ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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1955

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1955 , por Vasco Trancoso


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Enganava-me quando no início de 1955 julgava que iria ser um ano sem diferenças significativas dos imediatamente anteriores.
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No reino de Salazar tinha tomado posse, como Chefe do Estado, o General Craveiro Lopes - após a morte (1951) do General Carmona. Os lares modernizavam-se com o plástico - que iniciava aqui a sua invasão pelo mundo. Desde a “fórmica” laminada e colorida para todo o mobiliário até aos gira-discos, gravadores, electrodomésticos ou adereços de moda – tudo se começou a plastificar. Não existia a consciência das consequências ambientais que acabariam por se verificar na actualidade.

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Por outro lado desenvolvia-se um novo tipo de consumismo: o dos electrodomésticos. Sucediam-se as campanhas publicitárias de máquinas de lavar ou encerar, para fazer sumos de frutas (substituindo os manuais “passe-vite”), de frigoríficos ou de rádios “com “nova onda de FM”. A publicidade começou a tornar-se mais competitiva e com novas regras de “marketing” adoptadas pelas marcas de então: Frigidaire, Philco, Philips, Nordmende, Hoover, etc. Esta publicidade era patente nos órgãos de comunicação existentes: a rádio e os jornais.
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Na imprensa diária existiam: o Século, o Diário de Notícias e a Vida Mundial. Mas publicavam-se ainda: a “Modas e Bordados” para as senhoras (às 4as Feiras); a “Plateia” com notícias sobre filmes – que os espectadores podiam apreciar, desde 1950, com projecção em Cinemascópio; a revista brasileira para as senhoras “Capricho”, desde 1952, com histórias, contadas com sequências de desenhos e mais tarde de fotos, e Corin Tellado era a rainha das novelas (faleceu este ano em Abril com 81 anos). Semanalmente saíam: ao sábado o “Século Ilustrado” e a “Flama” (com uma secção infantil denominada “Papagaio”), ambas revistas de actualidade nacional e internacional – recheadas de fotografias. Os jovens aguardavam sofregamente o aparecimento do “PIm-Pam-Pum” e do “Mundo de Aventuras” às 5as Feiras (Agência Portuguesa de Revistas), e do “Cavaleiro Andante” ao sábado (dirigido por Adolfo Simões Muller).

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No Cavaleiro Andante eram lidas avidamente as aventuras de Tarzan, do Tintim e do Professor Mortimer (sobretudo a sua luta contra o “Marca Amarela”) enquanto no M. Aventuras acompanhávamos o Flash Gordon, o Príncipe Valente (uma das BDs mais bem executadas de sempre – por Harold Foster que estudava o traje medieval antes de o desenhar), Mandrake, Serafim e Malacueco, Johnny Hazard, Brick Bradford, o Fantasma, Cisco Kid, Luis Euripo, etc.

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Claro que se fazia sentir o “filtro” da Censura de então que, em relação aos jovens, elogiava os “bons costumes caseiros” em vez da moda dos “Teddy Boys que surgira em Londres, porque estes dançavam o “creep” e eram acusados de delinquência. Na banda desenhada ia-se ao ponto de alterar a história e os personagens (Luis Euripo boxeur português era na história original Big Ben Bolt e americano).

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Ao espreitarmos as páginas do Século Ilustrado e da Flama davamos conta, através dos anúncios, que:
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Pitralon e Acqua Velva eram essenciais para quem fazia a barba com Gillete Azul. As senhoras deviam usar produtos Ponds ou Tokalon, depilar-se com Taky e frequentar os salões de Madame Campos ou Semedo para manterem a beleza, até porque o Tide lavava e as donas descansavam enquanto o Omo lavava mais branco. Aliás as senhoras eram certamente todas elegantes porque a obesidade parecia ter os dias contados com Obesyl, apesar das sopas Maggi e Knorr terem sido apresentadas como novidade e das Margarinas Vaqueiro e Chefe começarem a fazer parte da culinária dos portugueses onde pontuava a 35ª edição do Livro de Pantagruel.
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As ceras Johnnson e Galo deixavam os soalhos perfumados e a fragrância mais vendida, para senhora, era Femme de Marcel Rochas – que morre nesse ano aos 53 anos.
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Para os dentes a pasta medicinal Couto, Kolynos e Gibbs com clorofila eram as marcas mais citadas.

