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Dantes as janelas eram molduras donde víamos o mundo e o mundo a nós. As vizinhas vinham às janelas conversarem umas com as outras, pediam-se mutuamente salsa, sal, essas coisas íntimas próprias de vizinhas às janelas. Espreitavam-se umas às outras, diziam ditos umas das outras. Trocavam ditos e salsas emprestadas, com outras vizinhas, noutras janelas da casa, as que ficassem mais a jeito, umas e outras.
Dantes colocavam-se colchas às janelas nos dias de festa; colchas cuidadosamente guardadas em arcas; colchas que jamais haviam sido postas sobre qualquer cama; exclusivamente destinadas àquele fim: enfeitar janelas quando passava o cortejo de oferendas ou quando se faziam as cerimónias de homenagem à rainha, no dia 15 de Maio. As casas da “Rainha” vestiam-se para ela, formavam o cenário adequado à qualidade da homenageada. Os habitantes dessas casas faziam parte da festa, proporcionavam-lhe belos e coloridos cenários, participavam da acção: não se limitavam a olhar.
Dantes colocavam-se colchas às janelas nos dias de festa; colchas cuidadosamente guardadas em arcas; colchas que jamais haviam sido postas sobre qualquer cama; exclusivamente destinadas àquele fim: enfeitar janelas quando passava o cortejo de oferendas ou quando se faziam as cerimónias de homenagem à rainha, no dia 15 de Maio. As casas da “Rainha” vestiam-se para ela, formavam o cenário adequado à qualidade da homenageada. Os habitantes dessas casas faziam parte da festa, proporcionavam-lhe belos e coloridos cenários, participavam da acção: não se limitavam a olhar.
Dantes as janelas serviam para namorar. Sempre ouvi contar que as janelas lá de casa, uma delas em particular – de que logo passei a gostar mais - serviram para os meus pais namorarem.
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Morávamos na “Rainha”, a rainha sempre de costas para as janelas da nossa casa; aliás, ainda hoje teima em manter-se nessa posição tão pouco simpática. A minha mãe sempre se referiu a esse facto, e à desconsideração que em si mesmo comporta, com alguma ironia. E com toda a propriedade, ou não fosse ela a proprietária da casa em questão, e respectivas janelas, claro!
Morávamos na “Rainha”, a rainha sempre de costas para as janelas da nossa casa; aliás, ainda hoje teima em manter-se nessa posição tão pouco simpática. A minha mãe sempre se referiu a esse facto, e à desconsideração que em si mesmo comporta, com alguma ironia. E com toda a propriedade, ou não fosse ela a proprietária da casa em questão, e respectivas janelas, claro!
Mas voltando ao namoro há pouco interrompido. Os meus pais conheceram-se nos bailes de carnaval do casino, no longínquo ano de 1944. Começaram logo a namorar: a minha mãe à janela de casa dos meus avós, o segundo andar do número sete do Largo Conde de Fontalva (é este o verdadeiro nome da “Rainha”), o meu pai, estoicamente, de pé, no mesmo largo. Ouviam-se com dificuldade, ao meu pai doía-lhe o pescoço de tanto o virar para o alto. Deve ser pouco romântico namorar nestas circunstâncias, o esforço dispendido é excessivo quando comparado com as vantagens que proporciona. Da minha mãe apenas se vislumbrava uma vaga semelhança ao rosto dela, o mesmo acontecia quanto ao que à minha mãe era dado ver do meu pai.
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Condoídos com a situação, os meus avós permitiram um grande avanço, um passo decisivo no namoro: a minha mãe foi autorizada a descer o lanço de escadas que a levava do segundo para o primeiro andar, então devoluto, e de uma das suas janelas namorar bem mais “próxima” do meu pai. Eis a razão pela qual o namoro se fazia a partir de uma das janelas da nossa casa. É que foi nesse primeiro andar que os meus pais passaram a viver quando casaram.
Condoídos com a situação, os meus avós permitiram um grande avanço, um passo decisivo no namoro: a minha mãe foi autorizada a descer o lanço de escadas que a levava do segundo para o primeiro andar, então devoluto, e de uma das suas janelas namorar bem mais “próxima” do meu pai. Eis a razão pela qual o namoro se fazia a partir de uma das janelas da nossa casa. É que foi nesse primeiro andar que os meus pais passaram a viver quando casaram.
