ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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As aulas do meu Sobrinho

por César Pratas


Eu sou o tio do João Serra e, face à manifestação exuberante de interesse provocada pelo seu texto “As aulas do meu Tio”, venho dizer que sim senhor, que é tudo verdade o que o João conta mas que ele cometeu, pelo menos, duas omissões na sua descrição, a saber: a primeira é que se esqueceu definitivamente que lhe tentei ensinar também o ““hula hup”” . A segunda é que se esqueceu de contar como era por ele, pessoalmente, compensado o meu tremendo esforça para o ensinar a dançar.

Naquele verão dedicado ao “twist”, à natação e também ao ”hula hup” digo eu agora para repor a verdade histórica que tanto preza ao João, o meu sobrinho deu-me várias alegrias e tristezas. Não acertava uma com nenhum dos pés na dança. Levantar os pés do chão era uma operação delicada de grande peso emocional e esforço físico a condizer. Acertar o ritmo era coisa que nenhuma batuta conseguia fazer fosse qual fosse o seu peso ou o lugar do corpo onde batesse. Em certo momento, no desconforto da situação julguei mesmo que o erro era meu e deveria ter orientado a minha docência para aulas de valsa ou de bolero, a primeira mais clássica, a segunda mais lenta. Ma o esforço era inglório. Também não posso garantir que os meus dotes de cantor e orquestra improvisados, fazendo de saxofone e bateria, clarinete ou trombone fossem suficientemente impressivos e entusiasmantes para levar o João a levantar os pés do chão. Estou convencido que não. E a verdade é que o olhar desconsolado e algumas gargalhadas da Mãe dele perante as variações muito pessoais e não autorizadas dos temas interpretados contribuíram certamente para a falta de êxito da experiência. Em desespero de causa lembrei-me ter lido algures uma teoria segundo a qual as pedras que constituem as Pirâmides tinham sido levantadas e colocadas no seu lugar com precisão milimétrica através do uso da música como força impulsionadora. Confesso que não consultei ninguém sobre o assunto, certamente por falta de tempo útil para o efeito e a verdade é que os pés do João em ar de desafio permaneciam tão agarradinhos ao chão que pareciam colados. Riam-se, de mim e do meu esforço.

Mas passemos às omissões:

Quanto à primeira omissão a verdade é que não foi só o “twist” que lhe tentei ensinar. Foi também o “hula hup” . O “hula hup”, para se dançar exigia um apetrecho de madeira ou plástico em forma de anel, de tamanho e espessura variáveis, e o objectivo era mantê-lo na cintura mediante movimentos rotativos dos quadris. A manutenção do arco nos quadris exigia certo ritmo e um movimento das ancas semelhante ao que fazem certas dançarinas árabes.

Mas as tentativas de ensinar o jovem João a usar o “arco” (como se designava vulgarmente o anel) foi uma experiência ainda mais deprimente. O maneio da cintura em evoluções com o seu quê de erótico não se quadrava bem com o olhar inquisidor dos Pais. Ainda esbocei uma “sessão de esclarecimento” avant la lettre mas devo confessar que foi um completo inêxito. Comecei a ouvir o pigarro do Pai e a ver alguns gestos bruscos da Mãe cuja interpretação mais consentânea com a amizade que a todos nos unia ia muito no sentido de “ou paras de ensinar essas coisas esquisitas ou acabas já as férias e regressas às origens” (neste caso Lisboa), porque o João não tinha que possuir tais atributos, muito mais fruto dos devaneios do tio do que da necessidade da sua educação. A decisão de retorno às origens era difícil de aceitar com o orçamento de férias esgotado, como bem sabia o João. E o proletariado sucumbiu.

Por isto e a bem do esclarecimento da relação entre os pés do João e o “hula hup” deve dizer-se que o pouco empenho do João na dança do “hula hup” estava muito mais ligado ao pouco entusiasmante apego da família aos movimentos, talvez mesmo provocatórios, senão eróticos, das ancas, do que ao peso dos seus simpáticos pés. Aí foi a interpretação conservadora do objectivo de tais movimentos das ancas que tornava insustentável a continuidade saudável das lições. E ainda que alguma benevolência por parte dos Pais do João desse acolhimento a estas arremetidas do tio, a verdade é que o maneio das ancas ultrapassava tudo o que até à data o tio tinha feito lá em casa, desde lições de dança com o tio e fazer de par feminino a lições de natação sem água e de resultados duvidosos, a torneios de ping pong que deixavam as mesas e os cortinados em mau estado tal a emoção e entrega dos jogadores.

