ALMOÇO / CONVÍVIO

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Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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-As “Parrequinhas” das Tranças -

por Isabel Xavier




No ano em que a D. Clarisse veio dar aulas para o colégio (1967/1968), vinda de Óbidos, já reformada da Escola Pública, leccionou as turmas da segunda e da quarta classe. Nesta última, a que eu pertencia, havia cinco meninas: três usávamos os cabelos muito compridos, eu, a Célia e a Ana Sofia; duas tinham cabelo curto, a Natércia Monteiro e a Paula Lopes.

Os nossos longos cabelos eram alvo de particular atenção por parte da professora: puxava por eles quando se arreliava connosco, arreliava-se connosco quando mexíamos nos cabelos, impedia-nos de tirar e voltar a colocar a fita que os segurava, ralhava-nos por termos a fita mal posta. Até que um dia nos revelou que, noutros tempos, as meninas que tinham os cabelos compridos não eram umas desgrenhadas como nós, que era possível ver-se-lhes os respectivos rostos, ao contrário do que sucedia connosco, porque… usavam tranças! Estava achada a solução de tão magno problema!

Uma das recordações mais marcantes que até hoje guardo dos tempos em que fui aluna do colégio é a de ter usado tranças durante esse ano lectivo. Aliás, usávamos as três, por ideia da Célia, a que aderimos com enorme relutância, mas ainda maior vontade de agradarmos à D. Clarisse.


Passámos a ser as “parrequinhas” das tranças, pelo menos era assim que nos sentíamos; passámos a ser muito unidas, nenhuma de nós se sujeitava a andar sozinha de tranças; passámos a conhecer o desconforto que resulta de uma situação ambígua e a dupla personalidade necessária à sustentação do nosso recém-adquirido estatuto. Enquanto estávamos nas aulas, muito ufanas e muito elogiadas pelas nossas tranças, durante os intervalos, envergonhadas e gozadas devido às mesmas tranças.

Os trajectos casa-escola, escola-casa, só não eram tão humilhantes para mim como para as minhas colegas porque os fazia na carrinha, que me transportava da porta do colégio à porta de casa. Em casa desfazia imediatamente as tranças, mas nem por isso o meu tormento terminava: é que ficava com o meu (outrora) liso cabelo, transformado num “mar” de ondas que eu detestava, que a minha mãe se esforçava por me convencer que eram muito bonitas e que os meus irmãos se encarregavam de me lembrar que eram, de facto, horríveis. Por mim lavaria o cabelo todos os dias, mas não me deixavam fazê-lo! Salvavam-se os fins-de-semana porque lavava o cabelo e o alisava o mais que podia.

Quanto às meninas de cabelo curto, passaram a ser preteridas, por razões óbvias - não usavam tranças – e, no caso da Paula porque escrevia com erros ortográficos; quanto à Natércia, foi a maior vítima de toda a classe. Sendo ela canhota assumida e nunca contrariada, a D. Clarisse obrigou-a a passar a escrever com a mão direita já na quarta classe. Muito sofreu aquela rapariga!

O lado bom de tudo isto é que todos aprendemos muito e ficámos muito bem preparados em todas as matérias. Outro aspecto a realçar é que os colegas mais velhos que haviam sido alunos da D. Clarisse, em Óbidos, iam sempre visitá-la às nossas aulas, ainda tirando dúvidas com a “antiga” professora e mostrando-lhe os pontos e as notas das várias disciplinas. Entre eles, lembro-me da Filipa Ribeiro e do Álvaro, salvo erro.


Quem também lá aparecia todos os dias e todos os dias tropeçava no estrado, era o neto, menino muito querido de sua avó. Para meu grande espanto, a D. Clarisse apresentava-o sempre como um exemplo a seguir, ideia nada consentânea com o que eu julgava, então, ser exemplar. Eu já conhecia o Zé Carlos Faria de minha casa porque ele era colega do meu irmão Mário e, mais tarde, também da Helena.