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Não sei se fartos de janelas, por muito simbólicas que sejam talvez as janelas não constituam cómodos lugares de namoro, o certo é que os meus pais pensaram casar ainda esse ano. Mas quanto a essa hipótese tiveram menos sorte: aquele ano era bissexto e a minha avó profundamente supersticiosa (por causa dela ainda hoje não me sento a uma mesa de treze comensais!) e não houve maneira de obter o seu consentimento para o ansiado projecto de casamento. Isto porque, segundo a minha avó, casamentos felizes não podiam, em caso algum, ocorrer num ano bissexto. E por isso é que os meus pais esperaram “pacientemente” que o ano terminasse, e casaram no dia 3 de Janeiro do ano seguinte: 1945!
Não sei se fartos de janelas, por muito simbólicas que sejam talvez as janelas não constituam cómodos lugares de namoro, o certo é que os meus pais pensaram casar ainda esse ano. Mas quanto a essa hipótese tiveram menos sorte: aquele ano era bissexto e a minha avó profundamente supersticiosa (por causa dela ainda hoje não me sento a uma mesa de treze comensais!) e não houve maneira de obter o seu consentimento para o ansiado projecto de casamento. Isto porque, segundo a minha avó, casamentos felizes não podiam, em caso algum, ocorrer num ano bissexto. E por isso é que os meus pais esperaram “pacientemente” que o ano terminasse, e casaram no dia 3 de Janeiro do ano seguinte: 1945!
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Eram outros os ritmos daqueles tempos, mais rápidos a tomar decisões. Tempos de maior obediência dos filhos em relação aos pais, pelo menos quando estes invocavam argumentos de peso, substantivos, como foi o caso.
Quanto a mim, nunca tive o hábito de estar às janelas que davam para a rainha, talvez por ela estar de costas voltadas… lembrei-me eu agora enquanto escrevo. Mas tenho a noção clara da perda que pode estar associada a esta minha opção. Nem quero pensar nas inúmeras oportunidades que perdi na vida devido à falta desse hábito!
Eram outros os ritmos daqueles tempos, mais rápidos a tomar decisões. Tempos de maior obediência dos filhos em relação aos pais, pelo menos quando estes invocavam argumentos de peso, substantivos, como foi o caso.
Quanto a mim, nunca tive o hábito de estar às janelas que davam para a rainha, talvez por ela estar de costas voltadas… lembrei-me eu agora enquanto escrevo. Mas tenho a noção clara da perda que pode estar associada a esta minha opção. Nem quero pensar nas inúmeras oportunidades que perdi na vida devido à falta desse hábito!
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No entanto, sempre gostei de morar ali! A minha casa tinha um quintal e era para lá que dava a janela do meu quarto. Mais do quintal do que da janela (meio acanhada, sei lá, não me dava jeito!), é que eu observava todos os dias as estrelas, ou pelos menos sempre que elas ali me apareciam, e endereçava-lhes preces só minhas, recados que só eu sei! E à lua, claro, secretamente cúmplice desse outro tipo de namoro!
No entanto, sempre gostei de morar ali! A minha casa tinha um quintal e era para lá que dava a janela do meu quarto. Mais do quintal do que da janela (meio acanhada, sei lá, não me dava jeito!), é que eu observava todos os dias as estrelas, ou pelos menos sempre que elas ali me apareciam, e endereçava-lhes preces só minhas, recados que só eu sei! E à lua, claro, secretamente cúmplice desse outro tipo de namoro!
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E o cosmos inteiro morava ali comigo, ali mesmo ao pé de mim, ali no meu quintal para onde dava a janela do meu quarto!
E o cosmos inteiro morava ali comigo, ali mesmo ao pé de mim, ali no meu quintal para onde dava a janela do meu quarto!
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- Isabel Xavier -
- Isabel Xavier -
20 comentários:
Fascinante Isabel. A tua escrita, mas também a forma como começamos a dispensar afectos a locais, edificios e até a estátuas! E o amor pela cidade faz-se assim, pelo amor por cada um dos elementos que a integra. Por isso nos revoltamos quando algo que faz parte de nós , da nossa identidade, se pretende destruido, a troco de uma modernidade que ninguém compreende. Já bastam os dois mamarrachos da Praça. E ligados aos lugares estão as pessoas, que somos todos nós. E nós somos a cidade. Somos nós, que cá vivemos ou que por cá passámos, nós que amamos esta cidade e que mantemos a sua identidade viva e impedimos que se torne um dormitório da grande cidade, sem alma e sem afectos, somos nós que somos as Caldas!
Já sabe, Isabel, que não resisto a estes textos que escreve.
Também este me tem cativa pela forma e pelo conteúdo.
Acho adorável a forma como conta o namoro dos seus pais à janela e a ironia com que descreve a utilização da janela.
Não sei se é fidedigno que a sua mãe se tenha referido à desconsideração da Rainha por estar de costas para a vossa janela, mas parece que a oiço dizer as palavras!