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O Creme Nívea e o Talco Ausónia faziam parte das casas de banho modernas onde tinham lugar os sabonetes: Feno de Portugal, Musgo Real, Patti e Lux (1 de cada 10 estrelas usavam), enquanto se afugentavam resfriados com pastilhas Aspro ou Mentholatum, as doenças de estômago não existiam com Magnésia Bisurada e Pó Maclean, os pés cansados beneficiavam com Saltratos, os sais de frutos Eno curavam tudo e o Fósforo Ferrero resolvia o problema a qualquer candidato a Alzheimer. Rejuvenescia-se com Histodine ou Apiserum e Kiniol resolvia as quedas de cabelo (pintados com Syrial) mais renitentes.

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Aprendíamos que os adultos deviam beber vermute Cinzano ou Martini e ainda Chá Natterman ou Nescafé sem cafeína para dormirem suavemente em colchões Dunlopillo, e as crianças só teriam um crescimento saudável com Milo, Toddy, Ovomaltine, Leite em pó Nido ou farinhas Amparo e Predilecta. Salsichas da Aveirense ou pudim Royal também eram opção e a Larangina C e a Compal começavam a competir para nos refrescar.

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Ficávamos seduzidos com os novos modelos: Consul, Zephyr, Anglia Prefect, Taunus 15M e Vedette Versailles da Ford e os novos Fiat 600 e 1100, ao mesmo tempo que desejávamos escrever com a nova Parker 51 (com tinta Quink) enquanto a Robbialac pintava por todo o país. Surgiam também muitos anúncios com cursos por correspondência (Rádio, Mecânica Automóvel, Línguas, etc). No entanto espantávamo-nos com o do Charles Atlas que prometia, gratuitamente, transformar o corpo de um magricela num super musculado (como o dele) atleta, com o seu método de “tensão dinâmica”. Divertiam-nos, ainda, as caricaturas do Amigo da Onça executadas, no “Cruzeiro”, por Millor Fernandes (com pseudónimo de Vão Gogo) e íamo-nos inteirando, pelos jornais, de alguns eventos mais relevantes.
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Assim, Craveiro Lopes para além de inaugurar a estátua de Malhoa nas Caldas, visitou a Rainha de Inglaterra e viajou também para a Guiné e Cabo Verde onde se sentia já algum vento de revolta, não conseguindo evitar, porém, uma primeira tentativa de invasão de Goa, Damão e Diu pelos “Satyagrha”, que os jornais portugueses apelidavam de selvagens, nem os acontecimentos nas ex-colónias que surgiriam em 1961. Salazar faz uma remodelação ministerial colocando o Professor Marcelo Caetano como novo Ministro da Presidência.
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Paralelamente organizavam-se festas elegantes na “boite” Tágide em Lisboa (abrilhantadas pelo cantor brasileiro Odille Odilon) ou no Casino Estoril, e a Feira Popular continuava a realizar-se em Palhavã (hoje jardins da F, Gulbenkian) onde apresentava a novidade do poço centrífugo e se faziam fotos de família com máquinas Kodak Brownie ou Retina.

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Sabíamos que as experiências atómicas americanas continuavam apesar do anúncio de que a “guerra fria” acabara após mais um encontro dos “4 grandes” representados por Einsenhower, Faure, Eden e Bulganin. Churchill pedia a demissão aos 80 anos, Péron era deposto na Argentina, Kubitschek subia ao poder no Brasil e o Dalai Lama estava há 4 anos no exílio.

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Mas distraíamo-nos lendo o que acontecia às estrelas de cinema: Zsa Zsa Gabor ia a caminho do 4º casamento, Debbie Reynolds casava com Eddie Fisher, Lucia Bosé dava o nó com o toureiro Dominguin, Gordon Scott era o novo Tarzan da tela, Amália interpretava A Severa no Monumental e, apesar da beleza de Gina Lollobrigída e de Sofia Loren os olhares voltavam-se para uma nova “star” europeia que dava os primeiros passos no cinema e que iria influenciar a moda: Brigitte Bardot. Nesse ano o filme “Marty” ganhava a Palma de Ouro em Cannes, Pablito Calvo comovia-nos com o filme “Marcelino Pão e Vinho” e as vozes de Alberto Ribeiro e Luis Piçarra continuavam a encantar o público feminino.
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O mundo seguia também com atenção os amores impossíveis da Princesa Margarida com o coronel Townsend (porque este era divorciado) e o drama da princesa Soraya que não conseguia dar um herdeiro ao Xá da Pérsia.

