ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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À JANELA DO JOÃO CALHEIROS 2 (Isabel Braga)

este post é a sequência de À JANELA DO JOÃO CALHEIROS , que deve ser lido primeiro
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A minha irmã, além de escrever de forma imensamente expressiva, tem uma memória incrível, não me lembrava destes pormenores da bombástica apresentação do João Calheiros no comboio dos Casais.Também não sei bem se namorei com ele no sentido que, na época, se atribuía ao termo. Lembro-me dele como um tipo muito ironico, muito alegre e muito divertido, com quem troquei algumas cartas e que marcou presença num ou dois Verões da minha adolescência.
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O primeiro desses Verões foi na Praia de Mira, para onde uma infeliz ideia do meu pai nos tinha "exilado", a mim e â Ani, deixando-nos inconsoláveis, porque nos víamos isoladas do ruidoso e borbulhento grupo dos nossos amigos de todos os dias, em Coimbra, que continuavam, tal como nós até então, a passar o mês de Agosto na Figueira da Foz. Ali, acabara de inaugurar a discoteca Tubarão, a primeira digna desse nome que conhecíamos, e todas as noites, depois do jantar, envoltas no denso nevoeiro que se abatia sobre a nossa nova praia, onde nada mexia, lamentávamos o triste isolamento a que estávamos confinadas. Era o tédio absoluto, não conhecíamos ninguém e os nossos pais também não, o que tornava o convívio familiar muito mais intenso do que aquilo que entendíamos como desejável.

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Foi neste contexto que apareceu o João Calheiros, com o qual eu tinha iniciado uma amizade mais ou menos especial, não me lembro exactamente quando nem como, certamente durante as visitas dele à nossa casa dos Casais, quando ia a Coimbra, fazer exames na Faculdade de Direito. Trocávamos umas cartas e ele apareceu a acampar em Mira, muito desajeitado com a tenda, e usando uns calções de banho incríveis, muito largos, pelo joelho, brancos às flores azuis, do tipo daqueles que agora associamos aos surfistas, mas que ninguém usava na época.

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Dessa visita do João Calheiros, o que recordo melhor é um passeio num barco a remos, na barrinha de Mira, um grande lago de água doce que era uma das atracções locais (não sei se ainda é). Embarquei no passeio sem suspeitar que o João não fazia ideia nenhuma de como fazer mexer o barco. De início conseguimos afastar-nos alguns metros da margem mas depois nem para trás nem para a frente, ficámos a dar voltas sobre nós próprios, como dois palermas, para divertimento dos basbaques e grande impaciência na minha mãe que, assistia da margem, à nossa incapacidade e berrava instruções, enquanto nós ríamos sem parar.

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Houve outros encontros mais fortuitos, em São Martinho do Porto, onde passei uns dias a convite de uns amigos de Coimbra, não me recordo se nesse mesmo Verão. Aí nada aconteceu digno de nota, o João estava no seu meio e tinha decididamente mais que fazer do que visitar-me, apareceu de fugida e eu não estranhei, a minha recordação mais marcante desses dias em São Martinho foi a difícil sobrevivência no meio de uma fratria de doze irmãos mais ou menos selvagens, onde as bulhas surgiam a propósito de tudo, da comida, dos lugares à mesa, da roupa que iríamos usar no arraial à noite, uma animação a que os pais deles assistiam, sem intervir, impávidos e serenos.

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Tenho ideia de que as cartas continuaram e que, no Verão seguinte, nos voltámos a encontrar, desta vez no Alentejo. O João estava a fazer a tropa em Beja e eu tinha ido passar uns dias a Serpa, a casa da minha maior amiga na época, a Ana Saião Lopes, filha de um latifundiário local. Os encontros - não foram mais do que dois, penso eu - eram numa pousada nos arredores de Serpa, e admito perfeitamente que o João Calheiros não faça a menor ideia da aventura que era, para mim e para a Ana, ali chegar.