Mais uma vez, no fim, a singularidade da menina que foge à norma e que prefere as janelas do quintal do que as que dão para a rainha. Umas oportunidades podem ter sido perdidas, mas outras terão certamente sido ganhas!!
beijo
Patrícia Baptista
Isabel,
Gostei muito da sua história. De facto a beleza das tradições de antigamente, e os sentimentos deixam saudade...
A beleza dos sentimentos...
Beijinho
Ana Saudade e Silva
Belísima hstória, contada com mestria e carinho e lindissimas fotografias.
Tanto quanto julgo saber a autora não perdeu nada por não estar à janela,já que casou cedo!!!
Bonita evocação familiar em que se lembram as Caldas de outros tempos,enriquecendo este blogue.
Parabéns.GS
Nascido uns anos antes da Isabel Xavier, num prédio com janela para o chafariz, no inicio da estrada para a Foz do Arelho, a minha passagem diária pelo “Largo da Rainha” era obrigatória e ao qual dediquei um post no meu blogue com o nome “Exatidão”
e do qual fazia parte o poema de Jorge de Sena que Trancrevo.
Exactidão
Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá:
sentido do não-vivido
a que fica reduzido
o que, escolhido, não há.
Do imo do poder ser,
onde o não-sido se arrasta,
ouvi cadências crescer:
vaga música de ter,
na vida, quanto não basta -
quanto um sentido se entenda,
que nem verdade ou mentira.
(Que o que dele se aprenda
é como cobarde venda
para que a luz nos não fira.
Luz sem luz, brilho da treva
que tudo no fundo é;
e a certeza que se eleva
do fundo da própria treva,
de exacta que seja, é.)
Levam justiça consigo
as palavras que dissermos.
Por quanto sentido antigo,
nelas ficou por castigo
o futuro que tivermos.
Levam as frases sentido
que uma cadência lhes dá.
É justo, injusto - o escolhido?
Como quereis que, vivido,
ele não seja o que será?
Jorge de Sena, in 'Post-Scriptum'
Sob o post e o ocal a Isabel X. escreveu as palavras que transcrevo,: Isabel X disse...
Pois fique sabendo, João Ramos Franco, que o "local de passagem diário" da sua juventude, ali mesmo por trás da estátua da rainha, foi o local onde eu nasci
(1957), vivi até aos dezoito anos, e ainda vivo, até certo ponto, sempre que lá vou, pois a minha mãe continua a morar na mesma casa.
Largo Conde de Fontalva, nº 7.
Não me estou a enganar! O Largo da Rainha D. Leonor é o do Hospital Termal, antigo Largo da Copa!
- Isabel Xavier -
17 de Outubro de 2009 19:44
Uma verdade, somos amigos, os 15 anos de idade que não nos separam…
Adorei ler, “À JANELA DA RAINHA”, por acaso não viu passar no Largo!?…
Um abraço amigo do
João Ramos Franco
Ler um texto da Isabel é sempre um prazer enorme, mas este tocou-me especialmente.
Conheci a casa da Isabel. Ia lá semanalmente dar explicações à Lena. Naquele tempo era frequente os explicadores deslocarem-se a casa dos explicandos. Era uma casa onde se respirava o conceito de família na mais plena acepção da palavra. A Avó era uma senhora de forte personalidade, supervisora dos netos, em especial da Helena que, talvez por ser a mais tímida, requeria uma atenção mais dedicada. A Mãe da Isabel e de mais quatro irmãos, uma mãe serena, atenta, cuidadora, carinhosa, sempre com um sorriso no rosto, era, e consta que ainda é, uma senhora linda, elegante, sempre muito cuidada, perfumada e bem vestida. Uma casa cheia de gente jovem, mas de uma alegria tranquila onde sempre fui muito bem recebido e sentia os elos de carinho, de amor e de amizade que enlaçavam todos os seus componentes.
Mas os meus contactos com elementos desta Família também existiram fora daquela casa.
A Irmã mais velha da Isabel, a Gracinha, foi minha colega no Externato e casou com o Tozé Valente, que foi o meu colega de carteira, também no Externato. São meus compadres - sou padrinho do segundo filho.
Fui professor do Luís, da Lena, da Isabel e do Mário.
Mais tarde fui colega da Isabel. Embora de grupos disciplinares algo afastados, fizemos muitos trabalhos em comum, sempre com grande cumplicidade, muita amizade e admiração mútua.
Às vezes encontro a Lena – fazemos sempre uma grande festa. A amizade é forte e recíproca.
