por João Ramos Franco
Dia de Inverno, escuro e triste. Eu, como de costume, sentado numa mesa do Café Bocage, penso que deveria estudar, mas fico olhando aquela praça enorme, triste, com o chão coberto por restos de mercado, que a esta hora já não existe e que espera a chegada dos empregados da câmara para que a limpem.
Aqui e além os pombos pousam sobre esses restos como para provarem a bondade dos homens…
A chuva cai, agora quase que de propósito, como se pensasse que era necessária para acabar de limpar o que os empregados deixaram…
Coitados os pombos ficaram quase sem comida, ela bem podia ter esperado mais um bocado.
Tudo é triste nestes dias, é como se ela perdesse a vida mais cedo. Aquela praça que tem alguma coisa de humano está vazia, só, sem a simplicidade daqueles homens e mulheres que, logo pela manhã e às vezes ainda de noite, a pisam, talvez com sacrifício, porque mais tarde não têm as suas coisas vendidas, mas eles enchem-na todos os dias, chova ou não chova, tendo sempre as mesmas características, as mesmas vestes, homens e mulheres pobremente vestidos, de barrete ou lenço na cabeça, com o respectivo cesto na frente, tentando vender aquilo que debaixo de chuva e frio arrancaram à sua própria terra. Parou de chover, a praça começa agora a ser percorrida por seres que a pisam indiferentes. Seres que, com certeza, não sentem que nela existe parte da vida de outros iguais a eles.
Ergo os olhos daquele chão marcado por quadrados de basalto e calcário e olho agora as paredes das casas que envolvem a praça. Paredes com letreiros, anunciando outro modo de viver dos homens. Paredes limpas de letras mostrando a existência de casas de habitação. E as paredes fendidas por ruas, que fazem lembrar as guelras de um peixe, apenas porque por muita água que entre nelas, só um volume é de oxigénio.
Reparo para o relógio, são 6 horas da tarde, a noite aproxima-se mais escura e triste que o dia e sobre a praça, quase morta, apenas há as sombras das pessoas que a atravessam em direcção a casa ou aos cafés onde começa agora a pairar um ambiente pesado.
O tempo passa rapidamente e o ambiente do café é quase insuportável. Ergo-me da cadeira que ocupei durante toda a tarde e dirijo-me para a porta, onde fico olhando a praça mais uns segundos, e digo para comigo:
- Até já…
Acabei de jantar. Desço os três lances de escada da minha casa e abro a porta. O frio fustiga-me a cara e obriga-me a encolher ainda mais dentro da samarra como que tentando fugir a ele.
Percorro agora as ruas vazias olhando as paredes das casas, marcadas por recortes de luz e pensando que para lá daquelas paredes existe a vida familiar… Uma vida que deveria ser pura e bela…
Entro no café absolutamente abstracto, sento-me e olho a praça através do vidro embaciado por a respiração, ela está envolta por uma neblina que não a deixa ver.
- Sr. João deseja alguma coisa?
As palavras do empregado tiram-me da abstracção em que me encontro.
- Sim, traga-me uma bica e um brandy.
Abro o livro de Física, quase automaticamente e concentro a atenção sobre um capítulo que já li imensas vezes. Perco por completo a noção do tempo e de tudo o que se encontra à minha volta…
Oiço o relógio da Câmara dar duas badaladas. Levanto a vista do livro para a sala. As cadeiras do café sobre as mesas marcam a hora de fechar.
Chamo o empregado.
- Quanto devo?
- São 4$50, Sr. João.
Pago e saio.
Caminho agora lentamente sobre a praça iluminada pela luz ténue dos candeeiros que, por entre o nevoeiro, deixa ver apenas as sombras verticais de prédios que mais parecem sentinelas perpétuas de tudo o que aqui se passa.
E, com passos largos e pesados, olhando em volta como que tentando encontrar alguma coisa sobre a praça naquela noite fria e com nevoeiro, continuo a caminhar sobre ela… O silêncio cortante que só existe em noites como esta é interrompido. O ruído, talvez de uma carroça, aproxima-se lentamente da praça. Olho o relógio, são 3h 15. Distingo agora, no meio do nevoeiro, a sombra de um homem que desce de uma carroça encostada à praça e vejo-o começar a descarregar cestos e colocando-os sobre os quadrados pretos e brancos do chão…
Fixo quase com fervor aquela imagem, como não querendo esquecer o sacrifício daquela gente e caminho em direcção a casa.
