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“Só a verdade é revolucionária”
Mao Zedong
Mao Zedong
Sou um dos desterrados que o Jales refere no texto que escreveu (CINEMA EM S. MARTINHO ). Sou igualmente a personagem filosofante quanto à arbitrariedade da ordem da projecção do filme.
O texto do Jales é bem engraçado e vem reavivar uma velha questão:
- S. Martinho ou Foz?
Estatisticamente ganham os adeptos da Foz, mas creio ser matéria contabilística. Como já disse era um dos habitantes das Caldas que passava o Verão em S. Martinho.
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Um pouco de rigor:
O Cinema era branco, branco sujo.
Não entendi bem algumas considerações sobre o Cinema, aliás a Isabel Xavier diz o mesmo. (Deliciosa a história da apanha e venda do limo para comprar bilhetes, o travo neo-realista é irresistível.)
O Cinema era um local incontornável. As cadeiras eram realmente de pau, mas não me lembro da incomodidade. A inclinação era insuficiente mas a questão da visão não se punha porque logo que as luzes se apagavam as cabeças ficavam aos pares e podia-se ver pelos intervalos. Também o facto do foyer ser ao ar livre constituía um verdadeiro must e o cacimbo (se quiserem podem traduzir por chuva, como diz o Jales) não atrapalhava nada, antes pelo contrário, permitia até alguns gestos cavalheirescos, como tirar o casaco ou o pullover e pô-lo delicadamente nos ombros da eleita, a quem se andava a arrastar a asa (bolas, até eu estou admirado com a qualidade da prosa).
Quanto aos desterrados eram poucos mas bons. Para além dos já citados no texto do Jales, recorde-se o Quá-Quá e a Micéu que vinham de Alfeizerão, onde tinham casa, de carro com chauffeur. Que glamour! (Ele não gosta nada que eu o chame assim e vai já pôr-se a chamar-me nomes). O António (pronto) tinha o record de maior número de anos sem pôr o pé na areia, creio que já ia em 5 ou 6 anos.
Mais rectificações:
Não acho nada que o principal passatempo fosse “olhar uns para os outros”, era mais olhar uns para as outras.
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São Martinho não era só um lugar frequentado por queques e alentejanos (queques era com se chamava na altura, betinhos só uns anos mais tarde) havia muito mais gente, alguma bem engraçada. Lembro-me perfeitamente das longas tardes à conversa com o João Rosado Lourenço e o Eduardo Prado Coelho já desaparecidos.
São Martinho não era só um lugar frequentado por queques e alentejanos (queques era com se chamava na altura, betinhos só uns anos mais tarde) havia muito mais gente, alguma bem engraçada. Lembro-me perfeitamente das longas tardes à conversa com o João Rosado Lourenço e o Eduardo Prado Coelho já desaparecidos.
Mas havia mais:
Bailarinas em pontas no terraço do Samar, sardinhadas na praia da Gralha quando ainda não havia estrada, passeios nocturnos no túnel para ir ver o mar a Stº. António (uma vez um pai mais irritado apontou os faróis do carro à boca do túnel e foi uma confusão), as idas a Salir ao pôr-do-sol ou de madrugada, os bailes em casa do Bernardo (também já desapareceu, S. Martinho tem isso, os melhores desaparecem), leituras colectivas dos textos do Luiz Pacheco (na altura acabadinhos de sair os Exercícios de Estilo), as audições de singles dentro das barracas com um gira-discos portátil e com os discos “arquivados” em cutelo na areia, os banhos nos Salgados (o melhor mesmo era voltar à areia), as tardes no Tábuas e no cais a comer pevides. Aquela sensação que tudo ia ser assim eternamente. S. Martinho tinha isso.
Bailarinas em pontas no terraço do Samar, sardinhadas na praia da Gralha quando ainda não havia estrada, passeios nocturnos no túnel para ir ver o mar a Stº. António (uma vez um pai mais irritado apontou os faróis do carro à boca do túnel e foi uma confusão), as idas a Salir ao pôr-do-sol ou de madrugada, os bailes em casa do Bernardo (também já desapareceu, S. Martinho tem isso, os melhores desaparecem), leituras colectivas dos textos do Luiz Pacheco (na altura acabadinhos de sair os Exercícios de Estilo), as audições de singles dentro das barracas com um gira-discos portátil e com os discos “arquivados” em cutelo na areia, os banhos nos Salgados (o melhor mesmo era voltar à areia), as tardes no Tábuas e no cais a comer pevides. Aquela sensação que tudo ia ser assim eternamente. S. Martinho tinha isso.
