ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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DIAGNÓSTICO REDUNDANTE

por José Manuel Franco



“Alô,alô,sr.Bombas.Tem à sua disposição o bilhar marcado.”A voz nasalada do velho Afonso soava ainda mais roufenha dado o estado decrépito da instalação sonora da sala de bilhares do café Londres.
O café Londres,convém esclarecer,com a sua arquitectura interior típica dos anos sessenta em que sobressaía a famosa porta giratória, era o ponto de encontro da malta que,tendo vindo estudar para a Universidade em Lisboa,revivia naquele espaço a Zaira,a Soraia,o café Trindade e o café União,consoante as respectivas origens geográficas.
A sala de jogos então, com os seus bilhares clássicos e ,sobretudo,o snooker ,emanava um irresistível magnetismo que atraía para aquela cave um pouco escura e permanentemente sob uma nuvem de fumo de tabaco, aqueles que, como eu, preferiam as artes do “massé”, das três tabelas e da seca aos mistérios profundos das séries de Fourier, do Princípio da Incerteza de Heisenberg ou do desenho em perspectiva de qualquer chumaceira.
As tardes eram assim ocupadas num são(apesar do tabaco) e agradável convívio,onde, às discussões sobre as incidências do jogo,quase sempre ganho pelo Bernardino(o Bombas) ou pelo António,se juntavam as conversas sobre alguns dos problemas que então constituíam os temas favoritos daquele grupo de amigos-os mistérios do sexo oposto,a crise da habitação(as velhas ,a quem se alugavam os quartos em que quase todos nós vivíamos ,não nos deixavam levar raparigas lá para as suas casas), a música, o cinema e, num plano sério que não cabe no âmbito desta crónica burlesca, a política em geral, as lutas académicas e a ameaça sempre presente da guerra colonial.
Corria assim, animado e em permanente descoberta da vida lisboeta, o primeiro semestre do ano lectivo de 1972-73, quando após o tradicional e retemperador fim de semana em casa dos pais, o Papoila anuncia que vai ter lugar o baile de finalistas do Colégio das Caldas,no Casino.



Quem vai, quem não vai e o Papoila,meu velho amigo e colega de escola primária,resolve logo ali a questão convidando o António e eu próprio a passar o fim de semana com ele na casa que os pais tinham(e têm) no Bom Sucesso.Nem era preciso tanto! Naquela idade o verbo mais fácil e gostosamente conjugável era, sempre, “ir”.
O baile desse ano ,para além das sempre atraentes jovens caldenses,tinha bastos e variados motivos de interesse.Eram finalistas encartados um grupo de amigos e companheiros de paródia,do Ferro Velho,dos bailes de verão do Casino,das festas de aldeia e de tudo aquilo que constituía a animação pública então à disposição de rapazes de 17 ou 18 anos.
Ainda por cima,o conjunto cabeça de cartaz era o 1111,então no auge da sua fama.Dava-se a circunstância de o Tó-Zé Brito estar a cumprir o Serviço Militar Obrigatório nas Caldas e ,por deferência para com os seus amigos,ter feito um preço super especial para actuarem nesse baile(é o que se chama sorte,se bem me lembro, no meu baile de finalista do Liceu de Leiria,no ano anterior,pagámos uma fortuna para os ter lá).Foi a sua última actuação enquanto integrante do 1111,logo a seguir desertou e fugiu para o estrangeiro,escapando assim à guerra colonial.
Chegado o tão esperado Sábado,o António e eu arrancámos de Rio Maior direitos às Caldas. Após o inevitável interlúdio na Zaira e algumas voltas à Praça,em companhia do Papoila, dirigimo-nos ,alfeiros e esperançados nalgum encontro bem sucedido com uma das muitas finalistas e afins,ao Casino.
O ambiente era o habitual neste tipo de festas, eufórico, divertido,agitado, barulhento,ansioso, convivial, cosmopolita. Toda a gente a procurar divertir-se de uma forma ou de outra, dançando, ouvindo música, conversando, observando, namorando, circulando entre a sala de baile,os compartimentos anexos e o bar.E neste último,fazendo um ar tão adulto e experiente quanto possível, bebendo. Bebendo muito.
Foi aqui e deste modo,que tiveram lugar os acontecimentos que marcaram o até então relativamente calmo Baile de Finalistas do Externato Ramalho Ortigão,1972-1973!
Como as quantidades servidas em cada copo,fosse do que fosse,eram claramente insatisfatórias, o Rui arranjou uma garrafa de whisky (suspeito que em prejuízo da garrafeira paterna) e, após alguma partilha com o António, dirigiu-se já muito titubeante para a casa de banho dos homens onde se fechou firmemente agarrado à sua garrafa. Foram precisas,segundo me contam, prolongadas e pacientes negociações e grandes quantidades de café, para que voltasse a ser possível utilizar a indispensável instalação.
Quanto ao António, felizmente nada habituado aos excessos de álcool,passada a primeira fase de euforia e disparatada agitação,caiu redondo no chão,inanimado e mais branco que a cal.
Nem água,nem estalos na cara ,nada o acordava.Assustados,o Papoila pegou-lhe nos braços e eu nas pernas e assim fomos a correr ,atravessando a Praça e dirigindo-nos ao Montepio para lhe ser prestada assistência.
Às tantas da manhã,o Montepio estava no sossego total,pelo que logo que ali chegámos deitámo-lo numa marquesa e entrámos na sala das urgências.
O médico de serviço entrou logo de seguida ,olhou para o António e perguntou-nos o que se tinha passado,ao que respondemos que tinha desmaiado.
Ao debruçar-se sobre ele o inevitável cheiro a álcool denunciou de imediato a situação,tendo o atencioso médico proferido o diagnóstico correcto:
-Eh pá ,o que o vosso amigo tem é que está bêbedo !
Nesse momento,despertando do torpor que o tinha transformado num pesadíssimo fardo, soerguendo-se sobre um cotovelo,com a cara ainda um pouco descomposta e com uma voz entaramelada a que nem sequer a justa indignação por tão básico diagnóstico conseguia retirar algum rrastamento,o António disparou:
-Ora p***a,isso também eu sei!Para me dizer isso não é preciso um médico.
E desmaiou.

