorde leven" - Vida perturbada (tradução minha).
É certamente um diário diferente do de Anne Frank. Etty escreve sobre as vivências do dia a dia, mas escreve também sobre o desenvolvimento da procura da sua identidade e da força espiritual necessária para resistir às horríveis experiências que o sistema Nazi lhe impunha. A sua decisão consciente de não querer escapar ao destino é, na minha opinião, para além de uma escolha altruísta de apoiar os que não tinham outra opção, um teste de resistência que a si própria impõe e simultaneamente uma tentativa de descoberta, nomeadamente da resposta para um dilema que continua actual, o de como, e de que forma eficaz, se pode oferecer resistência ao mal e ao ódio. É um livro intenso e comovente, do qual a Isabel faz uma excelente introdução!
E...lembro-me bem de ti Isabel, com o teu ar sério e recatado, alta e de belos cabelos longos! Tem sido um prazer ter-te vindo a conhecer, através dos sempre interessantes comentários que tanto enriquecem este blog, como agora mais uma vez demonstraste!
São Caixinha
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Maria Fatima disse...
Um livro que "apaixonou" a minha filha este ano lectivo, por ela escolhido. Comoveu-me bastante, em minha opinião superior ao filme "O Rapaz do pijama às riscas" M.Fátima
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João Ramos Franco disse...
Como nos diz Isabel Xavier este livro, “interpela-nos na nossa humanidade”, perante quem o leu e transcreve e analisa, não encontro da minha parte, que não li a obra em questão, razão para um comentário, apenas digo que gosto da analise que é feita e vou ler o livro. O sempre amigoJoão Ramos Franco
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António disse...
Não conhecia este Diário,apenas o de Anne Frank.
Depois de ver os resultados assustadores obtidos pelos partidos de extrema-direita europeus no passado dia 7 é bom recordar aquilo que eles defendem.
Não conhecendo o livro só posso acrescentar que as palavras da Isabel Vaxier me deram vontade de o comprar e ler.
Foi boa ideia fazer esta série de posts.A

O DIÁRIO DE ANNE FRANK (São Caixinha)










"ESTOU TÃO FELIZ POR TE TER TRAZIDO COMIGO!"









12 de Junho de 2009

Se Anne Frank fosse viva, completaria hoje 80 anos. Infelizmente faleceu aos 15 anos de idade, de tifo e subnutrição, no campo de Bergen-Belsen, nos finais da Segunda Guerra Mundial.

Fazia parte de uma família judaico/alemã, que em 1933 se tinha refugiado na Holanda fugindo às perseguisões nazis. Não tiveram dificuldade em estabelecer-se em Amsterdão, onde o pai constituiu com sucesso algumas empresas, enquanto Anne e a sua irmã Margo frequentavam uma escola de ensino holandesa. A família Frank sentiu-se segura na Holanda, até esta ser invadida pelas tropas Alemãs a 10 de Maio de 1940. Também aqui foi então imposto o “Entjuding” de Hitler, significando que os Judeus deviam usar uma estrela, não podiam possuír empresas, e os seus filhos podiam apenas frequentar escolas Judaicas.

Como prenda dos 13 anos Anne recebeu um diário onde, com enorme entusiasmo, imediatamente começou a escrever.

12 de junho de 1942

“Eu espero que a ti tudo te possa confiar, como nunca a ninguém pude fazer, e espero que tu para mim possas vir a ser um grande apoio”

Poucos dias depois decidiu dirigir as folhas do seu diário a uma amiga imaginária a quem deu o nome de Kitty.

Dentro em breve Otto Frank (o pai de Anne), sentiria a urgência de encontrar um esconderijo para a família e, em segredo, com a ajuda de alguns amigos (V.Kugler, J.Kleiman, Bep e Miep Gies, que mais tarde, arriscando a vida, lhes forneceriam alimentos, notícias e livros) organizou a mudança para um anexo desabitado, situado nas traseiras do edifício onde ainda funcionava a empresa que lhe tinha pertencido. Outro casal, os van Pels com o seu filho Peter (por quem Anne se viria a apaixonar) e Fritz Pfeffer, vieram pouco depois juntar-se-lhes, partilhando assim durante 2 anos a pequena habitação.

