ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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O PROFESSOR

por João Jales
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Li com grande prazer as memórias do Dr. Jaime Serafim, relatando a sua passagem pelo Colégio na década de 50. Ele foi um dos melhores professores que tive no Externato Ramalho Ortigão depois do seu regresso, desta vez como professor, em 1964 e que coincidiu com a minha entrada no 1º Ano. Lembro-me do seu brio profissional (nunca o vi dar uma aula sem estar seguro da matéria), capacidade para transmitir os seus conhecimentos (vi-o explicar a mesma coisa de duas e três formas diferentes) e gosto por dar aulas (ao contrário de outros professores, ele apreciava o protagonismo do estrado). Um professor empenhado.
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Conheci um episódio que mostra o que afirmo e de que, passados tantos anos, poucos se lembrarão. Estou por isso certo que nenhum dos intervenientes levará a mal a sua divulgação.
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Um dos últimos sétimos anos do ERO teve como alunos o Manuel e a Teresa. Ambos bons alunos, com passagens pelo quadro de honra do Colégio, durante grande parte dos sete anos que o frequentaram. O Manuel, provavelmente pelas solicitações da idade e um espírito inquieto, começou mal esse ano, mais interessado nas matérias da boa vida que nas matérias de estudo… A Teresa esteve doente, não sei exactamente com quê, mas isso prejudicou-lhe o rendimento, principalmente nas cadeiras de Físico-Químicas e Matemática, em que a compreensão das matérias anteriores era fundamental para a evolução dos conhecimentos.
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Os dois jovens tinham sido namorados no ano anterior, zangando-se no Verão por um daqueles motivos idiotas típicos da idade, sendo a simultaneidade dos maus resultados uma coincidência, já que não mantinham qualquer contacto (contam os colegas que nem se falavam!).
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Nas disciplinas de Ciências Naturais, OPAN, Filosofia e Geometria Descritiva foi possível a ambos recuperar com mais ou menos dificuldade, estudando um pouco mais no segundo período, embora obtendo notas mais baixas do que o habitual.
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O professor de Físico-Química e Matemática era o mesmo (Dr. Serafim) e teve com ambos uma longa conversa. Conhecendo-os bem, decidiu dar-lhes uma nota que lhes permitia ir a exame à primeira cadeira, baseado em que acreditava que com um pequeno esforço no terceiro período ficariam aptos; mas não a Matemática, em que ele achava não ser possível nenhum deles recuperar um atraso tão grande, já que tinham problemas para resolver noutras cadeiras. Tinham que anular a matrícula e pensar fazê-la na 2ª época, em Setembro.
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Não sei bem o que aconteceu nessa Páscoa entre o Manuel e a Teresa mas o frio silêncio dos meses anteriores transformou-se, de novo, num apaixonado romance. Só eles saberão o turbilhão de palavras, sentimentos, recriminações, recordações e alegrias que foram essas férias. Todos (famílias, professores, colegas) se convenceram que esta relação iria arruinar definitivamente o ano escolar de ambos. E era natural que assim acontecesse, imaginem o impacto deste reencontro, após meses de afastamento e fingida (e sofrida) indiferença, tendo os intervenientes dezassete anos.
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Mas, inesperadamente, talvez reencontrando um equilíbrio emocional que lhes faltava, o terceiro período correu-lhes bem e, embora não fazendo Matemática, ambos passaram às outras cinco disciplinas com boas notas, dispensando da quase totalidade das orais.
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As famílias, apesar de tudo aliviadas, foram falar com o Dr. Serafim no sentido de garantir orientação no estudo de Matemática durante o Verão. Ele aceitou, mas não admitiu que esse trabalho fosse pago, e foi marcado um mapa com uma ou duas explicações semanais, ninguém recorda bem esse pormenor.
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Mas o Manuel era um espírito inquieto,
como já disse, e o Verão trazia muitas tentações às Caldas e à Foz…
Ninguém sabe bem como, nem ele próprio, o Manuel encontrou-se nos braços de uma jovem e cosmopolita veraneante lisboeta, abandonando a Teresa, pela segunda vez num ano. Ela, apesar de naturalmente triste e abalada, continuou a ir às explicações mas ele, algo arrependido e envergonhado, não a querendo enfrentar, nunca mais lá foi… Passadas duas ou três semanas, o Dr. Serafim, estranhando a ausência do Manuel, e sabendo certamente alguma coisa pela Teresa, procurou-o e falou com ele, dizendo-lhe que, mesmo não indo às explicações, tinha que seguir o plano pré-estabelecido de estudos ou seria obrigado a dizer aos pais o que se passava. E lá teve o Manuel que ir a casa do bom do professor uma dúzia de vezes, à noite, depois de jantar, mostrar os exercícios e problemas que ia fazendo, conferir a correcção e receber novas orientações de trabalho. A Teresa continuou, sozinha, o plano inicial das explicações diurnas.
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Em relação a todo este caso o Dr. Serafim actuou bem para lá da sua obrigação, adaptando a sua capacidade pedagógica a circunstâncias que outros teriam ignorado. Ao longo do ano, incluindo as férias de Verão, teve razão em todas as análises, intuição para a melhor solução e capacidade e empenhamento para “obrigar” os alunos a adoptá-la.
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Eu fui seu aluno sete anos e tive sempre boas notas nos exames das suas disciplinas (2º, 5º e 7º Ano). Mas não é por isso, e sim pelas qualidades de professor que lhe reconheço, e atrás afirmei, que decidi aqui recordar um episódio que as ilustra.
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Ah, é verdade, esqueci-me da Teresa e do Manuel: reencontraram-se apenas em Leiria no exame de Matemática, em Setembro, obtendo ambos a mesma nota (catorze) e dispensando da oral. Rara e fugazmente se voltaram a ver ou falar durante os últimos quarenta anos.
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João Jales
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A ilustração é um postal da colecção do Miguel Chaby,
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COMENTÁRIOS
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João Ramos Franco disse...
A imagem que retratas do Dr. Jaime Serafim é-me grata em todas as vertentes que possas colocá-la,o meu colega, o homem e o teu Professor...
