Iniciei as aulas no Externato Ramalho Ortigão no dia 1 de Outubro de 1953 – o Director era o Dr. Manuel de Oliveira Perpétua. Eu, um rapazeco vindo da aldeia, tímido e envergonhado, achava-me inferior aos meninos finos da cidade, muito mais espertos que eu. Conheciam muitas coisas e tinham vivências em muitos aspectos diferentes das minhas. Achava-me um pobre de Cristo. Assim, procurei ficar sempre sereno, não dar nas vistas e alinhar, mais ou menos discretamente, no que sabia e podia. E não levou muito tempo para que me sentisse confortável e estimado naquela turma.
E os meninos finos eram: o João Calheiros Viegas, o João Manuel Coutinho, o Alberto Barbosa, o Mário Isaac, o José Maria Sales Henriques, o Adérito Hernani, o António José Valente (meu colega de carteira), o Carlos João Simões, o Emídio Couto… As meninas finas eram: a Dulce Rosa, a Casimira Barros, a Teresa Caldeira, a Maria do Rosário Gil…
Ao longo dos anos, como num comboio, foram entrando mais uns e saindo outros. No 2.º ano entrou a Auta Amélia Cordeiro (Tamé), a Ilda Fortunato… No 3.º a Maria Helena Capristano, a Lucinda o António José Ventura Figueiredo… No 4.º a Maria João e o Virtudes. No 5.º a Celeste Samagaio, a Noélia, a Esperança, a Laura, o Cipriano, o Capataz Franco, o Freire, o Carlos Honório…
Provavelmente esqueci alguns, a eles peço desculpa, mas já foi há quase 500 anos e a minha memória já não é o que era.
1.º ano - 1953/54
No primeiro ano tivemos como professores: Dr.ª Lúcia em Português, Mme. Irene Albuquerque em Francês, Dr.ª Maria Luísa Luz em Matemática e Ciências Naturais, Esc. Macário Diniz em Desenho, Sr. Carlos Silva em Canto Coral, o Capitão Hipólito a Educação Física e o Padre Tobias em Religião e Moral. As meninas tinham Lavoures com a D. Anita.
Um conjunto de professores simpáticos e muito empenhados. Já me referi em outro texto ao pavor que eu tinha da D. Lúcia, que eu achava ter um ar feroz e se atiraria a mim a qualquer momento, mas isso não chegou a acontecer. Acho que foi o único professor que me meteu medo – devia ser impressão minha, mas nunca se sabe…
A Dr.ª Maria Luísa só esteve no Externato neste ano. Creio que tinha o curso de Agente Técnico de Engenharia. Ensinava bem, com muita serenidade e sempre com um leve sorriso.
A Mme Irene Albuquerque já foi referida por vários bloguistas e por mim também. Sempre impecável na sua forma de estar, de ensinar, de incentivar…
Numa das primeiras aulas de Francês, a Mme Albuquerque fez um ditado. (Naquele tempo faziam-se ditados!)
As palavras eram as aprendidas na aula anterior e que tinham a particularidade de formarem o plural com um “x”. A Mme ditou pausadamente “bijou, chou, hibou, genou… “ sublinhando sempre “virgule” entre as palavras.
Eu escrevi “bijou virgule chou virgule hibou virgule genou virgule…” e ia pensando: que raio de coisa esta de os franceses escreverem tantas vezes a palavra “virgule”!
Só mesmo no fim, e estafado de tanto escrever “virgule”, descobri a minha palermice e risquei todas as “virgules” e substituí por “,” ainda a tempo de entregar o ditado, para correcção. Uf!
2.º ano – 1954/55
No segundo ano, passámos a ter Português com o Dr. Perpétua. A Dr.ª Lúcia, para meu descanso, tinha ido trabalhar para Lisboa, no Colégio Moderno. A Ciências Naturais tivemos a Dr.ª Teresa, a Matemática, o Dr. Azevedo e a Desenho e Educação Física, o Capitão Hipólito.
