por Vasco Trancoso
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O livro da minha vida foi o primeiro: “Um Herói de 15 anos” de Júlio Verne.
Pela influência que teve em mim. Na altura e depois.
Li-o, aos 4 anos, depois do meu avô materno me ter ensinado a ler, em regímen intensivo, pela cartilha de João de Deus.
Era uma edição antiga, onde se escrevia ainda: epocha, atmosphera, physica, methodo, etc.
Devorei avidamente as aventuras do pequeno capitão Dick Sand, a viagem fatal a bordo do baleeiro Pilgrim, e a ajuda decisiva do gigante negro Hércules e do cão Dingo na luta contra os mercadores de escravos, liderados pelo temível Negoro, no interior de Angola.
Identifiquei-me de imediato com o Dick Sand. Porque este personagem era jovem, tinha aprendido a ler também aos 4 anos e passara a infância sem a presença dos pais.
Claro que o jovem herói, procurando sempre ajudar os outros, era um exemplo a seguir.
Lembro-me, ainda, que as lágrimas me bailaram no olhar quando, quase no final, o fiel Dingo morre junto ao dono. Desejei, desde logo, também vir a ter a companhia de um cão.
No entanto impressionou-me ainda a personagem do primo Benedict, cientista coleccionador de coleópteros, verdadeiro “coca-bichinhos” à descoberta da natureza, com o aspecto de um gigantesco insecto, permitindo ao escritor alargar as suas descrições científicas minuciosas, apoiadas em inúmeros nomes, em latim, das espécies animais ou vegetais.
Ou seja, depois dos desejos de ajudar os outros e de ter a companhia de um cão, vinha agora o de descobrir.
Entusiasmado li a seguir a restante colecção do mesmo autor e um dicionário Lello ilustrado.
Em consequência fiquei completamente fascinado pelas descrições de paisagens luxuriantes e longínquas, e por descobrir que existia, à superfície da Terra, uma fauna e uma flora extremamente diversificadas, e de uma grande beleza.
De tal modo que, não só desejava no futuro vir a ser biólogo para explorar lugares exóticos e descobrir animais fantásticos e plantas ainda desconhecidas, mas também iniciei pouco depois uma enorme colecção de insectos – mormente de borboletas – que caçava apetrechado de rede apropriada, nos arredores de Magoito (Sintra) onde passava férias com os meus avós.
Quando aos 6 anos ingressei na escola primária e a professora perguntava por nomes de insectos, eu respondia quase recitando o dicionário que tinha lido: “Lepisma ou peixinho-de-prata, género de “orthóptero”, que se vê nos lugares húmidos e que se alimenta dos tecidos de lã.”
Claro que com o tempo fui-me adaptando ao mundo “real” e adequando as atitudes, mas o espírito de investigar e tentar descobrir respostas racionais para explicar o até então inexplicado – ficou. Tal como nas histórias de Júlio Verne, em que no fim se explicavam, com maior ou menor rigor científico, as situações ou “phenomenos” que inicialmente pareciam mistérios insondáveis.
A Ciência e a Arte da Medicina impuseram-se, naturalmente, no meu caminho, resolvendo um impulso irresistível.
O desejo de descobrir e, ao mesmo tempo, ajudar os outros.
E… finalmente, também, vivo acompanhado por um cão.
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Vasco Trancoso
Pela influência que teve em mim. Na altura e depois.
Li-o, aos 4 anos, depois do meu avô materno me ter ensinado a ler, em regímen intensivo, pela cartilha de João de Deus.
Era uma edição antiga, onde se escrevia ainda: epocha, atmosphera, physica, methodo, etc.
Devorei avidamente as aventuras do pequeno capitão Dick Sand, a viagem fatal a bordo do baleeiro Pilgrim, e a ajuda decisiva do gigante negro Hércules e do cão Dingo na luta contra os mercadores de escravos, liderados pelo temível Negoro, no interior de Angola.
Identifiquei-me de imediato com o Dick Sand. Porque este personagem era jovem, tinha aprendido a ler também aos 4 anos e passara a infância sem a presença dos pais.
Claro que o jovem herói, procurando sempre ajudar os outros, era um exemplo a seguir.
Lembro-me, ainda, que as lágrimas me bailaram no olhar quando, quase no final, o fiel Dingo morre junto ao dono. Desejei, desde logo, também vir a ter a companhia de um cão.
No entanto impressionou-me ainda a personagem do primo Benedict, cientista coleccionador de coleópteros, verdadeiro “coca-bichinhos” à descoberta da natureza, com o aspecto de um gigantesco insecto, permitindo ao escritor alargar as suas descrições científicas minuciosas, apoiadas em inúmeros nomes, em latim, das espécies animais ou vegetais.
