ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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A PROPÓSITO DE "1 9 7 5 " (Artur R. Gonçalves)


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por Artur R. Gonçalves


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Há certas palavras que marcam uma época. Surgem de um momento para o outro, são utilizadas por todos até à exaustão e depois partem tal qual chegaram. De mansinho e sem deixar saudades. Comportam-se como um brinquedo novo nas mãos de uma criança mimada. Explora-o em todas as suas potencialidades na fase da descoberta, põe-no no caixote das bugigangas estafadas num momento de enfado e acaba por se esquecer da sua existência em períodos de novas experiências. Uma supernova de brilho intensamente efémero. «Colonialista» é uma dessas palavras. Dizia-se em surdina nos meios clandestinos de um país amedrontado. Gritou-se aos sete ventos nos meios esquerdistas do período revolucionário em curso. Na altura, quando ainda não havia pruridos de maior com o politicamente correcto, o termo passou a ser substituído pelo de «retornado», bem mais contundente na sua forma de atingir o outro, aquele que segundo o vulgo tinha vivido a explorar os africanos das colónias e agora se preparava para fazer o mesmo com os portugueses da metrópole. Os ânimos estavam acirrados e os excessos justificados. Mas, palavras leva-as o vento, se para aí estiver virado, vento este que se encarregará de as substituir por outras, se também para aí estiver voltado. Durante uma breve temporada, esteve na moda o modismo «neocolonialista». Parra que já deu fruta, apesar da sua preocupante actualidade.
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A crónica do JJ remete-nos para um tempo pretérito que recordo com alguma nostalgia. As referências que faz aos primeiros anos da década de 70 marcaram toda uma geração que andava na casa do 20, que frequentava de uma forma mais ou menos desajeitada as faculdades do império, que fazia como sabia ou julgava saber as guerras do além-mar colonial, que gozava férias descontraídas nas praias marítimas e fluviais de um país banhado por um sol periférico mas sempre presente, que fazia compras nos Porfírios, que ouvia LP(s) na Valentim de Carvalho, que ia ao jaze de Cascais, que lia Tolstoi-Proust-Camus alternados com Marx-Mao-Lenine, que fazia trinta por uma linha para se sentir vivo e actuante. Às vezes, até já estava envolvida no mercado de trabalho. Pertenço a essa geração cheia de promessas que a vida se encarregou de adiar na sua grande totalidade. Uma geração como as outras. Em suma. Nem melhor nem pior. A nossa.

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Desconheço até que ponto o JJ é o jovem protagonista deste diálogo de verão recordado à distância de décadas, deste diletante que na história (não altura ainda não estava na moda a palavra estória) dá pelo nome de Jorge. Até que ponto o factual anda comprometido com o fictício. Pouco importa. Todos nós, com essa idade, tivemos uma certa fixação por uma qualquer Irene. Os verdes anos têm dessas coisas e os anos da maturidade a capacidade de os transmitir em forma de escrita. Escorreita, fluida, cativante. Qualidades próprias de quem tem um domínio cabal da língua e da potencialidade que as palavras por vezes têm de dizer o indizível.