Também o texto da Isabel me recordou o que eu ouvia dizer do namoro no tempo dos nossos pais, sempre com muito recato e distância. Trouxe-me à lembrança uma cançoneta cantada naquele tempo pela voz fresca de uma cançonetista, como na altura se designava:
Ir à baixa de trem é o que convém e que mais realça.
E tocar todo o ano, no meu piano, a mesma valsa.
E poder namorar no meu quarto andar, com grande alvoroço…
E o rapaz lá na rua, a olhar p’ra Lua, com dor no pescoço.
Beijinhos, Isabel
Obrigado Jales
Jaime Serafim
Leitura muito agradável e um muito bem escrever da I.Xavier e a dizer-nos o que realmente se passava em tempos já lá idos e não "antigos", assim evito dizer "nos tempos de antigamente". Vou tentar descrever o Largo M. de Fontalva (largo da Rainha) como ainda hoje o vejo mas, talvez com alguns enganos. Começando com a Rua de Camões (Rua do parque) e a Almirante Reis, (Rua do Felizardo), havia na junção "tipo vértice" das duas com o largo, um restaurante (hoje um estabelecimento de faianças artisticas ) do Sr. Mendes. Na junção Alm. Reis e a H. da Grande Guerra viviam os Parreiras. Contornando o largo era a taberna do Joaquim Herculano, depois tornou também faianças e hoje...? Caminhando um pouco mais, um prédio de granito esverdeado onde o Valente "aluno do Liceu" da família dos Natários e segundo a minha memória me diz, uma vez, candidato à presidência da Câmara Municipal, ia namorar "ele na rua, ela à janela". Depois um pequeno café (o Café do Rocha) e logo a seguir os "Samagaios" com a Senhora Margarida e a irmã sempre à janela, o irmão Zé Samagaio (pai), os filhos Augusto, o Toino (aluno do liceu) e a irmã. Havia um outro Samagaio (o Fernando) que tinha uma filha que casou com um sueco e por lá ficou. Nota curiosa: a esposa do F. Samagaio teve a sorte de ser contemplada com 200 contos na lotaria e na semana seguinte o marido com 1.000 (segundo constou), o que era uma quantia avultada para a época. Continuando a caminhar era a loja do Joaquim Claro (J. Charuto), como era conhecido. No primeiro andar morava o Dr. Carvalho e a família. Do outro lado da Calçada era o Quintal do Charuto .onde moravam os Pereiras e toda a família "Charuto". Linda propriedade mas que foi dada ao abandono. Do outro lado da estrada da Foz, era a oficina do Adelino Ferrador, que mais tarde se tornou no "Pinto das Bicicletas". Presentemente na esquina "sentido Lisbonense", o café do Amadeu Rosa que possivelmente trocou de nome Outra curiosidade, em frente à oficina dos Samagaios havia uma bomba de gasolina, talvez a mais antiga das Caldas. O Toino Samagaio como aluno do Liceu que apareça a dizer algo Joaquim
Artur Henrique Ribeiro Gonçalves comentou no Facebook:
Nunca apreciei muito particularmente a estátua estadonovista da rainha das caldas, Dona Leonor de Lancastre ou de Viseu ou de Avis, Infanta e Rainha de Portugal, criadora das misericórdias e do hospital termal da vila/cidade que passou a ser a sua, mecenas, princesa perfeitíssima, mulher do renascimento, inventora, sem o saber, da arte manuelina, que celebraria o nome do irmão e monarca afortunado, protetora de mestre Gil Vicente, a rainha velha dos autos, inflexível nas suas decisões, mão do infortunado príncipe D. Afonso e madrasta do infante bastardo D. Jorge. Ainda hoje há quem se pergunte se o marido e primo terá morrido de morte natural ou matada. Ainda hoje há quem se pergunte sobre o papel que a refugiada na Madre de Deus terá tido no desaparecimento do marido. Ainda hoje há quem se pergunte se alguma vez houve nestes reinos tornados república alguma governanta como ela...
Gosto de a ver representada em:
http://www.facebook.com/l/a1181OLujPBM7kHeYZYLNbn5zLw;upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/25/Rainha_D._Leonor_de_Aviz%2C_no_seu_brevi%C3%A1rio.jpg
e
http://www.facebook.com/l/a1181yaV385mTnNAetzSE95jqIQ;upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/7d/Rainha_D._Leonor_rezando_no_seu_Livro_de_Horas.jpg/200px-Rainha_D._Leonor_rezando_no_seu_Livro_de_Horas.jpg
Olá Isabel
Que maravilha de texto, adorei, realmente aqui aparecem muitos talentos. Escreve mais!
