por Isabel Braga
O meu Pai comemorou hoje 90 anos rodeado de amigos, num almoço no Círculo Eça de Queirós, no Chiado.
Eugénio Lisboa, antigo adido cultural da embaixada de Portugal em Londres e crítico literário, fez a surpresa de comparecer e teceu um rasgado elogio às qualidades do Pai, não só humanas como literárias, sublinhando a sobriedade e concisão exemplar dos seus contos, em que não há uma palavra a mais. Recordou também o contributo para a cultura portuguesa que ele deu enquanto editor na Vértice durante cerca de vinte anos. “Tentei escrever os nomes dos autores que colaboraram na revista, nesse período, mas vinte páginas não chegavam e desisti”.
Quando o Pai estava já colocado em Lisboa, como director-geral da Divulgação, e ele necessitava de material para as novas funções que se preparava para assumir, em Londres, foi pedir-lhe ajuda. “Não esqueci, até hoje, a forma como fui recebido. Não conhecia pessoalmente o Mário Braga, mas ele foi extraordinariamente cordial e generoso. Saí do Palácio Foz carregado de livros que me foram muito úteis”, recordou.
O meu Pai gostou muito de rever Eugénio Lisboa, que reconheceu de imediato, e agradeceu as suas palavras, fazendo votos para que voltassem a ver-se dentro de “dez anos”. “É muito atrevimento, não é? Devia ter dito só um ano”. Também gostou muito de ver a sua antiga secretária, hoje com 60 anos, que atravessou meia Lisboa para ir dar um beijo ao “melhor patrão que tive em toda a vida”.
Os amigos que compareceram no almoço eram cerca de 30 e encheram o Pai de chocolates, bolachinhas para o chá, flores e sabonetes bem cheirosos. Não houve presentes de livros, que ele certamente teria preferido, mas há mais de 15 anos que não consegue ler, por sofrer de graves problemas de visão. Apesar do confinamento intelectual a que está obrigado há tanto tempo, o seu raciocínio permanece arguto e o sentido de humor também. Continua ainda a ser o mesmo mandão de sempre. Estar com ele, conversar, ouvir as suas opiniões, são um prazer, a maior parte das vezes. Não sei que mais se pode desejar de um pai com 90 anos.
O dia de hoje foi feliz, para ele e para mim, que assisti a uma homenagem muito sincera ao meu Pai. No carro, a caminho de casa, ele reconheceu isso, mas nunca foi de grandes sentimentalismos. Por isso, comentava, com um sorriso malandro: “Que grande festa me fizeram. É obra! É que ninguém tinha nada a ganhar com isto”.
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Isabel Braga
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