Quem me havia de dizer que a vida se encarregaria de dar razão à D. Clarisse! Hoje não tenho a menor dúvida de que o Zé, pela Bondade, pelo Desprendimento e pelo Talento é, de facto, e isto sem a mínima ironia, uma Pessoa Exemplar!


- Isabel Xavier -
Fotografia: D. Clarisse e Zé Carlos Faria, 7 de Julho de 1957.
Uma música para a Isabel :


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C O M E N T Á R I O S
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João Jales disse:
Façam como eu, leiam sempre duas vezes os textos da Isabel, porque debaixo da aparente candura destas narrativas há uma muito pessoal ironia que merece ser apreciada.
A linda-menina-da-sra.-professora não é, às vezes (muitas vezes?), uma tão linda-menina-da-sra.-professora como parece (ou faz parecer)…
Se não fui claro, isto é um rasgado elogio a um excelente, e oportuno, texto. JJ
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Carlos disse:
Não fui aluno da D. Clarisse mas isso não me impede de apreciar este excelente exercício sobre a sra. professora. Dizem-me agora que a Isabel é já uma escritora reconhecida, mas eu só conheci o que escreveu a propósito de S. Martinho aqui no blogue.
Pobre Natércia Monteiro, se foi obrigada a mudar a mão com que escrevia na 4ª Classe! Era a irmã da Amélia e do Tó Zé? Carlos
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Isabel X disse:
Não sei quem é o Carlos, mas posso confirmar que a Natércia era e é irmã da Amélia, do Tozé, e tem ainda um irmão mais novo que, salvo erro, se chama Paulo. A última vez que estive com ela, estava cá em férias, vinda do Chipre, onde vivia com as filhas e o marido, cipriota. Mas sobre isso a Mélita pode informar-nos melhor. Obrigada, mas estou longe de ser uma escritora reconhecida, nem faço muita questão nisso. Abraço. - Isabel Xavier -
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NOTA:
Ultimamente têm surgido alguns comentários de identidades registadas no Blogger mas que eu não conheço (ou não reconheço). Queria pedir que, sempre que possível, os comentadores assinem com o primeiro e último nome, independentemente da "identidade" que usem. JJ
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Júlia R disse.
Quando vi esta fotografia, e após ler o texto da Isabel Xavier, não resisti a escrever mais umas linhas.
Que linda fotografia! Reconheci logo o Zé Carlos, pois lembro-me dele desde que nasceu, acho, e esta foto está "UMA TERNURA".......AVÓ e NETO irradiando felicidade! O artigo da Isabel está muito engraçado e, para quem conheceu a D. Clarisse, retrata uma parte do seu carácter.
Esclareço que era a Filipa (minha irmã) e o Álvaro foram também seus alunos.O meu pai estava muito preocupado porque a mlnha irmã, antes de entrar na primária, não sabia contar até cinco e a D. Clarisse brincava com a situação. Para quem os conheceu no Colégio, esta é mais uma prova da extraordinária professora que foi.
Só mais uma frase da minha tia, hoje com quase 74 anos - quando lhe telefonei a confirmar se tinha sido sua aluna disse-me "foi minha professora da 1ª à 4ª classe (de 1942 a 1946), dava muitas reguadas mas era uma óptima professora......e uma excelente pessoa".
Parabéns Isabel e desculpem se estou a massacrar-vos , mas recordo a D. Clarisse com muito AMOR e CARINHO.Júila R
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Isabel Esse disse:
Sempre ouvi dizer que a D Clarisse era uma professora severa,embora ela só tenha dado aulas no E.r.O. depois de reformada.A história da Isabel mostra-nos isso mesmo.
Está muito bem escrita, adorei ler.Um senão:o Zé Carlos de que me lembro não gostava de ser...uma Pessoa Exemplar!
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Isabel Knaff disse:
Foi com muito gosto que acabei de ler, pela segunda vez, o texto da Isabel Xavier ! Recordou-me destes métodos educacionais que faziam parte da época.. episódios por vezes muito marcantes . Achei curioso "a situação ambígua e a dupla personalidade necessária a sustentação do nosso-adquirido estatuto..." curioso porque ao longo da vida esta "necessidade" repete-se e vai operar em muitas outras diferentes situações.
Nunca tive a D. Clarisse como professora (o meu irmão teve!) mas pelo que ouço dela leva-me a pensar que devia ser uma pessoa com grande conhecimento da vida. Concordo com a Isabel e mais uma vez a Razão está do lado da D. Clarisse...nao só no caso do "neto" como nos conhecimentos práticos que transmitiu e que iam além dos ensinamentos escolares.
Um beijinho, Isabel
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São Caixinha disse:
Que interessante estória a da Isabel Xavier sobre uma, na verdade aparentemente simples, questão de penteados. Como não tive a D. Clarisse como professora nem a oportunidade de a conhecer pessoalmente não quero de forma nenhuma pôr em dúvida as palavras de louvor que sobre ela aqui têm sido escritas. Contudo tenho que admitir que tenho enorme dificuldade em aceitar estes métodos de ensino como razoavéis, mesmo tendo em consideração "os tempos a que pertenciam", e já agora, talvez apenas por motivos pessoais que não cabem no espaço deste comentário!
Compreendo a relutância da autora sobre a dificuldade da escolha a que se viu sujeita, e acho o facto de ter cedido à influência da professora, em função do seu próprio interesse, uma atitude muito adulta. Por outro lado teria sido igualmente nobre, o insistir permanecer fiel a si própria! Faz-me lembrar Hamlet ..."To be,or not to be: that is the question". A iniciação das crianças em ambiguas situações, por parte da professora, se assim se quiser interpretar, é na minha opinião muito discutível!A fotografia com o seu neto capta um agradável momento de genuína felicidade!
Parabéns à Isabel Xavier pelo excelente texto! São Caixinha
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João Serra disse:
Segui o conselho do João Jales e adoptei a prática da Isabel Knaff: li duas vezes o conto sobre "As parrequinhas das tranças". Na primeira, absorvi a variada informação sobre a professora Clarisse, os seus métodos e práticas pedagógicas, os seus gostos, relações e traços do ambiente em que se movia.Na segunda, fui atraído pela(s) personalidade(s) da autora. Também aqui há muita e diversificada informação. Não acham que a personalidade da menina de tranças - que foi quem assinou este texto - deixou à mostra também, aqui e ali, a personaidade da menina de cabelos lisos e compridos?João Serra