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Serpa era um meio muito fechado - estávamos muito antes do 25 de Abril - e o pai da Ana um homem severo, que se mandaria ao ar com a ideia de que a amiga da filha tinha encontros secretos com um namorado. Eu e a Ana inventávamos pretextos para sair, geralmente dizíamos que íamos ver uma prima dela, embuste que nunca foi descoberto, porque não havia os malditos telemóveis. Saíamos numa caleche, puxada por um burro muito teimoso, chamado Zé Estrela, que tinha sempre as ferraduras em mau estado e que só andava quando queria. Nem sei como, a poder de muitos berros e alguma pancada, conseguimos subir até ao monte onde ficava a pousada. Depois de umas bebidas frescas,a Ana ficava a conversar com o amigo que transportava o João e eu e ele saíamos para apreciar a paisagem. Foi tudo inconsequente e divertido, eu tinha consciência e penso que ele também de que eram demasiado grandes as diferenças que me separavam, maturidade, estilos de vida, etc., e ninguém ultrapassou os limites. Como balanço, apenas posso dizer que não fizemos mal nenhum um ao outro, pelo contrário.

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No ano seguinte, entrei na faculdade, para estudar filosofia, corria o ano da greve de 1969, e namorar passou a ser um assunto sério, com muitas exigências de afinidades ideológicas e discussões em torno de assuntos tão palpitantes como saber se Kerensky fora ou não um traidor do proletariado. Graças a Deus, nada dura para sempre, nem as chatices nem os divertimentos.

Isabel Braga

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C O M E N T Á R I O S
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J.L. Reboleira Alexandre disse...
Deliciosa descrição de uma época, bem antes do 25 de Abril claro. Até alguém que, como nós, anda por fora há muitos anos compreende à primeira. Honestamente, não é o caso muitas vezes.Pelo ano de entrada da Isabel na Faculdade dá para ver que o João deveria achar, na altura, a garota muito verde.

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Artur R. Gonçalves
disse...
A janela do João abre-se indiscretamente para o mundo envolvente. Aquele que tem como ponto de partida a cidade da rainha e se vai depois espraiando, ao sabor da maré e caprichos da memória, a outras paisagens a perder de vista dos quatro pontos cardeais das estremaduras, beiras e alentejos. A pedra de toque das confidências relatadas reside no facto de terem sido proferidas em duas tiradas, à distância confortável de duas gerações e por interpostas pessoas. Os olhos do protagonista são substituídos pelos das narradoras e admiradoras confessadas do retratado, cuja discrição o tem remetido ao mais profundo silêncio. Mas, como quem cala consente, só temos de confiar no testemunho das Ana e da Isabel, as duas manas relatoras, e de o darmos por seguro e sem direito a contraditório.
O duplo apelido do João era sobejamente conhecido na cidade que me viu nascer, crescer e debandar. Tudo na devida altura. Conheci o pai no contexto escolar do então ensino preparatório e secundário. Nunca o tive como professor. Os episódios de raquetes partidas em desafios menos felizes tornaram-se proverbiais. Pelos vistos até hoje. Assisti a uma ou outra contenda menos acirrada no court do parque. E é tudo. Ter-me-ei cruzado forçosamente com o filho do desportista num espaço urbano provinciano em que quase todos conheciam quase todos. Muitas vezes de vista. Os espaços que uns e outros frequentavam raramente eram os mesmos. As memórias de uns e outros divergem, precisamente, nesses locais diferenciados de convívio.
A janela por onde as duas manas da cidade do mondego espreitaram o João abriu-nos o horizonte para dois universos de referências distintos e que esta nossa passagem apressada pelo quotidiano teima em esquecer. Vá-se lá saber porquê. Entre um e outro, somos obrigados a colocar a viragem de século e de milénio, a passagem de algumas décadas bem contadas, a queda do senhor das botas de uma cadeira providencial e a queda de um muro da vergonha de todos nós. Eros e Bordalos já não existem como no tempo em que os frequentámos. Os fumos das índias foram substituídos pelas miragens das europas. Nós continuamos os mesmos mas de modo diverso. As chatices e os divertimentos não duram para sempre. É bem verdade. Só assim os encantos que vamos tendo, quando entram na fase inexorável do desencanto, abrem a porta a outros encantamentos de celebrar a vida e a outras janelas para contemplar o mundo...
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Guida Sousa disse...
Eu escrevi:
"Uma perguntinha só:e a irmã não tem nada a dizer sobre o "assunto"?Gostaria de saber...!!!"
Qual não é o meu espanto quando vi a resposta! E que resposta,uma prosa de quem sabe escrever como poucos,cheia de sentimentos que todos vivemos na nossa juventude.Senti-me verdadeiramente honrada,obrigada.
Bjs.GSousa
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Paulinha disse...
É realmente um texto muito engraçado e descreve o nosso amigo João Calheiros na perfeição.
Parabens
Bjs PP
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Luisa disse...
Esta "volta a Portugal" como lhe chama o JJ é muito bem escrita e um prazer de ler.O Calheiros Viegas devia ter demasiados assuntos entre mãos para ter sido tão pouco atencioso quando a Isabel esteve em São Martinho!Deliciosas memórias,das duas irmãs.L
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diz o que te vai na alma disse...
sempre bom ler estas estórias, que traduzem doces recordações.Da minha janela vejo o rio e o mar...e o Porto que se espraia pela Foz.
Da minha janela viaja meu olhar em busca do desconhecido.Obrigado pela partilha
Dalila

