ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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A PERSPECTIVA CALDENSE DA "INVASÃO DOS REFUGIADOS"

“Comparada com as outras cidades da Estremadura as Caldas tinham uma vida trepidante”, foi com esta frase que o Sr. Fernando Vale me quis mostrar como era diferente viver aqui. Depois de consultar o que os historiadores disseram a propósito da passagem/estadia dos refugiados judeus nas Caldas da Rainha durante a 2ª Guerra Mundial achei que era tempo de dar voz a algumas testemunhas desse tempo, e também a alguns colegas mais novos que me transmitiram as suas opiniões, resultantes do testemunho de familiares e de alguma reflexão pessoal sobre as especificidades da vida nas Caldas nas décadas de 50 e 60.
É consensual que a nossa cidade teve entre os anos de 1940 e 1970 uma forma de viver e conviver socialmente muito diferente das suas vizinhas Leiria, Alcobaça, Santarém e Torres Vedras, por exemplo. Não só a presença das mulheres nas ruas, cafés, esplanadas, parque, enfim em todos os locais públicos, era muito mais evidente do que nessas localidades, como a vida social era mais aberta aos outros e acontecia no exterior. Lembro-me da minha Mãe, que era do Porto, estranhar o pouco que se recebia em casa nas Caldas, ao contrário do que estava habituada no Norte. O facto é que sempre me habituei a levar muitos amigos e colegas para almoçar e jantar em minha casa, o mesmo fazendo os meus Pais, mas sempre com pouca reciprocidade. Todo o convívio se passava nos restaurantes, no Clube de Recreio (vulgarmente Casino), hotéis com restauração, etc.. Já na altura nos era explicado, por alguns amigos da família, que eram hábitos de recepção introduzidos por veraneantes e refugiados que não tinham condições para “receber em casa”, como a minha Mãe estava habituada. Significativo ou não, era um facto.
Muitos testemunhos relatam estas especificidades.
“…só mais tarde me apercebi (16/17/18...) que havia alguma diferença entre as vivências Caldenses e das outras terras num raio de alguns km, Leiria incluída.”(AJFL)
“Tão diferente, que bastava sairmos do eixo Cascais/Lisboa e entrarmos no país profundo (que começava onde Lisboa acabava), para percebermos que as Caldas pertencia a um Portugal alternativo: conservador q.b., mas em que as mulheres fumavam em público e iam sozinhas aos cafés, em que o modo de vestir, se diferente, era criticado mas tolerado com benevolência, em que o CCC teve profunda influência, que não ficou restrita a meia dúzia. Mais importante, em que o CCC e o Casino não eram incompatíveis nem se hostilizavam, embora fizessem de conta. Afinal, muitas das pessoas eram as mesmas...” (FJS)
“…a maneira como se convivia, o Casino, os grupos da Zaira, era diferente da mentalidade que havia na altura no nosso País. Caldas era uma cidade muito "aberta " para a época, e eu sei do que estou a falar, vim de Moura, em pleno Alentejo, quando cheguei às Caldas nem queria acreditar!”(PP).
“As minhas recordações dos anos 50 (segunda metade) e 60, em que vivi nas Caldas, tinham algumas componentes intrigantes pois não se enquadravam nos padrões desse tempo, da cidade e do país. A explicação surgiu mais tarde e atribuo-a à influência da passagem dos refugiados pelas Caldas aliada (em alguns casos) às tradições termais.” (JMAS)
Mas que as Caldas eram diferentes nessa época não divide opiniões pelo que, embora agradecendo todas as contribuições, me limito a estas. A questão é porquê, e aqui não há unanimidade. A estadia dos refugiados em 40/45 tem um impacto decisivo ou é apenas mais um factor a adicionar a outros? Esse foi um momento de corte, alteração ou houve uma evolução gradual? Os testemunhos orais que ouvi (identificados no final) foram absolutamente unânimes em considerar que até ao Verão de 1940 as Caldas, embora “mais animadas no Verão, não eram muito diferentes de Leiria ou Santarém”, “quem saía eram os homens, as mulheres ficavam em casa” ou “elas lá iam de vez em quando ao Concurso Hípico ou ao Parque e raramente a bailes, festas, jantares, onde os maridos se divertiam.” Embora a fotografia de um encontro em S. Martinho aqui publicada há dias pareça retratar algo semelhante em 1962, a verdade é que os testemunhos apontam no sentido de uma alteração a partir de 40/45. Uma das explicações para a rapidez com que os novos hábitos foram assimilados foi o facto de os refugiados serem muitos e manterem uma relação de proximidade com todos os habitantes, natural em quem estava emocionalmente fragilizado.