Mas a segunda omissão, e também há que referi-lo, é que o João me compensava amplamente do meu esforço, e digamos mesmo, de algum risco. E logo que chegava ele prometia apresentar-me a algumas colegas do Ramalho Ortigão. E honrava sempre a sua promessa ou fazendo-me participar em festas de aniversário ou promovendo encontros. O Ramalho Ortigão tornou-se um ponto de referência para visita obrigatória sempre que ia às Caldas. Digamos mesmo que fui algumas vezes ás Caldas na esperança de assistir à saída das aulas do Ramalho Ortigão. pois as alunas eram uma festa para os nossos olhos. Comecei a sentir nessa altura que estudar naquele Colégio constituía um atributo que distinguia as pessoas.

A outra compensação era as caldeiradas. O João fabricava caldeiradas com maestria e com dedo para o tempero. Talvez porque não necessitasse dos pés para as confeccionar, as suas caldeiradas levavam qualquer palato às alturas mesmo sem orquestra e sem batuta. Após as aulas de natação na Foz do Arelho íamos aos lingueirões e ao berbigão e o João confeccionava com apuro aquelas espécies que ingeríamos com emoção. E os seus cozinhados contribuíram para restabelecer a minha auto confiança seriamente abalada com as experiências no ensino da dança. Obviamente que não estava a preparar o João para o Dança Comigo que na altura não existia. Mas as pessoas têm a sua dignidade...

Cesar Pratas

Ver a dança do Hula Hup em :

C O M E N T Á R I O S
Margarida Araújo disse:
Cada vez mais surpresa! Já sabia(amos) o bom escritor que o João é. Temos agora também um tio.
Parabéns pelo pedaço de prosa deliciosa, viva e também reveladora do carinho que tem pelo João. A história revela-nos também uma enorme persistência, uma alegria de viver e muito humor.
Devo confessar ao tio do João, que já me andava a preparar para um twist, havendo só um pequeno problema: foi mencionado o nome da Uma Thurman, e eu até já tinha ensaiado aquela parte dos dedos em V, mas é difícil, literalmente, estar à altura dela (deve ter quase 2 m).
Agora com "hula-hup" é que me deixou sem fala. Por muito que o João me surpreenda, não o imagino sequer a uma tentativa dessas.
O João que não me leve a mal, mas se calhar era melhor eu dançar com o tio... ou talvez não....
Mais uma vez o meu agradecimento pelo momentos divertidos que me fizeram viver.
Um bj
Margarida
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JJ disse:
Este meu comentário segue a ordem inversa do texto, por pura comodidade, não por discordância com a explanação do autor. Vejamos então.

Segunda compensação: a caldeirada
"O João fabricava caldeiradas com maestria e com dedo para o tempero". A caldeirada não é uma surpresa, tive já oportunidade de testar os dotes culinários do seu sobrinho, estamos de acordo. Só não sabia que eram tão precoces.

Primeira compensação, segunda omissão: as alunas!
“E honrava sempre a sua promessa ou fazendo-me participar em festas de aniversário ou promovendo encontros” e “as alunas (do ERO) eram uma festa para os nossos olhos”. O João “omitiu” realmente esses factos, repetidamente, adormecendo-nos com minuciosas descrições de colegas vestidas como afegãs ou iranianas, que se dedicavam a intermináveis tarefas cristãs nas Guias e afins. E que ele raramente entrevia, quase nem conhecia… Festas ? Promover encontros? Mas nunca ouvimos falar de encontros nem festas, excepto as litúrgicas… Temos muito que conversar, não vem brevemente às Caldas?