Isabel Esse disse...
Lindissima narrativa de um "namoro" da época,cheio das delicadezas e da inocência da altura.Depois do namoro na Rainha,esta série continua não só à janela mas também a retratar a evolução dos namoricos ao longo dos tempos!Aqui já não era à janela mas às escondidas.Adorei,claro.
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Fátima disse...
Da minha janela, vejo…O "Pequeno Grande Mundo dos Ex-Alunos do Ero".
Mundo esse Habitado por Gente Bonita de Qualidades Inexcedíveis, como tenho tido oportunidade de referir e de constatar...
Os últimos posts têm sido um Apelo ao nosso olhar atento, para a "casa" de cada Um, e em particular para as Suas "Janelas". Janelas essas que se abrem de par em par, como portadas que se fixam, (abertas) no tempo, por forma a proporcionar a todos os que passam, o privilégio da contemplação...
Janelas que se abrem às mais doces memórias das Gentes que cruzaram as suas vidas em belos momentos de Aprendizagem, Convívio e São crescimento. Um Gosto apreciar…
Um Gosto também “sair do Mundo Feio que nos rodeia” e “mergulhar” noutros Mundos que nos proporcionam espaços de pacificação interior e que têm em nós um efeito terapêutico.
Obrigada pelo “Bálsamo” e Parabéns a Todos os que Habilmente constroem este Espaço.
Bjs
Fátima
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Paula Bispo comentou no Facebook:
João Calheiros Viegas....um nome que me diz muito....porque era amigo do meu pai...Fernando Bispo(jogador do Caldas e já falecido)...era miúda e recordo-me de estar com ambos....enquanto conversavam.
Vivo na Malveira....mas as Caldas está no meu coração....onde nasci,onde passei momentos espectaculares na infância,adolescência e juventude....e onde continuo a ter BONS AMIGOS!!!Bem Haja!!!
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Jose Sanches comentou no Facebook:
Grandes manas!Escrevem bem as duas.Pestaninha, és um homem de sorte...
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João Ramos Franco comentou no Facebook:
Deu-me vontade de rir a cena do barco em Mira, com a sornite aguda de que o João sofria, fazê-lo remar era dificil! Esta doença atacava quando convinha.
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Jose Sanches comentou no Facebook:
Era a chamada"sorna metódica", de que o João era especialista.
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10 comentários:

Anónimo disse...