“… senhoras nos cafés, um cigarro a medo, maneira de estar mais aberta, um convívio diferente, etc. O facto é que as Caldas ficou diferente da restante província circundante.” (AJFL)
“Pela 1ª vez viu-se, na província, as mulheres a fumar nos café, que frequentavam, a usar calças e a jogar ténis. Fatos de banho sem serem saias ou vestidos que as fotos do séc. XIX mostravam, enfim um sem número de pormenores e de regras às quais nos fomos habituando e que eram a vanguarda da moda nesse tempo no País e no mundo.”
(JCN).
Os fatos de banho que se usavam na praia eram efectivamente como o Zé Carlos descreve, mesmo os dos homens tinham peitilho! Foram os refugiados que alteraram isto, junto fotografia (colecção FV) que mostra os fatos de banho “escandalosos” usados por três refugiadas na Foz do Arelho.
“Em termos ideológicos, os refugiados foram actores perfeitamente subversivos, que induziram sementes de democracia pelo simples facto de esse ser para eles um modo natural de viver em sociedade. (…) Por outro lado, e talvez tenha sido esse o maior legado que nos deixaram, sabíamos que o mundo não acabava aqui, que existia mais vida para além do nosso Portugal dos pequeninos.” (FJS)
“Até à chegada dos refugiados o ténis era um desporto de elites, foi com eles que muitos caldenses como eu começaram a jogar. Até aí toda a gente associava o ténis ao Rei D. Carlos…”(FV) “Sei pouco da história desportiva das Caldas (até neste tema o Bonifácio deve ser imbatível), mas nos anos 60 o ténis não estava muito difundido em Portugal e, em termos de «província» (isto é, fora de Lisboa, Estoril/Cascais e Porto/Foz), as Caldas constituíam um pólo relevante (no verão) com bons courts, bons praticantes e torneios em que participavam os melhores jogadores nacionais.” (JMAS)
Só um dos testemunhos não tem uma visão de uma alteração tão brusca e recorda outras influências, mas mesmo assim realça o período referido:
“Quero com isto dizer que me lembro de muitos comentários sobre a grande tragédia para as Caldas que era a guerra civil em Espanha. Na altura não entendi, claro, mas compreendi depois que o turismo termal e de praia aqui do burgo vivia nessa altura em boa parte dos espanhóis. Muita gente alugava as suas residências no verão mudando-se para os sótãos ou habitações menores para alugar as suas casas mobiladas.
Claro que a guerra civil acabou com o nosso turismo espanhol, e marcou o início do fim dos vários hotéis então existentes nas Caldas. (…) Sem dúvida que essa periódica invasão pacífica espanhola teve alguma influência na nossa vida de pequena e pacata cidade. Eu ainda me lembro de críticas, embora envoltas na bruma dos anos, sobre a maneira de vestir, comportamentos etc. Ora acontece que os mais velhos criticam e os mais novos imitam, ou pelo menos adaptam ou tentam imitar.
(…) Influência dos refugiados, eu creio que houve e bastante. As críticas dos mais idosos foram dessa vez muito mais duras, porque as diferenças entre os que chegavam e os que estavam eram maiores. (…) Mas houve mudanças (...) , o facto é que Caldas ficou diferente da restante província circundante. Claro que houve colegas estrangeiros, lembro-me de dois a Elga e o Fernand. E no campo do desporto houve vários, o Clavari com o boxe, o Papa Urso com a ginástica (no Montepio), houve influência no ténis, etc. Houve quem casasse e ficasse e houve quem casasse e partisse. Permito-me citar a esposa do Dr. Costa e Silva e a “ Madame” Albuquerque, mais tarde professora universitária”.