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Manuel dos Santos e Diamantino Viseu faziam a felicidade dos aficcionados, o pugilista Rocky Marciano conquistava o título mundial de pesados e Portugal ganhava mais uma vez o Torneio de Hoquei em patins de Montreux. No automobilismo Stirling Moss atacava o reinado de Juan Manuel Fangio e Alves Barbosa empurrado por populares perdia para Ribeiro da Silva, a volta a Portugal em bicicleta.

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Nesse ano, em que se comemorou na Sociedade Nacional de Belas Artes, o centenário de Malhoa, morriam: Carmen Miranda (41 anos), Calouste Gulbenkian, Thomas Mann, Einstein aos 76 anos, Flemming (73 anos) e anunciava-se a vacina contra a Poliomielite.

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Os cientistas erravam, em 1955, quando previam que o homem pusesse o pé na lua, pela 1ª vez, em 1977 e que as calotes polares estariam totalmente derretidas, com o aquecimento global, dentro de 500 anos.
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Mas um dos eventos mais importantes do ano, sobretudo analisado agora, foi o aparecimento da televisão em Portugal com as primeiras experiências nas Feiras Populares (Lisboa e Porto) e a criação da RTP (as emissões regulares só se iniciariam dois anos depois). Como todos sabemos agora a televisão viria alterar muito os nossos hábitos com consequências sociológicas inimagináveis naquele ano de 1955. As pessoas passaram a telesintonizarem-se e a telesonharem. A convivialidade diminuiu, bem como a ida ao Cinema e Teatro, a publicidade
tornou-se ainda mais invasiva e condicionante, e os Bancos começaram a substituir os cafés tradicionais. Uma nova ordem bancária começava o seu caminho para o “Crash”.
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A outra situação importante viveu-se a nível musical em consequência de vários factores:
As Sociedades de Recreio despertavam e animavam-se com um maior número de “bailes” devido ao aparecimento de uma grande novidade. O disco de 45 rotações que permitia o acesso mais democrático aos êxitos musicais.

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Ao mesmo tempo os jovens seguiam a moda ditada por figuras como Marlon Brando com casaco de cabedal e de James Dean com óculos Ray-Ban e jeans (morre nesse ano depois de fazer a Este do Paraíso, ao volante do seu Porche) e começam a ouvir uma música marcada por um ritmo novo: o Rock´n Roll.

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Num ano em que faziam êxito canções calmas e românticas como: A Blossom Fell (Nat King Cole), Only You e Great Pretender (Platters) e It´s Magic (Doris Day) … Surgiu o contraste “explosivo” de… Rock Around the Clock interpretado por Bill Halley.
Canção composta por Max Freedman e James Myers, em 1952, foi gravada por Bil Halley em Abril de 1954 e publicada como lado B de um 1º disco, pretendendo integrar a banda sonora de um filme com o mesmo nome. No entanto torna-se emblemática no filme de 1955: “Blackboard Jungle” intitulado, não por acaso, pela Censura portuguesa como “Sementes de Violência”.
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Os jornais portugueses classificam o Rock´n Roll como dança “animalesca” e procuram conotar a música com uma “Juventude delinquente, transviada e rebelde”, fazendo ao mesmo tempo a apologia das virtudes da valsa ou do pasodoble… Foi mais uma batalha perdida pelo regime salazarista, tendo sido entendida por muitos como conflito de gerações.

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Sendo certo que o Rock´n Roll não começou com Rock Around the Clock, pois as suas raízes remontam a anos antes - no fermento do Rythm and Blues (e essa é outra história interessante que já não cabe aqui), foi no entanto esta canção que estabeleceu o contacto definitivo do Rock´n Roll com a Juventude, despertando-a não só para um ritmo que não conhecia, mas também para trilhar, eventualmente, caminhos mais libertários. De facto o Rock´n Roll acabava por ser uma maneira de contestar “o mundo injusto que os mais crescidos criavam”.

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Embora não sabendo ainda que não conseguiria modificar o mundo, nesse Verão, de 1955, tentei compor o cabelo com Brylcreem e usei a minha primeira água-de-colónia (antes só sabonetes): Lavanda Ach. Brito (em 1958 iria ser destronada pelo Tabac da Fabergé e hoje é uma péssima imitação do original) e fui ouvir o disco do Bill Halley, a uma festa, com um grupo de amigos, dado que um deles tinha conseguido trazê-lo dos EUA (só chegaria a Portugal, uma 1ª remessa de apenas 25, em Janeiro de 1956).

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Ia com estrelas no olhar e um sorriso mágico. Acreditava que era o 1º dia de um novo mundo melhor que começava.
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Vasco Trancoso

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