ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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Noite extraordinária







João Bonifácio Serra





Foi arrancado ao sono por um chamado insistente. Tinha o sono pesado, próprio de um rapazito de 8 anos, e certamente levara algum tempo até despertar por completo. Agora estava sentado na cama, um pouco inquieto, quando ouviu de novo a voz que lhe pareceu da mãe. O chamado era entrecortado, como se ela respirasse com dificuldade. Abriu a porta e entrou no corredor. Viu luz no quarto dos Pais e disse: estou aqui, Mãe. A porta estava encostada mas ele não chegou a empurrá-la porque a Mãe lhe ordenou: não entres aqui, vai depressa chamar a tua Avó.

Nem um momento duvidou de que a situação era grave. Qualquer coisa naquela ordem da Mãe lhe dizia que não havia tempo a perder. Mas o problema aí estava: como ir sozinho de noite a casa dos Avós? A distância não era grande, percorrida de dia, mas àquela hora parecia-lhe impossível de vencer.

Calçou os chinelos e foi até à cozinha. Abriu a porta da rua e perscrutou a noite. Depois de jantar dera uma volta com os Pais no caminho em frente da casa. Estava uma noite quente, era Agosto, de luar cheio e luminoso. Mas, entretanto, a lua tinha-se deixado ocultar e tudo lhe pareceu impenetravelmente escuro. Desceu as escadas e tomou o caminho até às adegas e abegoarias. Ia devagar, para não sair do centro do caminho e dar tempo a que os olhos se habituassem à escuridão. Ia atento aos mínimos ruídos. Entre as abegoarias, havia um serra da estrela, preso, cuja corrente corria ao longo do pátio. Chamou-o: Tejo, sou eu, bom cão, sou eu, com medo que o animal o não reconhecesse. O Tejo surgiu de repente e deu-lhe um encontrão amigável, mas ele estremeceu de susto, antes de respirar de alívio. Havia, a seguir, uns galinheiros semi-abandonados que lhe pareceram particularmente ameaçadores. Vinha depois uma ponte, que atravessou ansioso sabendo que, ultrapassado aquele ultimo obstáculo, poderia embalar a correr na descida só parando em casa dos avós. Quando chegou aqui estava ofegante, mas recuperara a confiança. Tinha ainda de vencer um último obstáculo: ser ouvido por alguém da casa. Bateu à porta e chamou. Bateu também nos vidros e chamou.

Foi o avô, de sono mais leve, que o ouviu. Veio pela marquise, com um candeeiro a petróleo na mão, tentando ver através dos vidros quem é que estaria a chamar àquela hora. És tu, rapaz. Dize lá o que se passa (o avô era beirão e não perdera o sotaque apesar das várias dezenas de anos de aculturação estremenha). É a minha mãe, disse o rapazito. Pediu para chamar a Avó.

A Tia, solteira ainda, levantara-se também e vestira um roupão para vir à marquise. Vieste sozinho? perguntou. Rapaz corajoso, deves estar cansado. Vou-te fazer um chá de tília. Em casa daqueles avós bebia-se chá de tília a seguir às refeições e em todos os momentos em que era justificado disponibilizar algum conforto. Enquanto esperava o chá, o miúdo viu a Avó, já vestida, reunindo panos, um alguidar, diversos utensílios, antes de sair para a noite na companhia do Avô.

Agora vens comigo, ordenou a Tia. Ele sentiu-se, finalmente em sossego, naquela cama relativamente estreita com a Tia ao lado, velando pelo seu sono. Adormeceu.

Foi despertado pela vozearia no corredor. A Avó estava de regresso e sorria para ele da porta do quarto. A minha mãe? perguntou. Está bem, respondeu. E já lá tens uma irmãzita.

JBSerra
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C O M E N T Á R I O S
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Margarida Aaújo disse:
Ainda cheguei a tempo de dar os parabéns à irmãzita. Um conto real cheio de afecto de uma vida.Bj João . Guidó
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João Ramos Fanco disse:
Existem nas tuas palavras a realidade, a sensibilidade e beleza descritiva, com que relatas esta “Noite extraordinária”, no seu sentido humano.
Para ti escolhi um pensamento de Gabriel García Márquez : "Daría valor a las cosas, no por lo que valen, sino por lo que significan."
João Ramos Franco
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Jorge disse:
a história é muito bonita e bem contada... eu leio com prazer em qalquer altura, mas este dava era um bom post para o natal, não te parece? jorge
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Anabela disse:
Noite Extraordinária – mais uma vez a escrita de João Bonifácio Serra a deliciar-nos.
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Luisa disse:
É sempre um prazer ler os textos do João Serra. Parece sempre que ele tenta ser muito cuidadoso com o que escreve mas mostra sempre emoção. Este é mesmo o nascimento da irmã dele? Luisa
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João Jales disse:
Tem razão a Luisa, há sempre nos textos do Serra um "receio" de exposição pessoal que os caracteriza mas que faz parte do prazer que dá lê-los. Como se ele os esculpisse a partir de um enorme bloco de palavras até as reduzir ao mínimo essencial. Vale a pena dizer que são sempre muito bons?
Vou revelar um segredo, mas não divulguem! Há mais de onde este veio, para publicar até ao final do Verão. João Jales
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Manuela Gama Vieira disse:
Este belo conto tocou-me em especial!
Também eu, na minha adolescência, fui "tocada" pelo nascimento de um irmão!
Curiosamente,meu irmão nasceu no Montepio, nas Caldas, no dia 25 de Abril de 1966,uma segunda feira.
Mais curioso ainda, eu e mais sete colegas do ERO, nesse dia, estávamos a cumprir um dia de suspensão-ISSO MESMO-castigo aplicado pelo Director, Pe Albino, pelo facto de nos ter "apanhado"sentadas na relva, no dia 23, sábado!
Alguém se lembra dessa "exemplar" punição?
Despropocionada, parece-me, relativamente ao infringido; absolutamente "a calhar" para mim, disponível para ir ver meu irmão acabado de nascer
!!!
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Luis António disse:
( .....) Este conto também está no tal livro que te pedi? É muito bonito e está muito bem escrito.
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São Caixinha disse:
(....) As mesmas qualidades, limpidez, doçura, perfeição, a fartar-nos os sentidos, tem NOITE EXTRAORDINÁRIA do João Serra!! Admirável...e tudo isto ainda enriquecido por interessantes comentários e deliciosas fotografias! Estou aqui para ficar!! São Cx

1 comentário:

Anónimo disse...

Este belo conto tocou-me em especial!
Também eu,na minha adolescência, fui "tocada" pelo mascimento de um irmão!
Curiosamente,meu irmão nasceu no Montepio,nas Caldas,no dia 25 de Abril de 1966,uma segunda feira.
Mais curioso ainda,eu e mais sete colegas do ERO,nesse dia,estávamos a cumprir um dia de suspensão-ISSO MESMO-castigo aplicado pelo Director,P.e Albino,pelo facto de nos ter "apanhado"sentadas na relva,no dia 23,sábado!
Alguém se lembra dessa "exemplar" punição?
Despropocionada,parece-me,relativamente ao infringido;absolutamente "a calhar" para mim,disponível,para ir ver meu irmão acabado de nascer!!!