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José Manuel Franco
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P.S.-Os acontecimentos são verídicos,os personagens autênticos,as saudades imensas...alguns nomes propositadamente vagos.

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C O M E N T Á R I O S
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Julinha disse:
Acabei de ler mais um texto no nosso fabuloso blog e confesso que me pareceu estar a rever a realidade tal como ela se apresentou.
Não conheço o autor,ou penso não conhecer,mas digo-vos que gostei muito desta descrição.Se a mim me está a divertir,como se apresentará aos intervenientes? Os que a retiveram na memória,porque em alguns (pelo menos um) deve ter ficado apenas na penumbra...
Mas pergunto eu agora?Que medicação fez o "desgraçado" ? Será que a seguir teve um acesso de espirros ! Ensinaram-me que nestas situações que apareciam ás tantas da "matina" davam uma injecção intra muscular de Vitamina C. Oh, se doía !!!
Parabéns ao Zé Franco !
Júlia R
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Luis disse:
Sempre correu muito álcool nos bailes de finalistas e em todas as festas em que os garotos e garotas de 17/18 anos fizeram.Era uma coisa inevitável e julgo que as festas públicas,como esta no casino,nem eram as mais "regadas" pois não?
O José Franco já nos tinha dado uma história passada precisamente no casino,se bem me lembro,mas eu não me recordo dele.
Parabens pelo post.L
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jorge disse...
já não me lembro deste baile de finalistas mas já alguém aqui tinha referido o 1111 como tendo actuado num.as coisas não mudaram muito,embora nesta altura a vigilância dos adultos fosse menor do que no meu tempo em que íamos todos de gravata!gostei.j
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Isabel Esse disse...
Não conheci os bilhares nem o Café Londres,as meninas não iam a esses sítios,pelo menos que eu me lembre,mas são sempre agradáveis de ler estes textos sobre o Casino e os bailes.Só as bebedeiras é que não eram agradáveis nem para quem as apanhava nem para quem assistia!!!
A história está engraçada e tem razão o António,para fazer aquele diagnóstico não era preciso ser médico!IS
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JJ disse:
Apreciei este post porque retrata bem a vivência de uma época, a estória é divertida e os personagens se movimentam com inegável realismo, factor fundamental numa crónica deste tipo.
Tenho que acrescentar que a referência ao Londres, onde “vivi” durante a maior parte da década de setenta (anos ricos em vivências, loucuras e amizades, algumas que ainda hoje duram) me foi particularmente grata… e há tantos episódios, quem sabe um dia…
O Franco é já um colaborador habitual deste Blog , a narrativa respira o à vontade de quem recria (recriamos sempre…) o passado com saudável prazer. Pela minha parte, obrigado. JJ
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5 comentários:

Anónimo disse...

Sempre correu muito alcool nos bailes de finalistas e em todas as festas em que os garotos e garotas de 17/ 18 anos fizeram.Era uma coisa inevitável e julgo que as festas públicas como esta no casino nem eram as mais "regadas" pois não?
O José Franco já nos tinha dado uma história passada precisamente no casino,se bem me lembro,mas eu não me recordo dele.Parabens pelo post.L

Anónimo disse...

Acabei de ler mais um texto no nosso fabuloso blog e confesso que me pareceu estar a rever a realidade tal como ela se apresentou.
Não conheço o autor,ou penso não conhecer,mas digo-vos que gostei muito desta descrição.Se a mim me está a divertir,como se apresentará aos intervenientes? Os que a retiveram na memória,porque em alguns (pelo menos um) deve ter ficado apenas na penumbra...
Mas pergunto eu agora?Que medicação fez o "desgraçado" ? Será que a seguir teve um acesso de espirros ! Ensinaram-me que nestas situações que apareciam ás tantas da "matina" davam uma injecção intra muscular de Vitamina C. Oh, se doía !!!
Parabéns ao Zé Franco !
Júlia R

jorge disse...

já não me lembro deste baile de finalistas mas já alguém aqui tinha referido o 1111 como tendo actuado num.as coisas não mudaram muito,embora nesta altura a vigilância dos adultos fosse menor do que no meu tempo em que íamos todos de gravata!gostei.j

Isabel Esse disse...

Não conheci os bolhares nem o Café Londres,as meninas não iam a esses sítios,pelo menos que eu me lembre,mas são sempre agradáveis de ler estes textos sobre o Casino e os bailes.Só as bebedeiras é que não eram agradáveis nem para quem as apanhava nem para quem assistia!!!
A história está engraçada e tem razão o António,para fazer aquele diagnóstico não era preciso ser médico!IS

J J disse...

Apreciei este post porque retrata bem a vivência de uma época, a estória é divertida e os personagens se movimentam com inegável realismo, factor fundamental numa crónica deste tipo.

Tenho que acrescentar que a referência ao Londres, onde “vivi” durante a maior parte da década de setenta (anos ricos em vivências, loucuras e amizades, algumas que ainda hoje duram) me foi particularmente grata… e há tantos episódios, quem sabe um dia…

O Franco é já um colaborador habitual deste Blog , a narrativa respira o à vontade de quem recria (recriamos sempre…) o passado com saudável prazer. Pela minha parte, obrigado. JJ