Bjs
PP
Cristina Ramos Horta comentou no Facebook:
Obrigada por me mostrarem esta foto. A nossa rainha representada de forma muito académica por Francisco Franco. Rigidez própria da época e também de qualquer regime, pois os regimes gostam do que se enquadra em parâmetros muito fixos e dentro da sua época. Maravilhosas obras ficaram fora de concursos, de qualquer tipo de aceitação, apenas por estarem fora do seu tempo.
Mas do que eu gosto, ainda mais do que a famosa rainha com quem quase todos os dias me cruzo, é da história/lembranças da Isabel no blog do EROS. Através dela conheci uma vivência que não vivi, mas da qual agora, também, de certo modo faço parte. Não tendo partilhado essas histórias gosto de fazer parte do vosso/nosso mundo e quando leio o que escrevem, sinto que de certo modo passei por aqui "naquele tempo". Porque as histórias da nossa juventude são todas únicas, mas contudo são tão parecidas.
Obrigada Isabel pela partilha. Um beijinho para ti e para os antigos alunos de uma "velha aluna" que entrou agora para os bancos do colégio.
Excelente texto. Continuo a gostar de janelas, ainda que não veja nem rainha nem rei!
Têm algo de mágico e romantico. Como o texto que acabei de ler.
Dalila Garcia
Belíssima, esta sua evocação, Isabel!
Perdeu-se, na verdade, este hábito antigo de falar à janela, como se perderam tantas outras coisas, que a Isabel agora resgata com a ternura da Saudade!>
Um beijinho
Pedro
A Janela da Rainha
Não vou comentar a janela da Isabel Xavier cujo texto é excelente e descritivo do Largo (embora da Rainha só possa descrever as costas) e arredores. Vou pegar na fotografia que nos mostra a pompa e circunstância das comemorações do 15 de Maio, dia da cidade.
Não faço ideia se esta mesma fotografia foi tirada no ano que, resumidamente, vou evocar mas as semelhanças com o que presenciei na altura e que difusamente me vêm á memória são espantosamente iguais.
Saímos da Escola em formatura, era eu na altura um imberbe Chefe de Quina Arvorado, e fomos alinhar com a formatura do RI5 e a formatura dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha. Depois destas hostes terem recebido a instrução sobre o papel de cada uma no desfile e das honras a prestar, não só á Rainha mas também aos ilustres “casacas” convidados para a homenagem, lá seguimos marchando com garbo e a altivez que o momento requeria: A Banda de musica do RI5 na frente tocando uma marcha marcial qualquer marcando o passo dos mancebos, Bombeiros e Mocidade.
Embora, tanto a Corporação de Bombeiros como o Corpo da Mocidade Portuguesa se tivessem apresentado com as suas respectivas caixas e clarins para marcarem o seu respectivo compasso, tanto estes como aqueles foram proibidos de tocar ficando a cadência entregue apenas á Banda do RI5. Disseram eles, os mandantes da altura, que era para não haver confusão com a mistura de toques.
Acontece que a Mocidade encerrava o desfile, a vários metros de distância da Banda e o som chegava-nos difuso, baralhado e com eco, o que nos obrigava a, constantemente trocar o passo, na vã tentativa de acompanhar a cadência.
Ao longo da rua, desde a Escola, passando pela Praça de Touros, topo da Rua das Montras e descer até ao Largo assistimos a uma mixórdia de desfile de passos trocados que faria corar o mais bem intencionado. A coisa só melhorou quando o Comandante de Grupo deu ordem aos Comandantes de Castelo para darem vozes de cadência… 1, 2, 1, 2… e aí as coisas entraram nos eixos.
Formados no Largo da Rainha (que afinal é o Largo Conde de Fontalva se bem me apercebi agora) ficamos á espera que as celebrações começassem.
Só que neste tipo de eventos “os cães grandes”, nome que dávamos aos senhores de “casaca”, nunca chegam a horas e o tempo, longo tempo, de espera fez-nos soar “as estopinhas” provocando o mau estar, dores de pernas e insolações inerentes.
Por fim lá chegou o Almirante, sem barco, e ouviu-se o cornetim do RI5 a tocar o “firme”, “sentido”, “abrir fileiras”, “continência”, os Chefes e Comandantes saberiam este ritual, agora os jovens mancebos da hoste, de calções caqui e camisa verde com quinas ao peito não percebiam “patavina” do significado dos toques e foi a atrapalhação, bem disfarçada por sinal através das ordens de viva voz dos Comandantes.
Revista “ás tropas em parada”, o Hino Nacional “a Portuguesa” tocado pela Banda e logo de seguida aguentámos estoicamente os discursos, a deposição das coroas e das flores aos pés da Rainha e o regresso, nós á Escola, os Bombeiros ao seu Quartel no final da Av. da Estação e os militares ao RI5.