3 comentários:

Guida Sousa disse...

Não fui aluno da D. Clarisse mas isso não me impede de apreciar este excelente exercício sobre a sra. professora. Dizem-me agora que a Isabel é já uma escritora reconhecida, mas eu só conheci o que escreveu a propósito de S. Martinho aqui no blogue.
Pobre Natércia Monteiro, se foi obrigada a mudar a mão com que escrevia na 4ª Classe! Era a irmã da Amélia e do Tó Zé?
Carlos

Anónimo disse...

Não sei quem é o Carlos, mas posso confirmar que a Natércia era e é irmã da Amélia, do Tozé, e tem ainda um irmão mais novo que, salvo erro, se chama Paulo. A última vez que estive com ela, estava cá em férias, vinda do Chipre, onde vivia com as filhas e o marido, cipriota. Mas sobre isso a Mélita pode informar-nos melhor. Obrigada, mas estou longe de ser uma escritora reconhecida, nem faço muita questão nisso. Abraço.
- Isabel xavier -

Isabel Esse disse...

Sempre ouvi dizer que a D Clarisse era uma professora severa, embora ela só tenha dado aulas no E.r.O. depois de reformada. A história da Isabel mostra-nos isso mesmo.
Está muito bem escrita, adorei ler.
Um senão:o Zé Carlos de que me lembro não gostava de ser ... uma Pessoa Exemplar!