As aulas de Canto Coral eram dadas em conjunto - primeiro e segundo anos. O facto de ser uma turma enorme e uma disciplina não sujeita a classificação, fazia com que as aulas se desenrolassem num ambiente turbulento, muito embora o Sr. Carlos Silva fosse um senhor de elevada competência, muito educado, tentava ensinar um pouco de música, mas naquele ambiente era difícil. (Mesmo assim, ainda consegui aprender alguma coisa). Cantávamos (?) a “Pêra Verde “ e “Portugal é Lindo” – sempre as mesmas, ao longo dos 5 anos em que tivemos Canto Coral.
Pedro Albuquerque – Oh Sr. Carlos Silva, porque há uma nota chamada “sol” e não há uma chamada “lua”?
Sr. Carlos Silva – Sabe porquê? Porque para isso teria de haver também uma nota chamada “parvinho” e outra chamada “doidinho”, percebe?
No fim do ano fomos fazer exame ao Liceu de Santarém. Ficávamos lá durante as provas escritas. Todos os dias estava presente, para apoio, um professor do Externato, mais ou menos de acordo com a disciplina visada no exame desse dia. Como éramos ainda uns garotos, as nossas mães também iam connosco. Era um período muito agradável, de grande convívio entre nós e também entre as nossas mães. Cimentaram-se aí muitas amizades.
3.ª ano – 1955/56
Agora Já no 2.º Ciclo, como se dizia na altura, passávamos a ter 9 disciplinas para classificação e mais três ou quatro de complemento, digamos assim. Era pesadote!
Tivemos a Português a D. Maria Xavier, a Francês e a Inglês a Mme Irene Albuquerque, a História e a Geografia o Dr. Manuel Perpétua, a Ciências Naturais, Físico-Químicas e Matemática, a Dr.ª Margarida Ribeiro, a Desenho e Educação Física, o Capitão Hipólito (penso que já era Major), a Canto Coral, o Sr. Carlos Silva, a Religião e Moral, o Padre Covões, mais conhecido pelo Sr. Vigário. As meninas, claro, continuaram a ter Lavoures com a D. Anita e Educação Física com a D. Rosa.
A Educação Física das meninas era dada num salão de rés-do-chão de um prédio na Rua Sangreman Henriques, onde hoje está uma Farmácia. Foi nesse salão que, por mais que uma vez, a nossa turma levou à cena peças de teatro, encenadas e montadas por nós.
Num texto que escrevi anteriormente , já me referi à importância que teve para mim a entrada da Dr.ª Margarida. Para não alongar este, não vou fazer mais alguma referência a esta grande Senhora, muito embora houvesse ainda muito mais de bom para dizer.
A Sr.ª D. Maria Xavier era uma senhora já com alguma idade e era considerada a maior sumidade, em Caldas, em Português, Latim e Grego. Mesmo os mais ilustrados da cidade, quando tinham dúvidas sobre a forma de escrever ou interpretar uma palavra, um texto, uma declinação… era consultada a D. Maria Xavier. Nunca consentiu que a tratássemos por Dr.ª. Era meiga e afável, tratava-nos por meus amores, minhas flores, ou meus filhos… Mas era muito exigente – ensinava muito bem, mas exigia muito – não era fácil, era mesmo impossível, com ela obter uma nota alta. Mas foi a melhor professora de Português que tive. Se não aprendi mais, foi porque não teria aptidões para tal, mas lá que me ensinou muito, ensinou.
Aula de entrega de pontos corrigidos (testes, como se diz à moderna)
D. Maria Xavier – Mário Isaac, meu filho, fizeste muitos progressos, estás a melhorar muito, este ponto está bem melhor que o anterior…
Mário Isaac – (glup!), (!!!...), (rsrsrs…), (wow!!!)…
D. Maria Xavier, concluindo – tens sete!
Mário Isaac – (glup!), (???...), (grrrr…) (piiiiiii!!!)…
4.º Ano – 1956/57
O elenco de professores manteve-se, apenas com uma alteração: a Geografia passou a ser dada pelo Dr. Azevedo.
