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Eduardo Prado Coelho
em "Público"
16 de Maio de 2006
escreveu :
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Perdi a praia de São Martinho do Porto, a praia dos primeiros namoros. Não a reconheço, porque fui reencontrá-la massacrada por uma urbanização selvagem e incomodativa. Encontrei a Foz do Arelho.
Perdi a praia de São Martinho do Porto, a praia dos primeiros namoros. Não a reconheço, porque fui reencontrá-la massacrada por uma urbanização selvagem e incomodativa. Encontrei a Foz do Arelho.
Infelizmente também a Foz do Arelho está, entretanto, “a saque”. Basta olhar o que se passa com as construções na zona da Rotunda junto ao Mar para o perceber. Dizem-me que até há ali ilegalidades, eu não sei, não estudei o assunto, nem quero entrar aqui numa discussão técnica sobre urbanismo. Mas qualquer observador casual, munido apenas do mais elementar bom-senso, verificará, sem dificuldade, que aquilo que ali se passa é um atentado à Foz do Arelho e a todos nós, a que assistimos calados. Mas não é só aí, embora toda essa encosta seja, talvez, o pior . Será possível? Onde estão os amantes da Foz, alguns dos quais se pronunciaram aqui nos últimos dias?
Eduardo Prado Coelho já tinha escrito sobre S. Martinho do Porto noutra ocasião e eu fui à procura e encontrei o seu texto. É uma boa introdução para termos aqui, na próxima semana, mais três artigos relacionados com S. Martinho do Porto, todos eles de frequentadores e amantes dessa praia, que farão boa companhia à excelente resposta que a Isabel Xavier, brincadeiras à parte, me enviou, e eu publiquei, há dias.
Todas estas memórias serão importantes se nos permitirem olhar para o que se fez (e está a fazer) e tentar impedir que o “progresso” e o “futuro” sejam, em qualquer dos dois locais, um aglomerado de betão a esmagar o areal.
Já escrevi seguramente demais, deixo-vos com o EPC. JJ
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Os Amantes da Baía
Por EDUARDO PRADO COELHO
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2004
É possível que eu projecte sobre a recordação da praia de São Martinho do Porto imagens que nunca existiram - que a praia seja a praia onde eternamente somos, numa adolescência deslumbrada e sem fim.
Os Amantes da Baía
Por EDUARDO PRADO COELHO
Quinta-feira, 29 de Janeiro de 2004
É possível que eu projecte sobre a recordação da praia de São Martinho do Porto imagens que nunca existiram - que a praia seja a praia onde eternamente somos, numa adolescência deslumbrada e sem fim.
Todas as manhãs corríamos à janela para ver se o tempo estava bom. Mas, enquanto chegavam notícias de que o país era banhado por um sol esplendoroso, São Martinho obstinava-se em ter uma bruma matinal, húmida e fria. "É um microclima", dizia o meu pai. É verdade que por volta do meio-dia desencadeavam-se uns ventos impiedosos que varriam as nuvens e clareavam os céus. Mas o vento instalava-se às vezes de um modo tão intenso que a boca se enchia de uma areia fina, os jornais voavam, os toldos voltavam-se sobre si próprios, as mães vestiam as crianças com casacos de malha. "É um microclima", comentava o meu pai. Mas gostávamos daquele jogo das escondidas com o calor e o sol. Gostávamos de andar com os pés a chapinhar ao longo da baía até chegar às dunas. Gostávamos da rua dos cafés, de subir até ao Facho, de ir a um bar na Nazaré ou de comer pão-de-ló em Alfazeirão, ou javali num restaurante popular da estrada para as Caldas. Gostávamos das mesas nocturnas onde a nobreza doutros tempos e a grande burguesia se lamentava das desgraças do 25 de Abril e chamava "crise" às tostas mistas com que alguns se alimentavam. Gostávamos de andar pelos montes, de ir à capela para ver o pôr do Sol.
Num dos poemas que Luís Miguel Cintra escolheu para dizer num livro-disco dedicado à poesia do Ruy Belo (e publicado pela Assírio e Alvim), podemos ler versos que evocam esta espécie de estado de graça em que a felicidade vinha do lado do mar:
"O tempo das suaves raparigas
é junto ao mar ao longo da avenida
ao sol dos solitários dias de Dezembro
Tudo ali pára como nas fotografias
É a tarde de Agosto o rio a música o teu rosto
alegre e jovem hoje ainda quando tudo ia mudar."
E mais adiante:
"Somos crianças feitas para grandes férias
pássaros pedradas de calor
atiradas ao frio em redor
pássaros compêndios de vida
e morte resumida agasalhada em asas
Ali fica o retrato destes dias
gestos e pensamentos tudo fixo
(...)
o tempo é a maré que leva e traz
o mar às praias onde eternamente somos
Sabemos agora em que medida merecemos a vida."
Sei apenas que São Martinho do Porto é hoje um lugar estragado pela improvisação, o comércio cego, o mau gosto, a leviandade. O que podia ter sido uma praia encantada é um desastre em todos os aspectos. O ministro Theias - que se confessa "um amante da baía", porque nesta praia passou 18 anos de férias - promete apoiar o projecto de reabilitação de Gonçalo Byrne apresentado pelo presidente da Câmara de Alcobaça, Gonçalo Sapinho. Será desta?
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