João Ramos Franco
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Luis disse...
A imagem que eu tenho do Dr. Serafim corresponde ao que é aqui descrito.Sem datas é difícil saber mais sobre esta história,só provavelmente os colegas de turma poderão identificar o casal de namorados.Os namoros desta altura eram feitos de encontros,desencontros e reencontros.
Todos conhecemos romances destes mas não os sabemos contar assim:a deixar este sabor amargo e doce quando a história acaba de ser contada.....Luis
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Julinha disse:
O João relata-nos mais uma situação referente ao Dr. Serafim, e muito bem como já é seu hábito. Obrigada, gostei de ler!
Dia após dia,vamos tendo conhecimento de episódios que o retratam de tal maneira que cheguei à conclusão que não conhecia o Dr. Serafim ... Há pessoas formidáveis e ele é uma delas.
Custou a chegar ao blog mas, com toda a sua força, estímulo, vontade e memória permitiu-me conheçê-lo melhor e contactar mais de perto com uma pessoa tão especial como o senhor.
Muito Obrigada,Dr.Serafim por me ter proporcionado momentos inesquecíveis.
Um grande beijinho. Júlia R
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Anabela disse:
Eu aposto que conheço os personagens da história mas já que o autor prefere usar nomes fictícios não sou eu quem vai revelá-los...
Nem é preciso dizer que o romance é bem contado - parabéns ao JJ!!! - e que o Dr. Serafim era um grande professor, que fazia sempre o melhor pelos seus alunos, embora eu nessa altura já não o tivesse como professor.
Toda esta série sobre os professores foi uma boa ideia e foi muito participada por muita gente. Qual é a próxima???
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Laura Morgado disse:
João
Como já vai sendo hábito é um encanto ler os teus textos, tens a arte de cativar o leitor.
O teu professor de Físico-Química e Matemática (Dr. Serafim) foi também meu professor, mas apenas de Físico-Química, e uns anos antes.A maneira como o retratas reporta-me às minhas aulas, ele era um professor que não deve ter deixado indiferente nenhum dos seus alunos, um Pedagogo que marcou e deixou saudades.
A história de amor entre a Teresa e o Manuel acabou como era costume naquela época.Só faltou saber se o amor de Verão do Manuel ficou “enterrado “na areia da praia ou se teve um final feliz... Oh João, será que nos podes esclarecer?
Já me esquecia, como é nostálgico o postal da Foz do Arelho daquele tempo!
Laurinha
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jorge disse...
tenho que começar pelo postal da foz que é muito bonito e me deixou a olhar para ele montes de tempo antes de começar a ler...a história mostra um professor interessado nos seus alunos,que eu conheci também assim,mas mostra outra coisa que ninguem ainda comentou:a vida que a proximidade das praias e os veraneantes que elas atraíam traziam à nossa cidade.não havia namoro caldense que aguentasse a concorrência!são estes pormenores dos contos do jj que têm sempre o condão de nos fazer regressar à época.jorge
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António disse:
Caríssimos bloguistas
Com a leitura do belíssimo texto literário e histórico do João Jales o copo de água das emoções transbordou. Porque, tal como acontece com outros blogs, não se prevê a passagem destes maravilhosos textos a papel, apesar das novas tecnologias, ainda hoje o melhor e maior meio para a divulgação do que foi o ERO e, também a melhor forma de perpetuar os famosos escritos dos antigos alunos do nosso colégio? Apesar de saber da dificuldade de passar ao prelo todos os textos, penso que deverá haver um bloguista, pelo menos um, ligado à problemática da edição livreira.
Já agora, o texto de JJ a descrever a elevada qualidade humana do nosso professor Serafim é mais um grande pilar literário da grande construção que estamos a fazer da nossa juventude.Ajudo no que puder para a passagem a livro. Espero que outros que sabem disso a potes agarrem esta ideia.
António Fialho Marcelino
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Ana Carvalho disse:
Olá João
Apreciei o artigo " O Professor ", que só agora li porque estive a fazer de avó uns diasitos enquanto os pais das crianças foram arejar... enfim coisas que nos dão imenso prazer mas que nos desviam das nossas rotinas, como ir ao blogue diáriamente por exemplo!
Concordo contigo na análise que fazes do Dr. Jaime Serafim, um belissimo professor e um excelente ser humano, como nos vem demonstrando com as estórias que chegam até nós através deste blogue.
Escusado será dizer que a qualidade do texto é excelente como já vem sendo habitual em ti, continuo a dizer que devis escrever um livro...quanto à foto , palavras para quê? A nossa Foz do Arelho é a praia mais linda do mundo e arredores!
Bjs PP
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Jaime Serafim disse:
Olá João Jales
Obrigado por tudo o que escreveu sobre mim. Sei que em boa parte é justificado pela sua simpatia e pela boa empatia que sempre tivemos um pelo outro. Nunca convivemos muito, mas mantivemos sempre um sentimento mútuo de respeito e de boa amizade.
Mas mais uma vez – e vou repetir-me – verifico que não só o Jales, como muitos outros alunos que tive, reconhecem o meu esforço e empenhamento sincero que sempre tentei pôr nas minhas actividades lectivas. Tudo o que se relacionasse com educação foi (e é) para mim um prazer. Eu sinto que nunca trabalhei, mas que a minha vida foi sempre uma sucessão de hobbies, por isso, e apesar dos muitos revezes que tive, ainda me considero uma pessoa feliz e de bem com a vida. E são testemunhos, como os seus, da Júlia, da Laura, da Manuela, da Paulinha, da Isabel, da Ana, do Jorge, do Flores e tantos, tantos mais, não esquecendo a nossa farófia (a querida Inês Querido), que me ajudam a sentir vivo e com vontade de viver.
Mas tenho ainda de lhe dizer que é um prazer enorme ler os seus textos. Muito vivos e expressivos, usando uma linguagem ricamente adjectivada, mas sem recorrer ao pretensioso, são uma leitura que nos transporta logo para cenas ao vivo com cenários e personagens a representarem para nós.
E a propósito de personagens… Eu identifiquei a Teresa e o Manuel. Só que a Teresa não se chama Teresa, nem o Manuel se chama Manuel, mas foi uma maneira inteligente de, sem se comprometer, relatar vivências juvenis daqueles tempos, que, no fundo, não são assim tão diferentes das vivências de tempos mais recentes e também de tempos mais antigos, mas têm sempre um cunho muito próprio da época e que, para os dessa idade, sabe sempre bem recordar, especialmente se essa recordação for evocada de forma tão brilhante.
Obrigado e parabéns, Jales!
Jaime Serafim