As cartas que Anne escreve no diário referem-se exclusivamente a este período. O seu extraordinário espírito de observação permite-lhe analisar o comportamento dos companheiros do anexo, e com a mesma precisão, o seu próprio.

“Querida Kitty: Quando agora me ponho a pensar na minha vida de 1942, tudo me parece tão irreal. Essa vida era vivida por uma outra Anne, diferente desta que é agora, mais ajuizada (...) Talvez queiras perguntar-me como conseguia eu que todos gostassem de mim. O Peter diz que era “carisma” mas isso não é bem assim. Os professores achavam as minhas respostas astutas, as minhas observações humorísticas , a minha cara sorridente e o meu olhar crítico, divertido e engraçado. Não era mais que isso; uma terrível brincalhona, alegre e divertida. Mas tinha também algumas boas qualidades que me davam a garantia de não cair em desgraça: era trabalhadora, honesta e sincera. ”

Denotando uma maturidade precose e possuidora de um invulgar espírito de observação, Anne escreve frequentemente sobre os sacrifícios da vida do dia a dia, o isolamento, a esperança e o medo.

Querida Kitty: (...) Hoje à tardinha, quando a Elli estava aqui, tocaram a campaínha permanentemente e com força. Fiquei logo pálida, tive dores de barriga, palpitações e muito medo. De noite deitada na cama tenho visões terriveis. Vejo-me na prisão, sózinha, sem o meu pai e a minha mãe. Por vezes ando a vaguear por qualquer parte, não sei onde, ou vejo o anexo a arder, ou eles vêm, de noite, para nos buscar. Sinto tudo isto como se fosse realidade e a ideia de que me vai acontecer alguma catástrofe não me larga.

Na primavera de 1944 Anne ouviu o Ministro da Educação, Bolkenstein, na Rádio Orange, falando do exílio. Ele dizia que, depois da Guerra, todos os testemunhos do sofrimento do povo Holandês durante a ocupação Alemã, deveriam ser coleccionados e tornados públicos. Considerando esta hipótese, Anne decidiu que depois da Guerra publicaria um livro. O seu diário servir-lhe-ia de base.

Foi este livro que li quando tinha aproximadamente 15 anos, e que me impressionou até aos dias de hoje. A atracção foi instantânea. Era uma estória real, retratando insólitas circunstâncias de uma guerra que me era alheia, mas onde se tratavam também abertamente questões de adolescência, glórias e fraquezas, com as quais eu me identificava. Folhas de um diário que, como um espelho, me permitiam ver-me a mim própria! Pareceu-me até, de início que, também eu habitava uma espécie de anexo, onde igualmente me faltava a liberdade.

Em 1976 ao chegar á Holanda, e receando que a minha estadia pudesse ser apenas temporária, quis de imediato visitar o anexo. Foi uma insólita experiência. Reconheci os postais ilustrados que Anne colara nas paredes do seu quarto, ingénuo testemunho da sua presença, e surpreendi-me com o tamanho das divisões, que supunha maiores. Mas o mais notável era o cerrado silêncio que invadia tudo. Foi a casa mais vazia onde alguma vez estive. Encontrava-me entre as paredes que a protegeram e de onde, impiedosamente, foi arrancada e transportada para Westerbork, para Auschwitz, para Bergen-Belsen. Ali escreveu a última folha do diário, mas a sua estória continuou por tortuosas paragens. Uma inquietante tristeza apoderou-se de mim. O que é que se teria passado verdadeiramente nos campos de concentração? A lealdade que lhe devia, obrigou-me a que a acompanhasse nessa última viagem. Li sobre Auschwitz...sobre o horror daqueles dias, entorpecida de assombro. Que tremenda catástrofe para a humanidade!

Em retrospectiva, este período marcou o final da minha adolescência. Os meus sonhos de menina tornaram-se súbitamente insignificantes, perante as dimensões das questões que então se me punham. Era preciso reorganizar valores e criar novas directivas. E assim foi.

Nunca se chegou a apurar quem denunciou os habitantes do anexo. Anne Frank e os restantes habitantes, foram deportados para Auschwitz-Birkenau no último transporte que saíu de Westerbork a 3 de Setembro de 1944. Anne viveu ainda cerca de 7 meses em campos de concentração. Faleceu duas semanas antes de Bergen-Belsen ter sido libertado pelas tropas Inglesas.