Foi giro… tão giro que nos anos seguintes me esqueci de ir.
Um abraço
A.Justiça
A Janela da Rainha
Não vou comentar a janela da Isabel Xavier cujo texto é excelente e descritivo do Largo (embora da Rainha só possa descrever as costas) e arredores. Vou pegar na fotografia que nos mostra a pompa e circunstância das comemorações do 15 de Maio, dia da cidade.
Não faço ideia se esta mesma fotografia foi tirada no ano que, resumidamente, vou evocar mas as semelhanças com o que presenciei na altura e que difusamente me vêm á memória são espantosamente iguais.
Saímos da Escola em formatura, era eu na altura um imberbe Chefe de Quina Arvorado, e fomos alinhar com a formatura do RI5 e a formatura dos Bombeiros Voluntários das Caldas da Rainha. Depois destas hostes terem recebido a instrução sobre o papel de cada uma no desfile e das honras a prestar, não só á Rainha mas também aos ilustres “casacas” convidados para a homenagem, lá seguimos marchando com garbo e a altivez que o momento requeria: A Banda de musica do RI5 na frente tocando uma marcha marcial qualquer marcando o passo dos mancebos, Bombeiros e Mocidade.
Embora, tanto a Corporação de Bombeiros como o Corpo da Mocidade Portuguesa se tivessem apresentado com as suas respectivas caixas e clarins para marcarem o seu respectivo compasso, tanto estes como aqueles foram proibidos de tocar ficando a cadência entregue apenas á Banda do RI5. Disseram eles, os mandantes da altura, que era para não haver confusão com a mistura de toques.
Acontece que a Mocidade encerrava o desfile, a vários metros de distância da Banda e o som chegava-nos difuso, baralhado e com eco, o que nos obrigava a, constantemente trocar o passo, na vã tentativa de acompanhar a cadência.
Ao longo da rua, desde a Escola, passando pela Praça de Touros, topo da Rua das Montras e descer até ao Largo assistimos a uma mixórdia de desfile de passos trocados que faria corar o mais bem intencionado. A coisa só melhorou quando o Comandante de Grupo deu ordem aos Comandantes de Castelo para darem vozes de cadência… 1, 2, 1, 2… e aí as coisas entraram nos eixos.
Formados no Largo da Rainha (que afinal é o Largo Conde de Fontalva se bem me apercebi agora) ficamos á espera que as celebrações começassem.
Só que neste tipo de eventos “os cães grandes”, nome que dávamos aos senhores de “casaca”, nunca chegam a horas e o tempo, longo tempo, de espera fez-nos soar “as estopinhas” provocando o mau estar, dores de pernas e insolações inerentes.
Por fim lá chegou o Almirante, sem barco, e ouviu-se o cornetim do RI5 a tocar o “firme”, “sentido”, “abrir fileiras”, “continência”, os Chefes e Comandantes saberiam este ritual, agora os jovens mancebos da hoste, de calções caqui e camisa verde com quinas ao peito não percebiam “patavina” do significado dos toques e foi a atrapalhação, bem disfarçada por sinal através das ordens de viva voz dos Comandantes.
Revista “ás tropas em parada”, o Hino Nacional “a Portuguesa” tocado pela Banda e logo de seguida aguentámos estoicamente os discursos, a deposição das coroas e das flores aos pés da Rainha e o regresso, nós á Escola, os Bombeiros ao seu Quartel no final da Av. da Estação e os militares ao RI5.
Foi giro… tão giro que nos anos seguintes me esqueci de ir.
Um abraço
A.Justiça
Um texto muito bem escrito,muito agradável de ler, coisa aliás a que a Isabel já nos vem habituando... muitos parabéns e um beijinho.
Júlia R
Adorei a leitura Isabel!
Também eu, me revejo numa janela da Rainha...
A casa das minhas Avós, Nia e São... e numa infância cheia de coisas boas.
O Quintal, com vista para a Rainha, os quinzes de Maio...claro! A ladeira, e as janelas...
A da "casa da costura", da qual guardo memórias únicas, os primos, a infância, os Verões intermináveis e o cheiro dos bolos da Avó São.
Mas a "minha" janela...era a outra a seguir... a do quarto da minha Avó Nia!. Ir dormir a casa da Avó era a melhor das experiencias... o travesseiro a a almofada, o cheiro dos lençóis brancos e o barulho dos carros a passar mesmo ali ao lado...
