ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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A BONECA ESBOTENADA

Luís Jales de Oliveira
A boneca esbotenada
Pairava como um fantasma, revelada nas vidraças daquela varanda da Praça. Branca, alheia, possuída, envolta num longo xaile cujas pontas se entrelaçavam. Embalando, no regaço, uma boneca esbotenada.
Tentei descobrir a história que estaria por trás daquele xaile, daquela boneca e por trás daquelas vidraças misteriosas. A família, conceituada, tinha tentado apagar todos os rastos…
Filha única, menina prendada, prometida a um absurdo casamento. Engravidou. Não se sabe de quem e não se sabem as circunstâncias. Engravidou e o drama começou a desenhar-se por entre os espasmos familiares. Fecharam-na durante nove meses. No parto roubaram-lhe a criança e ela então endoideceu. Agarrou-se àquela boneca que passeia pelo quarto durante as vinte e quatro horas existenciais. Como se fosse de carne, a carne da sua carne. E passa, sorrateiramente, pelas vidraças da Praça.
Sucederam-se os anos até que o fogo eclodiu. Numa noite povoada de gritos e correrias, de sinos tocando a rebate e de chamas descomunais. E ela junto às vidraças, serpenteavam labaredas pelas pontas entrelaçadas daquele xaile carmesim. Beijou, desesperadamente a boneca e quando os vidros explodiram atirou-a da varanda. Morreu com a certeza que tinha salvo a sua menina.
Alguém levou e guardou a sobrevivente do drama. A tal filha verdadeira, transvertida de boneca, na prateleira dos livros. Triste, só e esbotenada, ao lado de bugigangas.
Há quem murmure, baixinho, que um xaile em labaredas vasculha os cantos da Praça em noites de escuridão.

PS – Há tempos perdi a vergonha e pedi que me deixassem ver a tal prateleira dos livros. Convidaram-me a entrar, apesar da boneca ter desaparecido sem concreta explicação: - “Talvez os netos na brincadeira…”.
Cheirava tanto a queimado que eu iria jurar que o fogo estivera ali.
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C O M E N T Á R I O S 
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JJ disse:
O meu primo Luis foi aluno do ERO na primeira metade da década de sessenta (consta até numa foto que publiquei no post sobre o Borlão). 
Vive actualmente em Mondim de Basto, onde nos encontramos sempre que lá vou (menos vezes do que gostaria) e, além de professor, é escritor. Roubei do jornal da terra este texto que espero que apreciem.

Suzel Almeida  
Já li o texto, e gostei muito da história que por ser verdadeira demonstra bem a sociedade demagoga em que muita gente se escondia... Parabéns ao autor!
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Entrei para o ERO em 1960 portanto devo ter conhecido o Luis,mas mão me lembro.Gostei da sua crónica,muito bem escrita.

Já li e gostei muito. Parabéns.
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mariaclara disse...
EU ANDEI LÁ NESSA ALTURA! Mas não te reconheço, eu era sobrinha da D. Dora, lembras-te ? .Eliminar
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Ani Braga disse...
Gostei muito do texto do Luís. Bem escrito e comovente, tanto mais que sabemos serem reais estas histórias e não tão distantes no passado - algumas datam dos tempos das nossas avós, quando as famílias preferiam "matar" a alma e o corpo de uma jovem apaixonada, ou mudarem-lhe inexoravelmente o destino, a morrerem eles próprios de uma vergonha tacanha e mesquinha. A história é triste e fez-me lembrar os romances ingleses do século XIX. Agradeço também ao João Jales ter-me dado oportunidade de conhecer o primo, através da sua escrita tão sensível. Ani Braga .

  • Alice Ventura Frequentei o E.R.O a partir de 1960, mas não me lembro deste colega.Contudo,dou lhe os meus parabéns pelotexto. Comovente.
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.Maria Do Rosário Pimentel 
Uma estória muito bem construída sobre um arrepiante drama humano numa sociedade de hipocrisia...!Parabéns ao Autor.
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Laura M:
Olá João
Cá estou novamente!
Gostei muito do texto do teu primo.

Estou como a Maria Clara (Clarinha), andei no colégio na mesma altura mas não me lembro dele.
Mas para compensar lembro-me muito bem da Clara  sobrinha da D. Dora. Olha Clara, espero que também te lembres de mim!
Um beijinho para ti.
Laurinha
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J.L. Reboleira Alexandre disse...
Um belo texto, curto qb, no qual o autor retrata maravilhosamente e com uma sensibilidade que toca as nossas emoções, vivências duma época cheia de dramas similares. 
Felizmente já é passado distante.

4 comentários:

mariaclara disse...

EU ANDEI LÁ NESSA ALTURA!

MAS NÃO RECONHEÇO.EU ERA A MARIA CLARA,sobrinha da D. Dora! Lembras-te?

Casa da Caldeira disse...

Gostei muito do texto do Luís. Bem escrito e comovente, tanto mais que sabemos serem reais estas histórias e não tão distantes no passado - algumas datam dos tempos das nossas avós, quando as famílias preferiam "matar" a alma e o corpo de uma jovem apaixonada, ou mudarem-lhe inexoravelmente o destino, a morrerem eles próprios de uma vergonha tacanha e mesquinha.
A história é triste e fez-me lembrar os romances ingleses do século XIX.
Agradeço também ao João Jales ter-me dado oportunidade de conhecer o primo, através da sua escrita tão sensível.

Ani Braga

Anónimo disse...

Uma estória muito bem construída sobre um arrepiante drama humano numa sociedade de hipocrisia...!
Parabéns ao Autor.

Maria Do Rosário Pimentel

J.L. Reboleira Alexandre disse...

Um belo texto, curto qb, no qual o autor retrata maravilhosamente e com uma sensibilidade que toca as nossas emoções, vivências duma época cheia de dramas similares. Felizmente já é passado distante.