Otto Frank foi o único sobrevivente dos habitantes do anexo. Faleceu a 19 de Agosto de 1980.

Miep Gies foi quem tomou a iniciativa de salvaguardar o diário. Quis o acaso que tivesse o privilégio de a conhecer, ao ser distinguida com a Ordem de Mérito Alemã em 1994. Completou este ano a 15 de Fevereiro, 100 anos de idade.
"Never a day goes by that I do not think of what happened then." (Fragmento do seu site)

O Diário de Anne Frank tornou-se um dos símbolos do Holocausto.


Fire and Ice

Some say the world will end in fire,
Some say in ice.
From what I tasted of desire
I hold with those who favour fire.
But if it had to perish twice,
I think I know enough of hate
To say that for destruction ice
Is also great
And would suffice.

Robert Lee Frost 1874-1963
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C O M E N T Á R I O S
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Isabel Esse disse...
O Holocausto e a crueldade que o envolveu estão para além da nossa capacidade de compreensão.Se pensarmos que se passou há relativamente pouco tempo e que envolveu crianças e meninas como Anne Frank torna-se ainda mais assustador e inexplicável.
Bem escolhido este dia para este post e bem feita a ligação que a autora faz entre o livro e as suas consequências nela,um bom momento desta série.Isabel
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farofia disse...
Junto-me à São Caixinha para celebrar o Happy Birthday de Anne Frank, inspiradora de gerações de jovens leitoras do seu «Diário».
Obrigada, São, pela oportunidade que me dá de lembrar um dos livros da minha vida. Também ‘fui Anne Frank’ :) quando sonhei dizer como ela:
«Sinto-me cada vez mais independente dos meus pais. Embora seja muito nova ainda, sei, no entanto, que tenho mais coragem de viver e um sentido de justiça mais apurado, mais seguro do que a minha mãe. Sei o que quero, tenho uma finalidade, uma opinião, tenho fé e amor. Deixem-me ser eu mesma e estarei satisfeita. Tenho consciência de ser mulher, uma mulher com força interior e com muita coragem.
Se Deus me deixar viver, hei-de ir mais longe de que a mãe. Não quero ficar insignificante. Quero conquistar o meu lugar no Mundo e trabalhar para a Humanidade.O que sei é que a coragem e a alegria são os factores mais importantes na vida!»
(copio o texto em português de
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António Fialho Marcelino disse:
Ao ler o texto, diga-se magnífico, sobre o Diário de Anne Frank, veio-me à memória a sua leitura e dois grandes passos que eu dei, nas minhas deambulações pela Europa.
A ida a Amesterdão e à casa de Anne Frank, onde toda a leitura do livro vem à nossa memória e ao olhar “vemo-la” a escrever o seu diário e a olhar pela fresta da janela a ver as pessoas a passar na rua.
A minha outra lembrança é Praga com o cemitério judeu e aquela listagem de nomes que estão na parede da judiaria. É assustador olhar para as datas que lá estão gravadas e vemos a quantidade de crianças que foram devoradas pelas ideias hitlerianas.
Todos aqueles que hoje negam a existência do holocausto deveriam passar, pelo menos, por estes locais e fazerem a sua penitência.
Mais uma vez parabéns pelos textos que aqui são apresentados.
Tó-Quim
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João Ramos Franco disse...
A São escolhe o retrato feito por uma jovem da vivência diária durante um período do século XX (2ª grande guerra), durante a invasão da Holanda. Recorda uma obra que tem tanto belo da juventude de quem o escreve como do horror a que nos transporta…
Mas a descrição que a São nos faz leva-nos também aos locais que quis conhecer e que a transportaram para além do descrito em “O DIÁRIO DE ANNE FRANK”…
Estas palavras que a São escreve dizem-nos tudo: “Era uma estória real, retratando insólitas circunstâncias de uma guerra que me era alheia, mas onde se tratavam também abertamente questões de adolescência, glórias e fraquezas, com as quais eu me identificava.”
João Ramos Franco
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JJ disse...
Os textos da São, à medida que ela vai "desenferrujando" o seu português, têm vindo a ser cada vez mais conseguidos. Esta mistura de duas adolescentes, de épocas diferentes, em que o que uma escreveu se cruza com o que a outra sentiu, torna ainda mais intolerável o destino de Anne Frank, já que ela era alguém como a nossa amiga São e não um personagem trágico de um livro obscuro.
Gostei muito e a divulgação deste texto na Net, fora deste Blog, mostra que não fui o único. JJ
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jorge disse...
excelente evocação do livro e descrição da importância de o ler.esta é a mesma são que faz aquelas excelentes caricaturas,não é?parabéns.JS
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J. L. Reboleira Alexandre disse...
Este texto da São merecia mais que um rápido comentário, mas infelizmente o tempo não dá para mais.
Só quem desde 1976 (creio ter lido isso) está sem usar a lingua de Camões no seu dia a dia sabe o que isso implica. A história todos a conhecemos, as caricaturas também. Pelo magnífico texto, bravo «miúda». Já avó, mas não faz mal.