Obrigada pela sua partilha, realmente os afectos que nos ligam a cada local desta cidade são comuns à nossa condição de Caldenses, que bom manter estas memórias tão vivas.
Ana Azevedo Coelho
Gostei muito do texto da Isabel nas referências à função das janelas no «dantes», e não pude deixar de sorrir com o ritual do namoro «de estaca» ou «de gargarejo», nas costas da Rainha, que mesmo passando do segundo para o primeiro andar teria ainda de obrigar a códigos de comunicação não-verbal. São apontamentos curiosos evocando a tradição feminina de espera e de reserva dentro do espaço doméstico, característico da burguesia urbana do Portugal dos «brandos costumes».
Mas a Isabel só não nos diz como era quando chovia. O namoro era interrompido, o enamorado (com torcicolo crónico...) aguentava ainda à janela estoicamente ensopadinho, correndo o risco de apanhar gripes e constipações ou passava-se só à troca de cartas «em papel perfumado»?
Também fui testemunha, nos meus tempos de «menina e moça», de namoros de janela. Só que as burguesinhas «do catolicismo» (como lhes chama Cesário) e os «burguesinhos» de uma vila pequena como a minha tinham mais sorte: nas moradias unifamiliares, a janela era no rés-do-chão, o que dispensava o recurso a técnicas sofisticadas de sinais e de alfabetos de gestos e permitia «outros abusos». E, neste campo, o meio rural ainda tinha mais sorte, com as idas à fonte e as desfolhadas nas eiras.
Sobre o título do «post», não tenho muito a dizer: no meu tempo de ave que arribou às Caldas e que depois migrou para outras paragens, nunca pude estar «à janela da Rainha», porque a minha janela, na rua da Alegria, dava para o comboio…. Mas lembro-me ainda de que Sua Majestade, apesar de me virar as costas quando eu saía da cidade, parecia acolher-me bem no regresso ao burgo.
Obrigava, Isabel, por este texto. Talvez não o tenha comentado como gostarias, mas… não podes esperar muito da escrita da pessoa «um tanto esgrouviada», que tens na memória…
Um beijinho e até breve,
Júlia Ferreira
Apesar de ser apenas filho adoptivo das Caldas não deixei de vibrar com este comentário da minha amiga Isabel pelo que tem de autenticidade e poesia. Os namoros de janela fazem parte também do meu imaginário juvenil e tornei a revivê-los. Brilhante!
COMENTÁRIO FINAL (Isabel Xavier)
É interessante notar o que os outros sentem após o que nós sentimos e dizemos. Várias reacções neste blogue me têm interpelado de modo diverso.
Pessoas que não conheço, mas que passei a conhecer, que reagiram ao que escrevi sobre a janela que de minha casa dava para a rainha. Nunca pensei nisso como um privilégio, apenas como uma condição. O que é maravilhoso é ver como o que escrevi, quase por brincadeira, teve tantas e tão belas reacções.
Desde logo a minha querida nórinha, a quem amo de paixão, Patrícia Baptista, assim mesmo, à moda antiga, adquirindo o nome do marido, meu querido filho Francisco.
Depois os meus amigos que nunca tinham vindo a este blogue e que provavelmente não voltarão: Nuno Valadas; Pedro Sinde; Pedro Martins; Ana Saudade e Silva; incondicionais... sempre... como sempre é a amizade verdadeira.
Ainda os "priminhos" mais novos, a Ana Azevedo Coelho e o Paulo Caiado, de cujos depoimentos tanto gostei, tão genuínos, tão sinceros...
O João (Serra) explicando aquilo que eu não vira no que fiz. Aquele amigo especial de quem sempre se esperam as palavras mais sábias, aquelas de onde nunca nos virá mal, só bem, porque só bem lhes é possível...
O Dr. Serafim, muito lá de casa... que me comoveu como mais ninguém. Testemunha da pessoa afortunada que sou por ser filha dos meus pais, neta dos meus avós e irmã dos meus irmãos (cinco e não quatro: falta o Tozé, mano mais novo, Benjamim, muito querido).
A Dra. Júlia, que tão bem me compreendeu, que fez ironia com a expressão "esgrouviada", forma que eu achei de a distinguir, com enorme ternura, do cinzentismo imperante no ERO de quando lá foi professora.
Os habituais, e por isso mesmo fundamentais, comentaristas do ERO, Dalila, Paulinha Pardal, Guida Sousa, Júlinha Ribeiro, etc., etc., que me "mimaram" com as suas palavras de incentivo, que tanto agradeço.
O João Ramos Franco, que considero uma das "oportunidades perdidas" por não o ter visto passar na Rainha, a quem tanto estimo.
