por Júlia Ferreira
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Para além de dar os parabéns ao Dr. Mário Braga e de lhe desejar muitas felicidades junto da família e dos amigos neste «14 juillet» (dia bonito para festejar aniversário…), gostaria de o homenagear, contribuindo para a divulgação do seu trabalho literário. Nesse sentido, transcrevo um excelente texto de Serafim Ferreira sobre a obra do aniversariante, juntamente com o desejo de a ver reeditada e acessível ao conhecimento das gerações mais jovens.Júlia Ferreira
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Mário Braga e o ensaísmo literário
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Ligado ao movimento neo-realista que despontou em Coimbra nos anos 40 e 50, e depois de ter sido editor e secretário de redacção da revista Vértice entre 1946 e 1965, Mário Braga tem uma obra que se reparte pelo conto e novela, ensaio crítico e literário, crónica e ainda no domínio do diário. Na verdade, não podia deixar de ser influenciado pelo ambiente ou posição assumida por aquela revista, que foi o órgão tutelar do movimento neo-realista, mas não espanta nada que o seu livro de estreia Nevoeiro (1944) trouxesse consigo a visão de um mundo rural e pequeno-burguês que devia transformar-se, na consabida razão de saber, como havia de proclamar no prefácio de As Ideias e a Vida (1958), que «a matéria-prima do escritor de ficção é naturalmente o homem e a realidade concreta onde este se insere vivendo», para logo acrescentar que «a arte pela arte não passa de uma utopia».
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Portanto, a partir de Nevoeiro, saudado em termos entusiásticos por Jaime Brasil, crítico literário de O Primeiro de Janeiro, que logo considerou Mário Braga como um autor que «revelava, poderosamente, a garra dos verdadeiros novelistas», ficava traçado o percurso de quem seria, na soma de muitos livros e num trajecto que pôde percorrer ao longo de cinquenta anos de constante actividade criadora, um admirável contista, que nunca enjeitara, por exemplo, a lição exemplar de Tchekov ou de Maupassant, e consolidou uma obra literária importante dentro da corrente neo-realista, onde sobressaem Serranos, Quatro Reis ou Histórias da Vila, cuja temática se pôde em grande parte confinar ao universo real e a cenários geográficos de uma Beira Litoral de profundos contrastes humanos e sociais de que sempre soube valorizar, em termos literários muito simples, a imagem mais fiel dentro dos cânones de um realismo psicológico esquemático, é certo, mas que acabaria por derivar para um plano «simbólico», como acontecera em Antes do Dilúvio ou O Reino Circular.
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Nunca deixando de intervir na vida política e cultural, como ficou bem patente nos dois volumes de As Ideias e a Vida (1965), Mário Braga tem reafirmado o seu empenho na defesa de uma literatura que apenas deve ser concebida na relação directa com a própria realidade social e económica, e no plano da crónica política, literária ou social encontrou, na última fase da obra literária, a forma mais próxima e directa de um diálogo com os seus leitores, porque no imediatismo da escrita e da publicação nas colunas do jornal o que se filtra nesse modo de comunicação é ainda esse seu propositado sentido de apontar, denunciar, testemunhar ou proclamar o que se defende, se pensa ou se combate.
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Ora, ao publicar agora Momentos Doutrinais, em que pôde seleccionar alguns dos ensaios literários antes incluídos em As Ideias e a Vida, o autor do Livro das Sombras explica que, «quanto ao título do livro, quero somente dizer que o termo “doutrinal”, que nele utilizo, não se deve tomar, de modo algum, no sentido de defesa de um conjunto de princípios em que se fundamenta qualquer sistema, seja ele religioso, político ou mesmo, sequer, filosófico. Empreguei essa palavra, tão-só, na mera acepção de um conjunto de “opiniões” a respeito de vários factos, ideias, pessoas ou obras literárias que, desde muito novo, passaram a interessar-me como estudante, escritor ou cidadão». E assim é, realmente, porque no conjunto dos textos agora reeditados sobressai essa visão pessoal de Mário Braga entender a literatura como expressão maior do que foi o seu trajecto literário e a abordagem que nunca deixou de fazer de temas e problemas para dar corpo a um conjunto de «ideias» em torno de Camilo e do realismo, das origens do romance policial, as relações entre a arte e o progresso técnico, da literatura e do cinema, mesmo das várias metamorfoses literárias, passando pelo diagnóstico do conto, que foi o modo singular e talvez o mais elevado da sua manifestação literária.
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A profunda reflexão feita em redor de temas que sempre o interessaram ou na forma pessoal de inquirir das várias razões que para Mário Braga se constituíram como «sistema» na compreensão do fenómeno literário, faz-nos reler muitos destes ensaios como a atitude coerente de quem sempre esteve na literatura sem se importar muito com as trombetas da fama, fez a sua travessia ou suportou a indiferença e o silêncio dos leitores em largos anos em que a sua obra de ficção esteve esquecida ou não foi reeditada, para a caminho dos oitenta anos de vida e mais de cinquenta como criador literário Mário Braga ter plena consciência do que vale essa obra e, na revisitação da velha questão académica de 1907 e do «reino cadaveroso», com que fecha Momentos Doutrinais, saber ainda que certas «aves de arribação, vira-casacas ou pescadores de águas turvas» permitem evocar um tempo português que, tantos anos passados sobre Abril, exige ainda uma mudança de mentalidade ou de atitude perante a vida e o mundo. Mas, sem estar a pregar no deserto, o autor deSerranos exprime de modo claro o seu exemplo de pelos caminhos da escrita utilizar a sua reflexão crítica e ensaística para uma reabilitação ou redescoberta diante dos leitores de ontem e de hoje.
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«Mário Braga e o ensaísmo literário», de Serafim Ferreira, publicado em Junho de 1988, em A Página da Educação, n.º 70 (disponível em www.apagina.pt)
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