Primeira omissão: o Hoola Hup
“A manutenção do arco nos quadris exigia certo ritmo e um movimento das ancas semelhante ao que fazem certas dançarinas árabes”. E diz o senhor que o seu sobrinho tinha dificuldades nessa matéria? Foi mais aí que no levantar dos pés que se “afogou” a carreira do seu sobrinho como dançarino? Obrigando à troca do Hoola Hup e do Twist pela natação, dando-nos um Phelps em vez de, já não digo um Nureyev, mas um Travolta? Tenho a certeza que terá sido mais a negativa atitude familiar do que as qualidades do praticante que levaram a este desfecho.

Ficamos na dúvida do que pedir ao João no próximo encontro do ERO: um Twist com a Guidó ou um Hoola Hup com o Tio e os seus
“dotes de cantor e orquestra improvisados, fazendo de saxofone e bateria, clarinete ou trombone” conforme descreveu… Vou organizar uma sondagem para ver o que o pessoal prefere, mas precisaria de saber desde já: a sua agenda permitiria ser convidado para um almoço no dia 14-11-2009?

Quanto ao Twist estávamos já conversados, não acrescento mais nada à sua confirmação.

Obrigado pela sua disponibilidade e bom humor, foi um enorme prazer receber e publicar o seu texto.
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João Jales
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Manuela Gama Vieira disse:
Ao ler "As aulas do meu Sobrinho",tal como aconteceu com "As Aulas do Meu Tio",tive a sensação de ter sido transportada para um filme que consegui visualizar ao "ritmo" das repectivas descrições,com cenário,música e tudo!!!Se o sobrinho não herdou os genes do Tio "danceur",herdou-lhe os da escrita!É caso para dizer...tal sobrinho,tal Tio.Uma feliz "questão" hereditária,ou será que a arte de bem manejar a "pena" também fazia parte do programa do multifacetado professor?
Já consegui contagiar os meus filhos...Afinal, no tempo da Mãe,a vida não era uma sensaboria!
Quanto à sondagem,fiquem já a saber,o sobrinho e o Tio,voto em TUDO:um Twist com a Guidó e um Hoola Hup com o Tio que deverá brindar-nos com os seus “dotes de cantor e orquestra improvisados, fazendo de saxofone e bateria, clarinete ou trombone”,numa réplica ao "Dança... a mais eu".Aconselho-os a começar já com os ensaios,nem que para tanto seja necessário recorrer aos serviços do Marco di Camilis!
Finalmente,o Tio não tem razões para desespero:o sobrinho surpreendeu-o com a sua primorosa caldeirada.
Mais um finalmente...quanto à saída das aulas das meninas do Externato Ramalho Ortigão,era vê-las desfilar ladeira abaixo,e os coleg(os)...do lado contrário.Eram essas as normas vigentes,até ao "Chafariz das Cinco Bicas":raparigas de um lado,rapazes do outro!Agora é mesmo FINALMENTE!
ADOREI O TEXTO EM APREÇO!!!!
Manuela Gama Vieira
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Luis disse:
Sensacional ter a oportunidade de ver este filme de dois ângulos opostos ou pelo menos diferentes. Adivinha-se um "bon vivant" com quem o João Serra aprendeu mais do que diz - aposto!!! o JJ tem razão nesse aspecto. Parabéns a quem o trouxe ao blogue, mas sobretudo ao próprio pela jovialidade que emana das suas palavras e que muito me divertiu !! E agora pergunto ao Tio e ao Sobrinho: não há lá mais histórias para contar???
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Alberto Pereira disse:
Engraçada esta história familiar!
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Belão disse:
Se a histório do João Serra me fascinou, a do tio então, nem se fala. De facto não imaginava o João tentando ser um expert em dança, mas o que mais me admirou foi a paciência de seu tio na tentativa de o pôr a dançar. Adorei ambos os textos.
Neste início de ano lectivo, foi mesmo a única coisa que me fez rir.
bjo ao João e ao tio. Belão
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Isabel Caixinha disse:
Gostei imenso do artigo do João Bonifácio!Que ternura as tentativas dele de aprender e do tio de o ensinar!E que tio!!!Era mesmo assim um tio que eu gostaria de ter tido com esta imaginação toda e tão criativo!Os ensinamentos dele cobriam uma vasta aréa de assuntos todos eles muito interessantes,talvez um bocadinho "futuristas" para a altura, considerando que os rapazes teriam mais tendência para jogar à bola , matrecos, etc, do que propriamente dançar o "hula hup".Pergunto-me se este último tambem seria ensinado sem 'arco' e só executando os movimentos das tais dançarinas árabes?!Quase que compreendo a apreensão da mãe do João...
E que talento para contar estórias!Tanto o tio como o sobrinho têm uma forma muito especial de nos manter envolvidos nos enredos e de ficar com muita pena que a estória chegou ao fim. Li várias vezes tentando visuallizar as cenas e para além de hilariante é tambem uma estória muito querida!Dos dois artigos fica-me o desejo de ler mais textos de ambos...muitos mais!Que tio!
Até á próxima.
Beijinhos. Isabel Caixinha
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Ana Luisa disse...
O relato do João Serra é muito engraçado,a resposta do Tio não é menos com umas brejeirices que o sobrinho tinha escondido e o comentário do Jales não fica atrás,não acham???Mostrou perfeitamente onde estavam as diferenças entre as duas versões e com piada-na minha opinião.Continuem,o Blogue está sensacional!!!Ana