João Ramos Franco
Aqui e além os pombos pousam sobre esses restos como para provarem a bondade dos homens…
A chuva cai, agora quase que de propósito, como se pensasse que era necessária para acabar de limpar o que os empregados deixaram…
Coitados os pombos ficaram quase sem comida, ela bem podia ter esperado mais um bocado.
Tudo é triste nestes dias, é como se ela perdesse a vida mais cedo. Aquela praça que tem alguma coisa de humano está vazia, só, sem a simplicidade daqueles homens e mulheres que, logo pela manhã e às vezes ainda de noite, a pisam, talvez com sacrifício, porque mais tarde não têm as suas coisas vendidas, mas eles enchem-na todos os dias, chova ou não chova, tendo sempre as mesmas características, as mesmas vestes, homens e mulheres pobremente vestidos, de barrete ou lenço na cabeça, com o respectivo cesto na frente, tentando vender aquilo que debaixo de chuva e frio arrancaram à sua própria terra. Parou de chover, a praça começa agora a ser percorrida por seres que a pisam indiferentes. Seres que, com certeza, não sentem que nela existe parte da vida de outros iguais a eles.
Ergo os olhos daquele chão marcado por quadrados de basalto e calcário e olho agora as paredes das casas que envolvem a praça. Paredes com letreiros, anunciando outro modo de viver dos homens. Paredes limpas de letras mostrando a existência de casas de habitação. E as paredes fendidas por ruas, que fazem lembrar as guelras de um peixe, apenas porque por muita água que entre nelas, só um volume é de oxigénio.
Reparo para o relógio, são 6 horas da tarde, a noite aproxima-se mais escura e triste que o dia e sobre a praça, quase morta, apenas há as sombras das pessoas que a atravessam em direcção a casa ou aos cafés onde começa agora a pairar um ambiente pesado.
O tempo passa rapidamente e o ambiente do café é quase insuportável. Ergo-me da cadeira que ocupei durante toda a tarde e dirijo-me para a porta, onde fico olhando a praça mais uns segundos, e digo para comigo:
- Até já…
Acabei de jantar. Desço os três lances de escada da minha casa e abro a porta. O frio fustiga-me a cara e obriga-me a encolher ainda mais dentro da samarra como que tentando fugir a ele.
Percorro agora as ruas vazias olhando as paredes das casas, marcadas por recortes de luz e pensando que para lá daquelas paredes existe a vida familiar… Uma vida que deveria ser pura e bela…
Entro no café absolutamente abstracto, sento-me e olho a praça através do vidro embaciado por a respiração, ela está envolta por uma neblina que não a deixa ver.
- Sr. João deseja alguma coisa?
As palavras do empregado tiram-me da abstracção em que me encontro.
- Sim, traga-me uma bica e um brandy.
Abro o livro de Física, quase automaticamente e concentro a atenção sobre um capítulo que já li imensas vezes. Perco por completo a noção do tempo e de tudo o que se encontra à minha volta…
Oiço o relógio da Câmara dar duas badaladas. Levanto a vista do livro para a sala. As cadeiras do café sobre as mesas marcam a hora de fechar.
Chamo o empregado.
- Quanto devo?
- São 4$50, Sr. João.
Pago e saio.
Caminho agora lentamente sobre a praça iluminada pela luz ténue dos candeeiros que, por entre o nevoeiro, deixa ver apenas as sombras verticais de prédios que mais parecem sentinelas perpétuas de tudo o que aqui se passa.
E, com passos largos e pesados, olhando em volta como que tentando encontrar alguma coisa sobre a praça naquela noite fria e com nevoeiro, continuo a caminhar sobre ela… O silêncio cortante que só existe em noites como esta é interrompido. O ruído, talvez de uma carroça, aproxima-se lentamente da praça. Olho o relógio, são 3h 15. Distingo agora, no meio do nevoeiro, a sombra de um homem que desce de uma carroça encostada à praça e vejo-o começar a descarregar cestos e colocando-os sobre os quadrados pretos e brancos do chão…
Fixo quase com fervor aquela imagem, como não querendo esquecer o sacrifício daquela gente e caminho em direcção a casa.
João Ramos Franco
As imagens antigas das Caldas que utilizo estão em Caldas da Rainha em postais ilustrados
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