por Isabel Xavier
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Caricatura de São Caixinha
Vendo o professor de Físico-Química chegar ao cimo das escadas sobraçando, com aquele modo todo seu, uma resma de pontos, Helena Xavier afastou-se do grupo de colegas com quem conversava, aproximou-se do Dr. Serafim, e pediu-lhe: “Stôr! Deixe-me ver o ponto, se faz favor!” Sem a mais leve hesitação, o professor estendeu-lhe o enunciado para que o visse, ao mesmo tempo que a incentivava a fazê-lo com atenção. Claro que a Helena, apanhada de surpresa, reagiu nervosamente e foi incapaz de aproveitar tão inusitada oportunidade de conhecer o teste a que se veria na obrigação de responder dali a pouco.
Quando voltou para junto dos colegas, estes perguntaram-lhe ansiosos: “O que é que calha no ponto? O que é que viste?” A Helena não tinha visto nada, ou melhor, não se lembrava de nada do que quer que tivesse visto! Ao aperceber-se disso e do desapontamento geral que o seu esquecimento causava, desatou a chorar!
Ao contrário da hipótese mais óbvia, a idónea “fonte” à qual devo o conhecimento deste episódio não foi a minha irmã, mas o Dr. Serafim. Numa das muitas conversas com que amenizávamos as longas e frequentes sessões de trabalho conjunto quando éramos, respectivamente, Presidente do Conselho Pedagógico (eu) e Director Executivo da Escola Secundária de Raul Proença.
Ao longo da minha vida profissional, vários foram os meus antigos professores do colégio e do liceu que se tornaram meus colegas, mas com nenhum outro tive oportunidade de conviver de modo tão continuado. Tenho para mim que há alguns professores que, talvez por transitarem dos bancos das escolas como alunos para outros bancos de outras escolas como professores, lhes falta algo para se tornarem completamente adultos ou dito de outro modo: que conservam algo que aos outros adultos está vedado, uma espécie de “traquinice”, digamos assim, à falta de melhor expressão. É nesta categoria de professores, muito rara aliás, que coloco o Dr. Serafim!
Nunca tive outro professor de Físico-Química e, embora estivesse longe de ser essa a minha disciplina predilecta, que me perdoem os restantes bons professores que tive no colégio, não hesito em classificá-lo como o melhor professor que por lá passou, no meu tempo, claro! E ainda se tornou muito melhor, depois da “experiência poética” que foi o seu estágio profissional, orientado por Rómulo de Carvalho, no Liceu Pedro Nunes, quando transitou para o ensino público, e do qual me contou também histórias interessantíssimas.
A jovialidade com que sabia reagir de modo desconcertante perante os alunos, como foi o caso da Helena, transportou-a para o exercício do cargo de director da escola. Tinha (e espero que continue a ter) um sentido de humor inexcedível, uma malícia muito própria que é imprescindível ao sentido de humor, presente em grande parte das situações e no modo como resolvia os problemas com que se deparava diariamente.
Para demonstrar o que digo, conto um episódio que escolhi aleatoriamente de entre muitos outros que poderia contar. No tempo em que o Dr. Serafim era Director Executivo da escola funcionava lá um curso na área da Comunicação. Alguém, penso que o Psicólogo, Luís Paulo Baptista, levou junto dos alunos para conversar com eles sobre Comunicação Social, o polémico Manuel Serrão que naquele tempo era presença assídua na televisão. O caso, que ocorreu nos finais de Março, provocou grande celeuma entre os professores e muitas foram as vozes críticas e mesmo indignadas que se levantaram a seu propósito. No dia 1 de Abril apareceu no placard da sala de professores, com a necessária aparência de documento oficial, a informação de que nesse mesmo dia, estaria na escola Lili Caneças para conversar com os alunos sobre o “Jet Set” nacional e o seu significado na perspectiva da Comunicação Social. Salvo erro, a sua “presença” daria lugar a uma sessão de autógrafos.
Juro-vos que vi pessoas praticamente à beira de um ataque de nervos, junto do placard, perguntando-se, e aos circunstantes, a que ponto iria parar aquela escola!
Quem seria o autor da original partida do 1º de Abril? Na posse dos dados já indicados, fácil será adivinhar…
- Isabel Xavier -
Vendo o professor de Físico-Química chegar ao cimo das escadas sobraçando, com aquele modo todo seu, uma resma de pontos, Helena Xavier afastou-se do grupo de colegas com quem conversava, aproximou-se do Dr. Serafim, e pediu-lhe: “Stôr! Deixe-me ver o ponto, se faz favor!” Sem a mais leve hesitação, o professor estendeu-lhe o enunciado para que o visse, ao mesmo tempo que a incentivava a fazê-lo com atenção. Claro que a Helena, apanhada de surpresa, reagiu nervosamente e foi incapaz de aproveitar tão inusitada oportunidade de conhecer o teste a que se veria na obrigação de responder dali a pouco.
Quando voltou para junto dos colegas, estes perguntaram-lhe ansiosos: “O que é que calha no ponto? O que é que viste?” A Helena não tinha visto nada, ou melhor, não se lembrava de nada do que quer que tivesse visto! Ao aperceber-se disso e do desapontamento geral que o seu esquecimento causava, desatou a chorar!