E o baile das chitas, e as futeboladas na areia molhada ao fim da tarde, e os bailes do Delírio, onde havia sempre o risco de acabarmos a dançar em cima dos bilhares, no andar de baixo.
E havia os barcos. Que saudades do meu Moby Dick (reparem só na imaginação do nome), uma chata com uma combinação de cores fabulosa. E o barco do João Lourenço, um bote tradicional com o qual saíamos sempre à vela e voltávamos sempre a remos. Grandes marinheiros.
E havia os barcos. Que saudades do meu Moby Dick (reparem só na imaginação do nome), uma chata com uma combinação de cores fabulosa. E o barco do João Lourenço, um bote tradicional com o qual saíamos sempre à vela e voltávamos sempre a remos. Grandes marinheiros.
E havia a pesca:
Pesca de todas as formas e feitios.
As longas jornadas na Maria da Serra e em S. Romeu com o meu tio Zé António e o Meca, a pescar à bóia sargos e taínhas. O Meca fazia a melhor sopa de navalheiras com massinha que já alguma vez comi. Além disso era filósofo. Estes também já desapareceram, é o drama de S. Martinho.
Anos mais tarde comprei um Zebro e dediquei-me à pesca submarina com o Mário Eliseu. E não é que já desapareceu também… Corríamos toda a costa entre S.Martinho e a Foz na altura que ainda havia peixe.
Quanto à vida nocturna, tenho que discordar de alguns comentários, não acho nada que fosse assim tão má, não me lembro de me ter deitado algum dia antes das 4 da manhã.
A boémia é uma atitude. E havia grandes boémios em S. Martinho. Lembro-me bem do arquitecto Martinho que bebia vinho tinto em chávena de chá trazido num bule, no café da Ana, rodeado da melhor sociedade (a história é velha e recorrente mas eu vi-o de facto fazer isso). E do "Morcego", que vivia entre as seis da tarde e as seis da manhã, evitando o sol e consumindo exclusivamente álcool. Claro que também já desapareceram, ambos com cirrose.
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À noite, depois das famílias recolherem a casa, S. Martinho modificava-se. O cacimbo e os copos diluíam a estratificação que existia à luz do sol (quando havia). Muitas noites acabavam no meu terraço, numa casa alugada ao ano pelos meus pais( também já demolida), entre a rua dos cafés e a marginal. Até inventei uma bebida que fez algum sucesso, S. Martinho Smog, à base de gin, fazia bestialmente bem depois de umas litradas de cerveja.
Quem lá esteve nessa altura, sabe que S. Martinho era um sítio mágico.
Quem lá esteve nessa altura, sabe que S. Martinho era um sítio mágico.
O problema não está na troca das bobines:
O pior é que os banqueiros têm interesses imobiliários em terrenos REN, os pais de família que vão para Oeste usam calças pela barriga da perna e bonés virados ao contrário, os cowboys andam de motos de água enquanto os índios aceleram na marginal em carros tunning e o herói curte com uma brasileira que conheceu na internet.
“ A verdade é relativa.”
Jack Nicholson, in (não me lembro do nome do filme).
Luís S. Machado
1 comentário:
excelentes todas estas memórias...
é óptimo quando um blogue consegue criar esta interacção de opiniões e de histórias.
não sou da vossa geração (nasci em 1962...), e desde cedo que escolhi a Foz como minha praia. primeiro por questões pequenas, como a areia (menos fina que a de S. Martinho) ou a existência da Lagoa, para nadar, e o mar, para ver aquele festival que nos era oferecido pelas ondas, quase sempre furiosas...). depois porque era a praia da generalidade dos meus amigos...
e ainda hoje é a minha praia, mesmo que passe o Verão sem a visitar...
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