DON CAMILO E O SEU PEQUENO MUNDO


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Com os meus 15 anos de idade a sensação imediata foi a de rir daquilo que estava a ver, um padre a conversar com o crucifixo sobre os problemas que causava à igreja o regime comunista implantado na aldeia. O dirigente comunista local é amigo de Don Camilo e religioso, mas não o quer mostrar perante o partido.


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Peripécias como a procissão dos Senhor dos Passos, que os comunistas não querem que se faça e Dom Camilo, sozinho, com a cruz às costas, resolve fazer; a certo passo um piquete comunista tenta pará-lo, e ele diz para Cristo, segurando a cruz como um aríete: segurai-vos Senhor que desta vez dou cabo deles…


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O baptismo do filho de Pepone, às escondidas do partido e o aproveitamento de Dom Camilo para cedências à Igreja e muito mais cenas deste filme que seria fastidioso aqui recordar.

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Fruto de uma educação conservadora, como quase toda a minha geração, tive o privilégio de rir "a bandeiras despregadas" com este filme, as aventuras e desventuras do pároco, o Don Camilo, de aldeia e do dirigente comunista local, o D. Peppone, na Itália do pós-guerra.
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Escolho este filme porque, três anos depois, dei comigo a pensar no que tinha visto nele e ainda hoje sinto a realidade a que me transportou na minha juventude.


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João Ramos Franco



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C O M E N T Á R I O S
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vitor b disse...
Podiam-se aproveitar estes posts para dar mais informação sobre os filmes e s actores.Curiosamente não me lembro nada deste filme embora me lembre bem do Fernandel.
Li as histórias do Dom Camilo numa edição brasileira,da autoria de Giovanni Guareschi(fui agora confirmar o nome)que existia em casa dos meus avós e que era muito divertido.Estes filmes em que se falava do partido comunista italiano passaram em Portugal na década de 50?
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João Jales disse:
As histórias de Don Camilo, com argumento de um italiano chamado Giovannino Guareshi, foram interpretadas pelo cómico francês Fernandel e pelo actor italiano Gino Cervi. Começaram a ser rodadas em 1951, sob a direcção do francês Julien Duvivier.
Tinham como cenário real o município de Busseto, a 20 Km de Parma, e giravam à volta dos conflitos entre o Pároco e o Presidente da Câmara (comunista). Ainda hoje a pequena povoação de 5000 habitantes tem o museu Don Camilo, o restaurante Don Camilo, o Bar Don Camilo, o Hotel Don Camilo, quase todos na praça central da vila, entre a igreja de Santa Maria e a Câmara Municipal.
Milhares de turistas visitam ainda hoje o museu com adereços, filmes, cartazes, máquinas de filmar e projectar, revistas, comentários e notícias de jornais referentes aos filmes. Do lado de fora resta ainda um comboio, um tanque de guerra e utensílios agrícolas utilizados nas rodagens. No interior da igreja continua hoje a imagem do Cristo com que falava Fernandel. Quem quiser saber mais pode ir ao IMDb.
Obrigado João por esta bem disposta colaboração nesta série. JJ
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Isabel X disse...
Pelo modo como o João Ramos Franco nos descreve este filme, muito gostava eu de o ter visto! Qualquer dia temos que combinar umas sessões cinéfilas!
A natureza humana é mesmo assim: quantos equívocos políticos e religiosos, agravados pelo facto de a acção decorrer num meio pequeno! Muito vívido e hilariante! Obrigada.
- Isabel Xavier -