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António disse:
Caríssimos bloguistasCom a leitura do belíssimo texto literário e histórico do João Jales o copo de água das emoções transbordou. Porque, tal como acontece com outros blogs, não se prevê a passagem destes maravilhosos textos a papel, apesar das novas tecnologias, ainda hoje o melhor e maior meio para a divulgação do que foi o ERO e, também a melhor forma de perpetuar os famosos escritos dos antigos alunos do nosso colégio? Apesar de saber da dificuldade de passar ao prelo todos os textos, penso que deverá haver um bloguista, pelo menos um, ligado à problemática da edição livreira.Já agora, o texto de JJ a descrever a elevada qualidade humana do nosso professor Serafim é mais um grande pilar literário da grande construção que estamos a fazer da nossa juventude.Ajudo no que puder para a passagem a livro. Espero que outros, que sabem disso "a potes", agarrem esta ideia.
António Fialho Marcelino
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São Caixinha disse:
Estive uma boa semana sem acesso à internet e olha...tive que organizar uma tarde para poder "cacht up"...telefones sem som... cafézinho... "absolute blog"... e que prazer!
Li com muito interesse o teu texto sobre o Dr. Serafim que nos reafirma com quanto empenho e dedicação ele se entregava à sua função de professor... simultanêamente consegues mais uma vez deliciar com uma outra estória de encontros e desencontros de adolescentes apaixonados! Excelente.