È realmente um texto muito engraçado e descreve o nosso amigo João Calheiros na perfeição. Parabens Bjs PP

Anónimo disse...

É lamentável tão triste recordação da Praia de Mira

Anónimo disse...

Esta "volta a Portugal" como lhe chama o JJ é muito bem escrita e um prazer de ler.O Calheiros Viegas devia ter demasiados assuntos entre mãos para ter sido tão pouco atencioso quando a Isabel esteve em São Martinho!
Deliciosas memórias,das duas irmãs.L

Isabel Esse disse...

Lindissima narrativa de um "namoro" da época,cheio das delicadezas e da inocência da altura.Depois do namoro na Rainha,esta série continua não só à janela mas também a retratar a evolução dos namoricos ao longo dos tempos!Aqui já não era à janela mas às escondidas.
Adorei,claro.

Anónimo disse...

Da minha janela, vejo…

O "Pequeno Grande Mundo dos Ex-Alunos do Ero". Mundo esse Habitado por Gente Bonita de Qualidades Inexcedíveis, como tenho tido oportunidade de referir e de constatar...
Os últimos posts têm sido um Apelo ao nosso olhar atento, para a "casa" de cada Um, e em particular para as Suas "Janelas".
Janelas essas que se abrem de par em par, como portadas que se fixam, (abertas) no tempo, por forma a proporcionar a todos os que passam, o privilégio da contemplação...
Janelas que se abrem às mais doces memórias das Gentes que cruzaram as suas vidas em belos momentos de Aprendizagem, Convívio e São crescimento. Um Gosto apreciar…

Um Gosto também “sair do Mundo Feio que nos rodeia” e “mergulhar” noutros Mundos que nos proporcionam espaços de pacificação interior e que têm em nós um efeito terapêutico.
Obrigada pelo “Bálsamo” e Parabéns a Todos os que Habilmente constroem este Espaço.

Bjs

Fátima

J.L. Reboleira Alexandre disse...

Deliciosa descrição de uma época, bem antes do 25 de Abril claro. Até alguém que, como nós, anda por fora há muitos anos compreende à primeira. Honestamente, não é o caso muitas vezes.

Pelo ano de entrada da Isabel na Faculdade dá para ver que o João deveria achar, na altura, a garota muito verde.

Artur Henrique Ribeiro Gonçalves disse...

A janela do João abre-se indiscretamente para o mundo envolvente. Aquele que tem como ponto de partida a cidade da rainha e se vai depois espraiando, ao sabor da maré e caprichos da memória, a outras paisagens a perder de vista dos quatro pontos cardeais das estremaduras, beiras e alentejos. A pedra de toque das confidências relatadas reside no facto de terem sido proferidas em duas tiradas, à distância confortável de duas gerações e por interpostas pessoas. Os olhos do protagonista são substituídos pelos das narradoras e admiradoras confessadas do retratado, cuja discrição o tem remetido ao mais profundo silêncio. Mas, como quem cala consente, só temos de confiar no testemunho das Ana e da Isabel, as duas manas relatoras, e de o darmos por seguro e sem direito a contraditório.

O duplo apelido do João era sobejamente conhecido na cidade que me viu nascer, crescer e debandar. Tudo na devida altura. Conheci o pai no contexto escolar do então ensino preparatório e secundário. Nunca o tive como professor. Os episódios de raquetes partidas em desafios menos felizes tornaram-se proverbiais. Pelos vistos até hoje. Assisti a uma ou outra contenda menos acirrada no court do parque. E é tudo. Ter-me-ei cruzado forçosamente com o filho do desportista num espaço urbano provinciano em que quase todos conheciam quase todos. Muitas vezes de vista. Os espaços que uns e outros frequentavam raramente eram os mesmos. As memórias de uns e outros divergem, precisamente, nesses locais diferenciados de convívio.