E todos os outros, todos os outros que distinguiram com as suas palavras amigas, meigas, aquilo que escrevi como uma homenagem aos meus pais e à minha cidade.
O Joaquim, que sabe melhor do que eu quem vivia no Largo (só se enganou no nome da rua do meio: não é "Almirante Reis" mas "General Queirós". Almirante Reis é a Rua das Montras).
O JJ, a quem presto a minha humilde homenagem, tanto mais que julgo ser a primeira vez que não se sentiu na obrigação de comentar o post, o que muito me honra (!!!). Quanto ao resto - que é muito podem crer - foi incansável.
O Artur, que se lembra do Ramalho Ortigão do prédio dos Crespos (eu não) e que tão bem escreve sobre isso.
O Alfredo, cujo testemunho repôs aqui a "Mocidade Portuguesa" a que nunca pertenci e de que já não me lembro nas Festas do 15 de Maio.
O Luís Machado com saudades do "Much": eu também. Outra faceta muito peculiar da casa onde cresci.
A Cristina Horta com as suas pertinentes explicações sobre o monumento à rainha e a sua calorosa "adesão" ao ERO.
A todos, todos, agradeço.
- Isabel Xavier -
COMENTÁRIO FINAL (Isabel Xavier)
É interessante notar o que os outros sentem após o que nós sentimos e dizemos. Várias reacções neste blogue me têm interpelado de modo diverso.
Pessoas que não conheço, mas que passei a conhecer, que reagiram ao que escrevi sobre a janela que de minha casa dava para a rainha. Nunca pensei nisso como um privilégio, apenas como uma condição. O que é maravilhoso é ver como o que escrevi, quase por brincadeira, teve tantas e tão belas reacções.
Desde logo a minha querida nórinha, a quem amo de paixão, Patrícia Baptista, assim mesmo, à moda antiga, adquirindo o nome do marido, meu querido filho Francisco.
Depois os meus amigos que nunca tinham vindo a este blogue e que provavelmente não voltarão: Nuno Valadas; Pedro Sinde; Pedro Martins; Ana Saudade e Silva; incondicionais... sempre... como sempre é a amizade verdadeira.
Ainda os "priminhos" mais novos, a Ana Azevedo Coelho e o Paulo Caiado, de cujos depoimentos tanto gostei, tão genuínos, tão sinceros...
O João (Serra) explicando aquilo que eu não vira no que fiz. Aquele amigo especial de quem sempre se esperam as palavras mais sábias, aquelas de onde nunca nos virá mal, só bem, porque só bem lhes é possível...
O Dr. Serafim, muito lá de casa... que me comoveu como mais ninguém. Testemunha da pessoa afortunada que sou por ser filha dos meus pais, neta dos meus avós e irmã dos meus irmãos (cinco e não quatro: falta o Tozé, mano mais novo, Benjamim, muito querido).
A Dra. Júlia, que tão bem me compreendeu, que fez ironia com a expressão "esgrouviada", forma que eu achei de a distinguir, com enorme ternura, do cinzentismo imperante no ERO de quando lá foi professora.
Os habituais, e por isso mesmo fundamentais, comentaristas do ERO, Dalila, Paulinha Pardal, Guida Sousa, Júlinha Ribeiro, etc., etc., que me "mimaram" com as suas palavras de incentivo, que tanto agradeço.
O João Ramos Franco, que considero uma das "oportunidades perdidas" por não o ter visto passar na Rainha, a quem tanto estimo.
E todos os outros, todos os outros que distinguiram com as suas palavras amigas, meigas, aquilo que escrevi como uma homenagem aos meus pais e à minha cidade.
O Joaquim, que sabe melhor do que eu quem vivia no Largo (só se enganou no nome da rua do meio: não é "Almirante Reis" mas "General Queirós". Almirante Reis é a Rua das Montras).
O JJ, a quem presto a minha humilde homenagem, tanto mais que julgo ser a primeira vez que não se sentiu na obrigação de comentar o post, o que muito me honra (!!!). Quanto ao resto - que é muito podem crer - foi incansável.
O Artur, que se lembra do Ramalho Ortigão do prédio dos Crespos (eu não) e que tão bem escreve sobre isso.
O Alfredo, cujo testemunho repôs aqui a "Mocidade Portuguesa" a que nunca pertenci e de que já não me lembro nas Festas do 15 de Maio.
O Luís Machado com saudades do "Much": eu também. Outra faceta muito peculiar da casa onde cresci.
A Cristina Horta com as suas pertinentes explicações sobre o monumento à rainha e a sua calorosa "adesão" ao ERO.
A todos, todos, agradeço.
- Isabel Xavier -
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