O Dr. Manuel de Oliveira Perpétua, licenciado em Histórico-Filosóficas, foi nosso professor de História nos 3.º, 4.º e 5.º anos. Era o director e também leccionava Filosofia e O.P.A.N. (Organização Política e Administrativa da Nação) aos 6.º e 7.º anos.
Expunha os conhecimentos de História com entusiasmo, muito saber e muita graça. Eu assistia às aulas de História encantado e com muito interesse, como se de uma telenovela se tratasse (a TV só apareceu no ano seguinte). Ainda hoje sou um apaixonado por História – normalmente tenho à cabeceira livros de História. Quando viajo e me deparo com certos locais e monumentos, ainda hoje me vem à lembrança o grande professor que tive. A Acrópole de Atenas, o Palácio de Knossos, o Templo de Karnak, o templo da Rainha Hatshepsut, o túmulo do Rei Midas, o Coliseu de Roma… e tantos, tantos mais, eu já tinha na memória mesmo antes de os ter visitado. Tudo isto me ficou das maravilhosas aulas de História que tive deste professor.
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (abre a caderneta) Ora vejamos… Barbosa!
Barbosa - (Valha-me Deus!) Oh Sr. Dr., ontem, quando ia para casa, atravessei o Borlão e o livro de História caiu numa poça. Agora está molhado, a secar, e eu não pude estudar…
Dr. Perpétua – Bem… vou acreditar. Por hoje passas…
Barbosa – (uf!...lá me safei!)
Aula seguinte:
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (abre a caderneta) Ah pois… Barbosa!
Barbosa - (Valha-me Nossa Senhora!) Oh Sr. Dr., eu bem queria estudar, mas as folhas do livro ainda estão tão molhada, que nem lhe posso pegar…
Dr. Perpétua – Então como é? Trata lá de secar as folhas do livro. Isto assim não pode ser, mas vá lá…
Barbosa – Eu vou tratar disso, Sr. Dr. (Que alívio!...)
Aula seguinte:
Dr. Perpétua – Sumário: chamadas. (nem abre a caderneta) Barbosa!
Barbosa - (Valham-me Todos os Santos!) Oh Sr. Dr., acredite que o livro está a desconjuntar-se e…
Dr. Perpétua – Sabes que mais? Isso é tão verdade, como estar aqui alguém nascido em… em… em…S. Sebastião da Pedreira!
Eu – Sr. Dr., eu nasci em S. Sebastião da Pedreira!
Dr. Perpétua – Serafim, tu nasceste em S. Gregório! A tua família é de lá!
Eu – A minha família sim, mas eu nasci, de facto, em S. Sebastião da Pedreira, na Maternidade Alfredo da Costa.
Dr. Perpétua – sendo assim, Barbosa, por hoje, mas só por hoje, passas…
Barbosa – (Nem quero acreditar nesta sorte inesperada!)
5.º ano – 1957/58
Continuámos a ter aulas com a maioria dos professores do ano anterior, mas com algumas modificações. A D. Maria Xavier passou a dar aulas exclusivamente na Bordalo Pinheiro, sendo substituída pelo Dr. Oliveira. O Dr. Azevedo deixou a Geografia e passou a dar Ciências Naturais. O Desenho pelo Eng.º Cabral. A Geografia, em regime de acumulação, por uma professora da Bordalo Pinheiro, a Dr.ª Natividade. Era esposa do Dr. Oliveira. Uma senhora muito serena, de voz mansa, mas que logo na primeira aula se impôs pela qualidade da exposição que nos estava a apresentar. A Geografia, pela primeira vez, passou a ser uma disciplina interessante e fácil.