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Artur R Gonçalves
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C O M E N T Á R I O S
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Tina disse...
A estória de João Jales (será o Jales que conheci na década de 70, antes do 25 de Abril, natural de Caldas da Rainha?) tem o mérito de pôr o dedo na ferida que foi a vivência após a Revolução de Abril de uma forma realista e matura. Ferida vivida no seio das famílias e apaixonadamente transporta para o debate público, com um carácter discriminatório que muito me perturbou então. Em linguagem clara e apaixonada, que nos identifica com a época.
O Artur completa com a sua análise essa estória - que pouco tem de estória já que descreve bem uma época bem real - com o seu dom inato de lidar com as palavras.
Todas as gerações enfrentam uma determinada transição, tendo a nossa sofrido na pele uma bem dolorosa. Mas crescemos com as dores, que não foram piores que as dos nossos pais no tempo da segunda guerra, e hoje estamos aqui a analisar, ou antes, a reviver tranquilamente os tempos da nossa juventude, curadas já as paixões extremistas em que participámos nos grupos da faculdade que frequentámos.
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António J M disse...
O problema é que,como o JJ conclui na sua história(ou estória-será verdade ou ficção?)os colonialistas não eram os colonos!
Muito bem analisado e excepcionalmente bem escrito este comentário do Artur que aborda a questão colonial e também uma época de esperanças,infelizmente não cumpridas.
"Pertenço a essa geração cheia de promessas que a vida se encarregou de adiar na sua grande totalidade" escreve o Artur,e eu acrescento:-E eu também!
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jorge disse...
se a história do jales era boa e bem escrita,este a propósito não lhe fica nada atrás!já tinha lido coisas do artur no blogue da escola e vê-se que é alguém com grandes capacidades nesta área.benvindo a este blogue!j
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JJ disse:
Não posso deixar de saudar, que me perdoem todos os outros, a chegada a este Blog da minha amiga Nitina que não vejo há... o quê? trinta e tal anos? Envia-me o teu contacto, temos muito que conversar.
Aproveito para responder ao Artur dizendo-lhe que, embora "1975" seja uma ficção e eu não ser o Jorge, mantive efectivamente um diálogo com uma jovem retornada, que não se chamava Irene, numas férias que passei em Mondim de Basto. Há sempre algo de nós naquilo que escrevemos, como sabes.
Apreciei muito o teu comentário, não me surpreende a qualidade da tua prosa nem a precisão da tua análise, porque sou já um atento leitor das tuas intervenções sobre literatura.
Aos outros comentadores e intervenientes nesta série responderei no seu final.
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Maria Manuela Gama Vieira disse:
Gostei muito das " palavras que surgem de um momento para o outro, partem tal qual chegaram. De mansinho e sem deixar saudades."
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Tina disse...
João Jales há poucos, não é? Lembro-me que há 30 anos ainda me calava para te ouvir falar...
Contactei-te através do Facebook, por ser mais fácil.
Sou "rusga" pois não frequentei o Externato Ramalho Ortigão, mas espero que me perdoem a invasão. Aprender não ocupa lugar, não é?
Abraço.
Nitina (que já não o é para muitos!)
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4 comentários:

Tina disse...

A estória de João Jales (será o Jales que conheci na década de 70, antes do 25 de Abril, natural de Caldas da Rainha?) tem o mérito de pôr o dedo na ferida que foi a vivência após a Revolução de Abril de uma forma realista e matura. Ferida vivida no seio das famílias e apaixonadamente transporta para o debate público, com um carácter discriminatório que muito me perturbou então. Em linguagem clara e apaixonada, que nos identifica com a época.
O Artur completa com a sua análise essa estória - que pouco tem de estória já que descreve bem uma época bem real - com o seu dom inato de lidar com as palavras. Todas as gerações enfrentam uma determinada transição, tendo a nossa sofrido na pele uma bem dolorosa. Mas crescemos com as dores, que não foram piores que as dos nossos pais no tempo da segunda guerra, e hoje estamos aqui a analisar, ou antes, a reviver tranquilamente os tempos da nossa juventude, curadas já as paixões extremistas em que participámos nos grupos da faculdade que frequentámos.

António J M disse...

O problema é que,como o JJ conclui na sua história(ou estória-será verdade ou ficção?)os colonialistas não eram os colonos!
Muito bem analisado e excepcionalmente bem escrito este comentário do Artur que aborda a questão colonial e também uma época de esperanças,infelizmente não cumpridas.
"Pertenço a essa geração cheia de promessas que a vida se encarregou de adiar na sua grande totalidade" escreve o Artr,e eu acrescento:-E eu também!

jorge disse...

se a história dojales era boa ebem escrita,este a propósito não lhe fica nada atrás!já tinha lido coisas d artur no blogue daescola e vê-se queé alguém com grandes capacidades nesta área.benvindo a este blogue!j

Tina disse...

João Jales há poucos, não é? Lembro-me que há 30 anos ainda me calava para te ouvir falar... Contactei-te através do Facebook, por ser mais fácil.
Sou "rusga" pois não frequentei o Externato Ramalho Ortigão, mas espero que me perdoem a invasão. Aprender não ocupa lugar, não é?
Abraço.
Nitina (que já não o é para muitos!)