5 comentários:

Anónimo disse...

Ao ler "As aulas do meu Sobrinho",tal como aconteceu com "As Aulas do Meu Tio",tive a sensação de ter sido transportada para um filme que consegui visualizar ao "ritmo" das repectivas descrições,com cenário,música e tudo!!!
Se o sobrinho não herdou os genes do Tio "danceur",herdou-lhe os da escrita!É caso para dizer...
tal sobrinho,tal Tio.
Uma feliz "questão" hereditária,ou será que a arte de bem manejar a "pena" também fazia parte do programa do multifacetado professor?
Já consegui contagiar os meus filhos...Afinal, no tempo da Mãe,a vida não era uma sensaboria!
Quanto à sondagem,fiquem já a saber,o sobrinho e o Tio,voto em TUDO:um Twist com a Guidó e um Hoola Hup com o Tio que deverá brindar-nos com os seus “dotes de cantor e orquestra improvisados, fazendo de saxofone e bateria, clarinete ou trombone”,numa réplica ao "Dança... a mais eu".
Aconselho-os a começar já com os ensaios,nem que para tanto seja necessário recorrer aos serviços do Marco di Camilis!
Finalmente,o Tio não tem razões para desespero:o sobrinho surpreendeu-o com a sua primorosa caldeirada.
Mais um finalmente...quanto à saída das aulas das meninas do ERO,era vê-las desfilar ladeira abaixo,e os coleg(os)...do lado contrário.Eram essas as normas vigentes,até ao "Chafariz das Cinco Bicas":raparigas de um lado,rapazes do outro!
Agora é mesmo FINALMENTE!
ADOREI O TEXTO EM APREÇO!!!!
Manuela Gama Vieira

Unknown disse...

Sensacional ter a oportunidade de ver este filme de dois ângulos opostos ou pelo menos diferentes. Adivinha-se um bon vivant com quem o João Serra aprendeu mais do que diz - aposto!!! o JJ tem razão nesse aspecto. Parabéns a quem o trouxe ao blogue , mas sobretudo ao próprio pela jovialidade que emana das suas palavras e que muito me divertiu !!
E agora pergunto ao Tio e ao Sobrinho: não há lá mais histórias para contar???

Alberto Pereira disse...

Engraçada esta história familiar!

Anónimo disse...

Se a histório do João Serra me fascinou, a do tio então, nem se fala. De facto não imaginava o João tentando ser um expert em dança, mas o que mais me admirou foi a paciência de seu tio na tentativa de o pôr a dançar. Adorei ambos os textos. Neste início de ano lectivo, foi mesmo a única coisa que me fez rir. bjo ao João e ao tio.
Belão

Ana Luisa disse...

O relato do João Serra é muito engraçado,a resposta do Tio não é menos com umas brejeirices que o sobrinho tinha escondido e o comentário do Jales não fica atrás,não acham???Mostrou perfeitamente onde estavam as diferenças entre as duas versões e com piada-na minha opinião.
Continuem,o Blogue está sensacional!!!Ana