No final do ano, fomos para Leiria fazer os exames. Eram dez provas escritas, duas por dia, de segunda a sexta, e o recurso a uma segunda chamada era quase impossível. Cada prova versava o conteúdo dos três anos do ciclo. Não era nada fácil. Dizia-se que o 5.º ano não era para se fazer, mas sim para se ir fazendo…
Apesar de tudo, essa semana em Leiria era, para nós, um tempo de convívio, que era só nosso. Íamos quase todos para a mesma pensão, a Pensão Central, mais tarde Hotel Central, que foi destruído por um incêndio. Mas, como diria o Malato, fui muito feliz em Leiria…
6.º ano – 1958/59
Neste ano, ocorreram algumas transformações no Externato. Provavelmente devido ao aumento do número de alunos, passou a funcionar em dois locais: o “prédio do Crespo” e uma secção em parte de um edifício que fazia esquina entre as ruas do Jardim e Heróis da Grande Guerra. Tinha sido recentemente adquirido pelo Patriarcado de Lisboa e o novo Director era o Padre António Emílio, que passou a ser o nosso professor de Moral e Religião – uma excelente pessoa e um excelente professor.
No anexo passaram a ter aulas os alunos da primária, leccionada pela D. Manuela, e os alunos dos 1.º e 2.º anos. Foi neste ano que a D. Dora entrou para o serviço do Externato, ficando responsável pela disciplina e pelas condições de funcionamento na extensão agora criada, para além de dar Lavores às meninas que ali tinham aulas.
Houve também uma profunda remodelação no corpo docente. Penso que apenas ficaram a D. Anita, a D. Rosa, a Mme Irene Albuquerque e o Dr. Azevedo.
Entrou o Dr. Jaime Umblino, licenciado em Filologia Românica, leccionava Português e Francês. Era muito bem-disposto, sorridente e muito camarada com os alunos. Adorava brejeirices… Não foi meu professor, porque, ao ter optado pelas Ciências, deixei de ter estas disciplinas.
Para Ciências Naturais, veio a Dr.ª Maria do Carmo. Era o seu primeiro ano de ensino. Muito nova e bonita, tímida e reservada, notava-se que trabalhava muito. O primeiro ano para um professor, num pequeno colégio, é muito pesado. Leccionamos muitos níveis pela primeira vez e, só quem passa por isso, pode avaliar.
A Filosofia foi dada por um professor, acabadinho de licenciar em Salamanca. Lamento, mas não consegui lembrar o seu nome. Também leccionava História e Português, pelo menos aos primeiros anos. Pode ser que alguém se lembre do seu nome. Era muito simpático e procurava apresentar um trabalho sério e bem preparado. Casado há pouco tempo, tinha uma bebezinha de colo, que era o seu orgulho. Quase no final do ano, andava muito cansado, e até teve dificuldade em dar as últimas aulas. Faleceu pouco depois. Disseram-nos que tinha lúpus disseminado no sangue. Para nós, foi uma perda muito sentida.
O Dr. Azevedo leccionou-nos Matemática e Desenho (Geometria Descritiva). Pessoa já com grande experiência, muito saber e competência, mas com falta de paciência (rimei sem querer, mas é verdade!). Talvez porque para ele tudo era simples e evidente, a matéria foi dada com uma rapidez fantástica, muitas vezes lida à pressa pelo livro. Terminámos os programas cedíssimo, mas, pelo menos eu, sentia-me muito inseguro em quase todos os temas. No entanto, qualquer dúvida que lhe fosse posta, se o apanhasse bem-disposto, a explicação era magistral. Pena que não acontecesse com mais frequência.
Para leccionar Físico-Químicas foi contratado um professor, já de certa idade, que, logo de início, passou a ser conhecido pelo “Serôdio”. Constou que este epíteto lhe foi posto pelo António Samagaio, mas o facto é que pegou de imediato e quase ninguém sabia que se chamava Carlos Coelho. Não sei qual era a sua formação académica, mas não gostava que lhe chamassem Dr., mas sim Sr. Tenente. Referia-se amiudadamente ao desempenho de tarefas na tropa e mesmo em situações de guerra. Tinha uma linguagem um tanto livre para a época, estilo caserna, mas sabia ser delicado e gentil quando a ocasião o merecia. Falava com pronúncia do norte, trocando os “vv” pelos “bb” e tinha um apurado sentido de humor.