Ou seja, depois dos desejos de ajudar os outros e de ter a companhia de um cão, vinha agora o de descobrir.
Entusiasmado li a seguir a restante colecção do mesmo autor e um dicionário Lello ilustrado.
Em consequência fiquei completamente fascinado pelas descrições de paisagens luxuriantes e longínquas, e por descobrir que existia, à superfície da Terra, uma fauna e uma flora extremamente diversificadas, e de uma grande beleza.
De tal modo que, não só desejava no futuro vir a ser biólogo para explorar lugares exóticos e descobrir animais fantásticos e plantas ainda desconhecidas, mas também iniciei pouco depois uma enorme colecção de insectos – mormente de borboletas – que caçava apetrechado de rede apropriada, nos arredores de Magoito (Sintra) onde passava férias com os meus avós.
Quando aos 6 anos ingressei na escola primária e a professora perguntava por nomes de insectos, eu respondia quase recitando o dicionário que tinha lido: “Lepisma ou peixinho-de-prata, género de “orthóptero”, que se vê nos lugares húmidos e que se alimenta dos tecidos de lã.”
Claro que com o tempo fui-me adaptando ao mundo “real” e adequando as atitudes, mas o espírito de investigar e tentar descobrir respostas racionais para explicar o até então inexplicado – ficou. Tal como nas histórias de Júlio Verne, em que no fim se explicavam, com maior ou menor rigor científico, as situações ou “phenomenos” que inicialmente pareciam mistérios insondáveis.
A Ciência e a Arte da Medicina impuseram-se, naturalmente, no meu caminho, resolvendo um impulso irresistível.
O desejo de descobrir e, ao mesmo tempo, ajudar os outros.
E… finalmente, também, vivo acompanhado por um cão.
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Vasco Trancoso
(Texto anteriormente publicado num suplemento da Gazeta das Caldas,
organizado por Isabel Castanheira)
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COMENTÁRIOS
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João Ramos Franco disse...
Que bem recordo JÚLIO VERNE, por acaso o que cita não tenho a certeza se li, mas muitos me vêem à memória assim de repente: Miguel Strogoff, O Correio do Czar, Vinte Mil Léguas Submarinas, etc…
Que bem recordo JÚLIO VERNE, por acaso o que cita não tenho a certeza se li, mas muitos me vêem à memória assim de repente: Miguel Strogoff, O Correio do Czar, Vinte Mil Léguas Submarinas, etc…
Não os li aos 4 anos de idade, mas aí pelos 8 devo ter começado a lê-lo, fazia parte da biblioteca do meu pai e, no aspecto da leitura, ele foi o orientador na passagem da banda desenhada para todo resto leitura da juventude, tentando sempre equilibrar os meus hábitos literários.
Os temas actuais do Blogue, para a geração estudante anterior à televisão, como eu, fazem-me reviver na memória, à medida que cada um de vós vai recordando as vossas leituras, o tanto que li e a compreensão existente dos temas escolhidos por cada um.
João Ramos Franco
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São Caixinha disse:
Que feliz encontro de circunstâncias, o de um avô ávido em ensinar, de um neto com invulgares capacidades para aprender e de um livro que correspondia a uma paixão por descobrir! Mas a vida também têm destas surpresas!!!
A narrativa evoca a magia e a ternura daqueles momentos e não me é dífil imaginar como deveria ter sido excitante a leitura deste primeiro livro!
Óptimo texto, os meus parabéns!São Caixinha
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jorge disse...
muito precoces estas leituras deste autor...tambem li j verne mas mais tarde,aventuras fantásticas cheias de previsões acertadas sobre o futuro.ainda alguém lê "a volta ao mundo em oitenta dias" ou "as vinte mil léguas submarinas"?abraço.jorge
muito precoces estas leituras deste autor...tambem li j verne mas mais tarde,aventuras fantásticas cheias de previsões acertadas sobre o futuro.ainda alguém lê "a volta ao mundo em oitenta dias" ou "as vinte mil léguas submarinas"?abraço.jorge
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JJ disse...
Júlio Verne é sem dúvida um dos autores comuns a gerações sucessivas de adolescentes do século XX.A irresistível combinação de aventuras,divulgação e antecipação científica fizeram dele um dos mais traduzidos e publicados escritores de sempre.
JJ disse...
Júlio Verne é sem dúvida um dos autores comuns a gerações sucessivas de adolescentes do século XX.A irresistível combinação de aventuras,divulgação e antecipação científica fizeram dele um dos mais traduzidos e publicados escritores de sempre.