4 comentários:

João Ramos Franco disse...

A imaagem que retratas do Dr. Jaime Serafim é me grata em todas as vertentes que possas colocá-la,o meu colega, o homem e o teu Professor...
João Ramos Franco

Anónimo disse...

A imagem que eu tenho do Dr. serafim corresponde ao que é aqui descrito.
Sem datas é difícil saber mais sobre esta história,só provavelmente os colegas de turma poderão identificar o casal de namorados.Os namoros desta altura eram feitos de encontros,desencontros e reencontros.Todos conhecemos romances destes mas não os sabemos contar assim:a deixar este sabor amargo e doce quando a história acaba de ser contada.....Luis

Anónimo disse...

Eu aposto que conheço os personagens da história mas já que o autor prefere usar nomes ficticios não sou eu quem vai revelá-los...Nem é preciso dizer que o romance é bem contado- parabéns ao JJ!!!-e que o dr. Serafim era um grande professor, que fazia sempre o melhor pelos seus alunos,embora eu, nessa altura já não o tivesse como professor.Toda esta série sobre os professores foi uma boa ideia e foi muito participada por muita gente.Qual é a próxima???Anabela

jorge disse...

tenho que começar pelo postal da foz que é muito bonito e me deixou a olhar para ele montes de tempo antes de começar a ler...a história mostra um professor interessado nos seus alunos,que eu conheci também assim,mas mostra outra coisa que ninguem ainda comentou:a vida que a proximidade das praias e os veraneantes que elas atraíam traziam à nossa cidade.não havia namoro caldense que aguentasse a concorrência!são estes pormenores dos contos do jj que têm sempre o condão de nos fazer regressar à época.jorge