Sr. Tenente – (ditando um problema) Um comboio que pesa 400 gramas…
António Alberto (Tobé) – Oh Sr. Tenente, como pode um comboio pesar só 400 gramas?
Sr. Tenente – Entõe, tu num bês que bai bazio?
Fumava muito, quase sem precisar de fósforos ou isqueiro – acendia os cigarros, sem filtro, uns nos outros e deixava a cinza cair por todo o lado. Nem no laboratório parava de fumar. Por isso também era conhecido pelo “Beatas”. A matéria era dada com uma lentidão exasperante. Um problema levava por vezes várias aulas a resolver, tudo com muito pormenor e minúcia. Resultado: Chegámos ao fim do ano muito longe de acabar a Física e sem sequer ter entrado na Química.
Tínhamos a disciplina, O.P.A.N. (Organização Política e Administrativa da Nação), que era considerada a menos importante, quer pelo conteúdo, quer pela pequena extensão programática. Era leccionada apenas com uma aula por semana. Esta disciplina passou a ser dada por um magistrado do Tribunal da Comarca – o Dr. Fontinha. Dava uma dignidade tão grande à leccionação, com exposições muito cuidadas, trabalhadas e rigorosas, mas agradáveis, que a disciplina passou a ter um estatuto elevado e em nada inferior ao das restantes. Cada aula era um prazer.
Penso que foi neste ano que a Dr.ª Elvira Bento Monteiro leccionou, em acumulação, Latim e/ou Grego. Não foi minha professora. Era uma senhora muito elegante, competente, e sempre muito simpática.
7.º ano – 1959/60
No início do ano, tivemos alteração de professores em duas disciplinas – Ciências Naturais e Filosofia.
A Dr.ª Maria de Carmo foi substituída pela Dr.ª Maria do Rosário Leal. A nova docente era muito alegre, muito competente, de personalidade forte, imprimia um bom ritmo no desenrolar das actividades da aula. Aprendia-se muito e tudo era muito interessante.
Em Filosofia tivemos o Dr. Valente Sanches. Licenciado em Direito, era administrador do Hospital e passou a leccionar no Externato, em acumulação. O Dr. Sanches é uma pessoa de enorme cultura, fino trato, competentíssimo e, ao mesmo tempo, uma pessoa afável e de grande simplicidade. Passámos a gostar muito de Filosofia e a perceber quão importantes eram os conceitos sobre os quais esta matéria se debruçava. Também leccionou a disciplina de História, ao que parece, com muito agrado dos seus alunos.
Um ou dois anos mais tarde, o Externato passou a ministrar também o Magistério Primário, no qual o Dr. Sanches leccionou várias cadeiras. A sua forma de estar, de lidar com as alunas, a força, competência que transpareciam do seu trabalho sério e valioso, fez com que as suas alunas o admirassem e o tomassem como um verdadeiro e grande amigo. A minha mulher, que foi uma das alunas, já cá não está para confirmar o que acabo de escrever, mas foi através dela que esta mensagem me chegou, e sei, sem hesitações, que foi este o professor que a marcou para sempre.
E as aulas de Físico-Químicas continuavam a passo de caracol. Fomos falar com o Director, manifestando a nossa apreensão pela impossibilidade manifesta de ser cumprida nem metade do programa. O Sr. Padre António Emílio compreendeu as nossas apreensões e mandou duplicar o número de aulas semanais. Na aula seguinte, o Sr. Tenente Carlos Coelho, entrou radiante, dizendo-nos, com grande satisfação, que agora já podia dar as aulas mais devagar, porque até ali eram um sufoco, com falta de tempo. Claro que passámos a dar a matéria ainda mais lentamente, para desespero de todos (menos dele).