Era imprescíndivel a inclusão da sua obra entre os autores e os livros da nossa juventude e agradeço por isso ao Vasco este contributo,embora aguarde um outro sobre a música da sua juventude. JJ
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Isabel X disse...
Fico a pensar: não fará mal aprender a ler aos quatro anos, ainda para mais em "regimen intensivo", mesmo que pela cartilha de João de Deus, e tendo o próprio avô como professor? E mais: após tão precoce aprendizagem, ler, ainda aos quatro anos, um livro intitulado "Um Herói de 15 anos" (veja-se a diferença de idades!) e, não só compreender o que se leu, como tornar a mensagem nessa leitura contida, em lema da própria vida? Parecem-me opções tomadas muito precocemente, não sei!
Fico a pensar: não fará mal aprender a ler aos quatro anos, ainda para mais em "regimen intensivo", mesmo que pela cartilha de João de Deus, e tendo o próprio avô como professor? E mais: após tão precoce aprendizagem, ler, ainda aos quatro anos, um livro intitulado "Um Herói de 15 anos" (veja-se a diferença de idades!) e, não só compreender o que se leu, como tornar a mensagem nessa leitura contida, em lema da própria vida? Parecem-me opções tomadas muito precocemente, não sei!
Para além destas preocupações, quero dar os parabéns ao Vasco por tão interessante texto, pelas invulgares capacidades que nele revela e pela coerência em que tem vivido desde os quatro anos de idade!
- Isabel Xavier -
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VT disse...
Agradeço as palavras da Isabel Xavier mas não há razão para se preocupar tanto porque acabei por me integrar naturalmente no mundo das outras crianças e adolescentes e a coerência que foi surgindo ao longo da minha vida não teve que ver apenas com as páginas de um livro.
Agradeço as palavras da Isabel Xavier mas não há razão para se preocupar tanto porque acabei por me integrar naturalmente no mundo das outras crianças e adolescentes e a coerência que foi surgindo ao longo da minha vida não teve que ver apenas com as páginas de um livro.
VT
6 comentários:
Que bem recordo JÚLIO VERNE, por acaso o que cita não tenho a certeza se li, mas muitas me vêem à memória assim de repente: Miguel Strogoff, o correio do czar, Vinte Mil Léguas Submarinas, etc… Não os li aos 4 anos de idade, mas aí pelos 8 devo ter começado a lê-lo, fazia parte da biblioteca do meu pai e no aspecto da leitura ele foi o orientador na passagem da banda desenhada para todo resto leitura da juventude, tentando sempre equilibrar os meus hábitos literários.
Os temas actuais do Blogue, para a geração estudante anterior à televisão, como eu, fazem-me reviver na memória á medida que cada um de vós vai recordando as vossas leituras, o tanto que li e a compreensão existente dos temas escolhidos por cada um.
João Ramos Franco
muito precoces estas leituras deste autor...tambem li j verne mas mais tarde,aventuras fantásticas cheias de previsões acertadas sobre o futuro.ainda alguém lê "a volta ao mundo em oitenta dias" ou "as vinte mil léguas submarinas"?abraço.jorge
Júlio Verne é sem dúvida um dos autores comuns a gerações sucessivas de adolescentes do século XX.A irresistível combinação de aventuras,divulgação e antecipação científica fizeram dele um dos mais traduzidos e publicados escritores de sempre.
Era imprescíndivel a inclusão da sua obra entre os autores e os livros da nossa juventude e agradeço por isso ao Vasco este contributo,embora aguarde um outro sobre a música da sua juventude. JJ
Fico a pensar: não fará mal aprender a ler aos quatro anos, ainda para mais em "regimen intensivo", mesmo que pela cartilha de João de Deus, e tendo o próprio avô como o professor? E mais: após tão precoce aprendizagem, ler, ainda aos quatro anos, um livro intitulado "Um Herói de 15 anos" (veja-se a diferença de idades!) e, não só compreender o que se leu, como tornar a mensagem nessa leitura contida, em lema da própria vida? Parecem-me opções tomadas muito precocemente, não sei!
Para além destas preocupações, quero dar os parabéns ao Vasco por tão interessante texto, pelas invulgares capacidades que nele revela e pela coerência em que tem vivido desde os quatro anos de idade!
- Isabel Xavier -
Agradeço as palavras da Isabel Xavier mas não há razão para se preocupar tanto porque acabei por me integrar naturalmente no mundo das outras crianças e adolescentes e a coerência que foi surgindo ao longo da minha vida não teve que ver apenas com as páginas de um livro.
VT
Magnífico texto sobre esta grandiosa obra.
Fico o convite para todos participarem e visitarem o blog e fórum dedicado a este escritor francês:
www.jvernept.blogspot.com
Cumps
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