(AJFL) Mesmo o autor destas linhas concorda que é em 40/45 que tudo se altera, reparem no “As críticas dos mais idosos foram dessa vez muito mais duras, porque as diferenças entre os que chegavam e os que estavam eram maiores.” Efectivamente as pacatas e conservadoras famílias espanholas que vinham a banhos para as Termas não tinham certamente hábitos nem valores muito diferentes dos locais.
“Mesmo depois da partida das refugiadas, as mulheres caldenses não ficaram em casa, já estavam habituadas a sair, fumar, frequentar locais públicos, não iam voltar para trás”(FV) são palavras que resumem bem as opiniões que ouvi. O filho de um vendedor (“viajante de tecidos”) confidenciou-me que “o meu Pai ficava mais tempo nas Caldas do que em qualquer outro local que visitava nos anos 50 porque a todas as horas havia muitas e bonitas mulheres na rua, não porque fizesse aqui mais negócio!”.
“As mulheres antes de 1940 não iam sozinhas nem às compras e passaram a ir a todo a lado e a encontrarem-se em público. Passaram também a usar sapatos mais altos, com “cunhas” de cortiça, saias mais curtas e leves, calças, fatos de banho sem saiotes, nada disto retrocedeu depois da saída dos refugiados, eram hábitos adquiridos. As Caldas eram conhecidas como a República das Mulheres!”(DªA). A acreditar em todos estes testemunhos as mudanças são, nestes aspectos, rápidas e duradouras.
Voltaremos seguramente a este tema, tão influente no ambiente em que vivemos e fomos educados entre 1945 e 1973 . Sei que há mais testemunhos e opiniões, ainda ontem o João Miguel me anunciava um depoimento de um colega, César Santos Gomes, que esteve presente no encontro de dia 17. Ficamos à espera.
Ficamos sempre a saber mais do que o que perguntamos, por exemplo que a esplanada do Parque era mais próxima do Casino, logo a seguir ao 1º portão de entrada e não ao 2º, que os cafés mais populares eram o Central, o Bocage e o Invicta (conhecido pelo “café do Saraiva”), e os refugiados e os seus amigos caldenses frequentavam muito os Olhos Pretos, posteriormente residencial mas na altura uma taberna onde até se cantava o fado.
Não cheguei a grandes conclusões sobre a relação entre a partida dos refugiados e a decadência do parque hoteleiro caldense, embora houvesse referências:
“A chegada dos refugiados veio trazer algum alento aos nossos hotéis permitindo-lhes sobreviver mais uns anos, poucos e sem grande brilho, pois não há um único sobrevivente há muito tempo.”(AJFL)
“Na ocasião os melhores hotéis em funcionamento eram o Rosa e o Central que tinham um ar muito acanhado e decrépito em contraste os Hotéis Lisbonense e da Copa (ficava na R. Miguel Bombarda, no quarteirão que antecede a R. das «Montras») cujas instalações abandonadas ainda aparentavam sinais de uma grande sumptuosidade passada (conheci os salões do Lisbonense em reuniões da comunidade católica e o Hotel da Copa por nele ter tido catequese! pois os quartos, já sem mobílias mas com casas de banho de imensas banheiras, comportavam folgadamente os conjuntos de catequistas e catequizados).” (JMAS)

Citei opiniões e depoimentos, escritos e orais, de Fernando Venda (FV), Dª. Anita (Dª A), António José Figueiredo Lopes (AJFL), José Carlos Nogueira (JCN), João Miguel Azevedo Santos (JMAS), Fernando Jorge Sousa (FJS), Paulinha Pardal (PP). Agradeço ainda a colaboração dos meus amigos Zeca Mesquita e Zita Sotto Mayor (alguém a reconheceu na foto acima?), cujas impressões e opiniões foram preciosas.

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