Um dia, estando o Sr. Tenente a dar uma aula ao 7.º ano, um aluno de outra turma, cujo nome vou omitir, batia à porta. O professor foi abrir e não estava ninguém. A cena repetiu-se. O Professor, furioso, deixou-se ficar junto à porta, do lado de dentro e mal o aluno voltou a bater, abriu a porta e ainda o viu a fugir. Exaltado como estava, perdeu a compostura e ralhou-lhe:
Oh seu filho da p…! Vou fazer queixa de ti e vais ser expulso!
No dia seguinte, apareceu na aula para nos dizer adeus. Tinha sido despedido. O aluno ter-se-ia antecipado e foi dizer à sua mãe que o professor se tinha referido a ela como sendo uma p… Parece que a senhora teria reagido da pior forma…
Disse, entre lágrimas, que gostava de nós, que tinha muita pena de nos deixar, mas que o Externato não o tinha prejudicado monetariamente, porque lhe pagara o vencimento completo, até ao fim do contrato. Foi um dia triste para todos nós. Apesar de tudo, tínhamos um certo carinho e amizade pelo Sr. Tenente.
O Dr. Azevedo passou a tomar conta das Físico-Químicas do 7.º ano e foi contratado o Dr. André Gonçalves para os restantes anos. Era um rapaz novo, licenciado em Ciências Geológicas, um pouco tímido, mas muito consciencioso no trabalho. Continuou no Externato durante mais três anos. Não foi meu professor, portanto não o fiquei a conhecer muito bem. Passados mais de trinta anos, voltamo-nos a encontrar, mas já em funções muito diferentes.
E, mais uma vez, fomos para Leiria fazer os exames. Como seria de esperar, fui muito feliz em Leiria…
Não gostava de terminar sem fazer referência a duas pessoas que também nos acompanharam neste percurso e por quem todos tínhamos uma amizade e um carinho especiais – a menina Albertina e o Sr. Madeira.
A menina Albertina (era assim que a chamávamos) era a única contínua do “prédio do Crespo”. Era ela quem tomava conta dos alunos no primeiro andar, das raparigas na respectiva sala, dos toques da campainha, pelo que tinha de estar sempre atenta ao relógio e era ela também que limpava todo o Externato, mantendo-o sempre encerado, limpo e brilhante. Nunca casou, vivia para o Externato e para os seus meninos. Era muito nossa amiga.
O Sr. Madeira, reformado da GNR, tomava conta do segundo andar e dos rapazes, na respectiva sala, Procurava manter a possível disciplina, era muito educado e responsável. Sabia como lidar com os alunos mais rebeldes e dar-lhes conselhos adequados. Era um homem bom, de muito respeito, tolerante, compreensivo e amigo de todos nós.
Voltei ao Externato quatro anos depois – encontrei tudo mudado, até as instalações. Dos professores do meu tempo, só restavam o Dr. Azevedo, a D. Rosa, a D. Anita, a D. Dora e o Dr. Sanches, que apenas leccionava uma horinha semanal de O.P.A.N. ao 6.º ano e outra ao 7.º ano.
Jaime Serafim
Só para eu me esclarecer nos anos: No teu 1º ano não estão também o Pedro Albuquerque, o António Samagaio, o Adalberto Caldeira, o José Saudade e Silva, o Edegar(tocava acordeon e violino) e a Maria da Madre Deus Monte Pereira?É que tudo bate certo na tua descrição, mas eu ou estou no mesmo ano ou um à frente ou atrás?A sala de aulas não é a 1ª porta à esquerda no piso seguinte ao pátio?
Verdadeiramente, Jaime Serafim, é você O de Boa Memória (com a devida vénia a el-rei D. João I) e felizmente de boas memórias. Estou aqui mortinha de rir. Com estas: ahahah!!!
Dr.Serafim !
Conheci e fui aluna de alguns dos professores que descreve, pois frequentámos o ERO simultaneamente nos seus 2 últimos anos, embora em edifícios diferentes.Que bela e salutar relação entre alunos e professores.....virgule...virgule....virgule....e o Dr.Umbelino não poderia vir todos os dias, de Torres Vedras no comboio dos 400gr...ele era pequenino.mas não tanto...