A janela por onde as duas manas da cidade do mondego espreitaram o João abriu-nos o horizonte para dois universos de referências distintos e que esta nossa passagem apressada pelo quotidiano teima em esquecer. Vá-se lá saber porquê. Entre um e outro, somos obrigados a colocar a viragem de século e de milénio, a passagem de algumas décadas bem contadas, a queda do senhor das botas de uma cadeira providencial e a queda de um muro da vergonha de todos nós. Eros e Bordalos já não existem como no tempo em que os frequentámos. Os fumos das índias foram substituídos pelas miragens das europas. Nós continuamos os mesmos mas de modo diverso. As chatices e os divertimentos não duram para sempre. É bem verdade. Só assim os encantos que vamos tendo, quando entram na fase inexorável do desencanto, abrem a porta a outros encantamentos de celebrar a vida e a outras janelas para contemplar o mundo...

Artur Henrique Ribeiro Gonçalves disse...

A janela do João abre-se indiscretamente para o mundo envolvente. Aquele que tem como ponto de partida a cidade da rainha e se vai depois espraiando, ao sabor da maré e caprichos da memória, a outras paisagens a perder de vista dos quatro pontos cardeais das estremaduras, beiras e alentejos. A pedra de toque das confidências relatadas reside no facto de terem sido proferidas em duas tiradas, à distância confortável de duas gerações e por interpostas pessoas. Os olhos do protagonista são substituídos pelos das narradoras e admiradoras confessadas do retratado, cuja discrição o tem remetido ao mais profundo silêncio. Mas, como quem cala consente, só temos de confiar no testemunho das Ana e da Isabel, as duas manas relatoras, e de o darmos por seguro e sem direito a contraditório.

O duplo apelido do João era sobejamente conhecido na cidade que me viu nascer, crescer e debandar. Tudo na devida altura. Conheci o pai no contexto escolar do então ensino preparatório e secundário. Nunca o tive como professor. Os episódios de raquetes partidas em desafios menos felizes tornaram-se proverbiais. Pelos vistos até hoje. Assisti a uma ou outra contenda menos acirrada no court do parque. E é tudo. Ter-me-ei cruzado forçosamente com o filho do desportista num espaço urbano provinciano em que quase todos conheciam quase todos. Muitas vezes de vista. Os espaços que uns e outros frequentavam raramente eram os mesmos. As memórias de uns e outros divergem, precisamente, nesses locais diferenciados de convívio.

A janela por onde as duas manas da cidade do mondego espreitaram o João abriu-nos o horizonte para dois universos de referências distintos e que esta nossa passagem apressada pelo quotidiano teima em esquecer. Vá-se lá saber porquê. Entre um e outro, somos obrigados a colocar a viragem de século e de milénio, a passagem de algumas décadas bem contadas, a queda do senhor das botas de uma cadeira providencial e a queda de um muro da vergonha de todos nós. Eros e Bordalos já não existem como no tempo em que os frequentámos. Os fumos das índias foram substituídos pelas miragens das europas. Nós continuamos os mesmos mas de modo diverso. As chatices e os divertimentos não duram para sempre. É bem verdade. Só assim os encantos que vamos tendo, quando entram na fase inexorável do desencanto, abrem a porta a outros encantamentos de celebrar a vida e a outras janelas para contemplar o mundo...

Guida Sousa disse...

Eu escrevi:
"Uma perguntinha só:e a irmã não tem nada a dizer sobre o "assunto"?Gostaria de saber...!!!"
Qual não é o meu espanto quando vi a resposta! E que resposta,uma prosa de quem sabe escrever como poucos,cheia de sentimentos que todos vivemos na nossa juventude.
Senti-me verdadeiramente honrada,obrigada.Bjs.GSousa

diz o que te vai na alma disse...

sempre bom ler estas estórias, que traduzem doces recordações.
Da minha janela vejo o rio e o mar...e o Porto que se espraia pela Foz. Da minha janela viaja meu olhar em busca do desconhecido.
Obrigado pela partilha
Dalila