Ao contrário da hipótese mais óbvia, a idónea “fonte” à qual devo o conhecimento deste episódio não foi a minha irmã, mas o Dr. Serafim. Numa das muitas conversas com que amenizávamos as longas e frequentes sessões de trabalho conjunto quando éramos, respectivamente, Presidente do Conselho Pedagógico (eu) e Director Executivo da Escola Secundária de Raul Proença.
Ao longo da minha vida profissional, vários foram os meus antigos professores do colégio e do liceu que se tornaram meus colegas, mas com nenhum outro tive oportunidade de conviver de modo tão continuado. Tenho para mim que há alguns professores que, talvez por transitarem dos bancos das escolas como alunos para outros bancos de outras escolas como professores, lhes falta algo para se tornarem completamente adultos ou dito de outro modo: que conservam algo que aos outros adultos está vedado, uma espécie de “traquinice”, digamos assim, à falta de melhor expressão. É nesta categoria de professores, muito rara aliás, que coloco o Dr. Serafim!
Nunca tive outro professor de Físico-Química e, embora estivesse longe de ser essa a minha disciplina predilecta, que me perdoem os restantes bons professores que tive no colégio, não hesito em classificá-lo como o melhor professor que por lá passou, no meu tempo, claro! E ainda se tornou muito melhor, depois da “experiência poética” que foi o seu estágio profissional, orientado por Rómulo de Carvalho, no Liceu Pedro Nunes, quando transitou para o ensino público, e do qual me contou também histórias interessantíssimas.
A jovialidade com que sabia reagir de modo desconcertante perante os alunos, como foi o caso da Helena, transportou-a para o exercício do cargo de director da escola. Tinha (e espero que continue a ter) um sentido de humor inexcedível, uma malícia muito própria que é imprescindível ao sentido de humor, presente em grande parte das situações e no modo como resolvia os problemas com que se deparava diariamente.
Para demonstrar o que digo, conto um episódio que escolhi aleatoriamente de entre muitos outros que poderia contar. No tempo em que o Dr. Serafim era Director Executivo da escola funcionava lá um curso na área da Comunicação. Alguém, penso que o Psicólogo, Luís Paulo Baptista, levou junto dos alunos para conversar com eles sobre Comunicação Social, o polémico Manuel Serrão que naquele tempo era presença assídua na televisão. O caso, que ocorreu nos finais de Março, provocou grande celeuma entre os professores e muitas foram as vozes críticas e mesmo indignadas que se levantaram a seu propósito. No dia 1 de Abril apareceu no placard da sala de professores, com a necessária aparência de documento oficial, a informação de que nesse mesmo dia, estaria na escola Lili Caneças para conversar com os alunos sobre o “Jet Set” nacional e o seu significado na perspectiva da Comunicação Social. Salvo erro, a sua “presença” daria lugar a uma sessão de autógrafos.
Juro-vos que vi pessoas praticamente à beira de um ataque de nervos, junto do placard, perguntando-se, e aos circunstantes, a que ponto iria parar aquela escola!
Quem seria o autor da original partida do 1º de Abril? Na posse dos dados já indicados, fácil será adivinhar…
- Isabel Xavier -
2 comentários:
Pouco dado a absolutismos, como sou, julgava que teria muita dificuldade em classificar qualquer um dos meus professores no colégio como o melhor.
No entanto, remexendo nas memórias de todos os professores, não tenho dúvidas em afirmar que, de excepção, embora por motivos diferentes, apenas tive dois professores: Jaime Serafim e Figueiredo Lopes. Só que a continuidade dos últimos cinco anos do colégio naquelas que eram para mim as duas cadeiras mais importantes (Matemática e Físico-Químicas) não podem deixar de colocar o dr. Serafim num lugar muito especial na minha formação. No entanto, não esqueço que, no que respeita à Matemática, o dr. Serafim apenas continuou o que o dr. Figueiredo Lopes iniciara no meu 1.º ano, e que teve um momento menos bom no 2.º ano, com o dr. Azevedo (de quem ainda hoje julgo ter sido o professor que mais sabia, mas que deixava algo a desejar no plano pedagógico).
Num outro plano, o das relações humanas e da amizade, não posso esquecer o Padre Xico, que me veio a casar seis anos depois de eu ter saído do colégio, com quem mantive frequente contacto enquanto vivi em Lisboa, o que me proporcionou sempre uma palavra amiga e de orientação nas dificuldades que a vida me trouxe e que há cinco anos não deixou de estar presente para celebrar os meus vinte e cinco anos de casado.
Ao ler o artigo sobre o dr. Serafim não pude deixar de o recordar e de lhe juntar o dr. Figueiredo Lopes e o Padre Xico, que foram os professores que mais me marcaram pela positiva nos sete anos que estive no colégio.
Aqui fica lavrado o meu profundo reconhecimento.
Oscar Oliveira
São Caixinha,
Quero que saibas que tinha intenção de escrever sobre o Dr. Serafim, mas nunca pensei fazê-lo tão depressa. A "culpada" da minha brevidade foste tu! É que o JJ enviou-me a fantástica caricatura que havias feito do nosso professor, acompanhada da questão: "inspira-te?" e foi o que aconteceu... A inspiração não foi tanta, nem de longe, como a necessária à execução da caricatura,a que tu demonstras, mas paciência... Obrigada São! E olha que para "apanhar" (caricaturar) assim alguém também é precisa uma boa dose de malícia..."
- Isabel Xavier -
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