Fala dos exames em Leiria,cruzámo-nos na Pensão Central em 1960, eu a fazer o 2º ano e o Dr.Serafim o 7º.Belos tempos !!!De manhã íamos ao Liceu cumprir a nossa "obrigação " (o examezito) à tarde convivíamos e não tínhamos necessidade de estar a estudar á última da hora para o dia seguinte. Como era possível????
E a Menina Albertina e o Sr. Madeira,que admiráveis pessoas !
Um Abraço
Júlia R
É inacreditável haver alguém que tantos anos depois se lembra de tantos nomes de colegas,professores e contínuos do colégio.E ainda das histórias,dos diálogos,das notas e sei lá que mais!!!Está escrito,como das vezes anteriores de uma forma muito divertida,embora parecesse muito longo quando vi,acabei de ler de uma vez e com pena de não haver mais!!!Parabéns Dr. Serafim,espero que tenha mais coisas para nos contar e parabéns ao Jales por ter conseguido mais este colaborador para o blogue.
Estes anos nada têm a ver com a minha frequência do Externato Ramalho Ortigão mas são descritos com uma quantidade de pormenores e detalhes seguramente impossível de reproduzir pelos alunos da década seguinte,com menos dez anos de idade e com menos dez anos de afastamento dos scontecimentos.
4 comentários:
Só para eu me esclrecer nos anos:
No teu 1º ano não estão tambem:
o Pedro Albuquerque, o António Samagaio, o Adalberto Caldeira, o José Saudade e Silva, o Edegar?(tocava acordeon e violino) e a Maria da Madre Deus Monte Pereira?
É que tudo bate certo na tua descrição, mas eu ou estou no mesmo ano ou um afrente ou atrás?
A sala de aulas não é a 1ª porta à esquerda no piso seguinte ao pátio?
João Ramos Franco
Verdadeiramente, Jaime Serafim, é você O de Boa Memória (com a devida vénia a el-rei D. João I) e felizmente de boas memórias. Estou aqui mortinha de rir. Com estas: ahahah!!!
– Mário Isaac, meu filho, fizeste muitos progressos, estás a melhorar muito, este ponto está bem melhor que o anterior…– tens sete!
– Um comboio que pesa 400 gramas… Oh Sr. Tenente, como pode um comboio pesar só 400 gramas? - Entõe, tu num bês que bai bazio?
– Eu escrevi “bijou virgule chou virgule hibou virgule genou virgule…” e ia pensando: que raio de coisa esta de os franceses escreverem tantas vezes a palavra “virgule”! Só mesmo no fim, e estafado de tanto escrever “virgule”, descobri a minha palermice e risquei todas as “virgules” e substituí por “,” ainda a tempo de entregar o ditado.
A propósito de ‘ditado’, encontrei por aqui material valioso para meditar sobre a evolução das estratégias pedagógicas e didácticas nos últimos 500, digo, 50 anos. E também tremi a lembrar-me do ritual das chamadas…
É inacreditável haver alguém que tantos anos depois se lembra de tantos nomes de colegas,professores e contínuos do colégio.E ainda das histórias,dos diálogos,das notas e sei lá que mais!!!Está escrito,como das vezes anteriores de uma forma muito divertida,embora parecesse muito longo quando vi,acabei de ler de uma vez e com pena de não haver mais!!!Parabéns Dr. Serafim,espero que tenha mais coisas para nos contar e parabéns ao Jales por ter conseguido mais este colaborador para o blogue.
Estes anos nada têm a ver com a minha frequência do Externato Ramalho Ortigão mas são descritosd com uma quantidade de pormenores e detalhes seguramente impossível de reproduzir pelos alunos da década seguinte,com menos dez anos de idade e com menos dez anos de afastamento dos scontecimentos.
Como em todos os tempos havia bons professores,incompetentes,cromos,ditadores e boas pessoas,como 10 anos depoios.
O post só é comprido à 1ª vista a sua leitura é surpreendentemente fácil e agradável.Parabéns ao autor!TM
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