ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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Crónica de uma Morte Anunciada

por Isabel Xavier

A D. Dora, sentada num dos lugares da frente da “carrinha do colégio”, (na verdade um autocarro dos Claras fretado para transportar os alunos), debruçou-se para melhor observar um conjunto de estudantes que atravessava a praça da fruta, em direcção aos pavilhões do parque, onde funcionava o liceu. Voltou a sentar-se e disse com azedume: “parecem umas leiteirinhas!”. Referia-se às meninas cujas batas, por serem azuis, lhe pareciam mais adequadas ao exercício daquela profissão. Nós rimo-nos, talvez nervosamente, porque, pelo menos no meu caso, seria uma bata daquelas que viria a usar no ano lectivo seguinte (de “leiteirinha”, portanto), e estava bem consciente disso.


A questão das diferentes batas que as meninas das diferentes escolas da cidade tinham que usar constituía tema de muitas conversas e pretexto para insultos de vária ordem. As do colégio, por serem às riscas, faziam com que nos chamassem “zebras” – tinham a vantagem de podermos variar as cores das riscas –, as da escola técnica, brancas, conduziam directamente ao epíteto de “baleias brancas” e a D. Dora acabava de inventar a expressão “leiteirinhas” para designar as alunas do liceu. Penso que não “pegou”, não houve tempo para isso: no ano lectivo seguinte, 1973-1974, deu-se o 25 de Abril e um dos resultados da revolução foi deixarmos de usar bata.

Naquele ano (1972-1973), para além dos miúdos da primária e do Ciclo, nós éramos os últimos alunos do antigo curso dos liceus a frequentar o colégio. Havia uma única turma em funcionamento, a do quinto ano, após uma gradual implementação dos restantes níveis de escolaridade no liceu. Durante o Verão, tinha havido mesmo alguma preocupação por parte dos nossos pais, por temerem que o colégio optasse pelo funcionamento exclusivo da primária e Ciclo. Em minha casa chegou a colocar-se a hipótese de procurar integrar-me em algum colégio interno.

Assim se justifica o título desta crónica, evidente plágio do escritor Gabriel Garcia Marquez, que espero não me vir a trazer algum dissabor em termos judiciais.

Fui para o colégio logo na escola primária. O director era o Padre Albino (já não conheci o Padre António Emílio). Dele recordo essencialmente o medo que (eu) lhe tinha, os quistos que (ele) possuía na cabeça, a capacidade para influenciar rapazes para uma possível, mas muito improvável, carreira eclesiástica, tornando-os acólitos e levando-os a frequentar retiros em Penafirme. Recordo também os longos e impressionantes rituais que se realizavam, no seu tempo, e sob sua orientação, na Igreja de Nossa Sra. da Conceição, com abundantes encenações litúrgicas com muito incenso à mistura.



No seu tempo, no colégio, um rapaz e uma rapariga não podiam percorrer a ladeira de acesso à escola sozinhos, isto é, formando um par, ou pelo menos eram chamados à atenção por isso e instados a alargarem o tamanho do grupo em que se integravam. No seu tempo, o colégio possuía um sistema de som destinado a emitir música sinfónica durante os intervalos. Nesse tempo, o padre Albino escolheu a minha turma para dar aulas de Religião e Moral e nós passávamos essas aulas a ler os Evangelhos, de pé, cada um na sua vez, sem gaguejarmos e, depois, a comentá-los, ou melhor, a ouvir respeitosamente o seu comentário. Era um místico e acabou por ingressar num mosteiro de frades cartuchos, em Évora.

A nossa surpresa foi enorme, tal como a nossa alegria quando soubemos que ia ser substituído pelo Padre Xico (penso que ele assinava deste modo). A vinda do Padre Xico inaugurou um novo ciclo na vida do colégio, mais livre. A música passou a ser ligeira, os percursos a caminho da escola passaram a poder ser percorridos na companhia que mais nos agradasse, os professores contratados no seu tempo eram bastante diferentes do habitual, do púlpito cheguei a ouvi-lo questionar o celibato a que os sacerdotes estavam obrigados.




Era um padre moderno que modernizou a instituição. Na altura nunca isso me passou pela cabeça, mas hoje, com a distância e a lucidez que acredito que o tempo nos concede, é aqui que eu coloco o início do processo que levou o Externato Ramalho Ortigão à situação que dá título a esta crónica. Quando uma organização se moderniza dá o primeiro passo para o seu fim. Não por culpa do Padre Xico, ele limitou-se a ser uma das personagens necessárias a um fim que se preparava inexoravelmente e do qual a sua nomeação para o cargo de director foi apenas sinal premonitório.

O liceu veio para as Caldas, no colégio ficou apenas uma turma no ano lectivo de 1972-1973 e deixou de haver qualquer turma, à excepção das da primária e Ciclo, no ano de 1973-1974. Não há aqui algo de simbólico?

Quando se deu o 25 de Abril, exactamente nesse ano, já nenhum de nós podia sequer frequentar o colégio, a pouco e pouco, todos fomos saindo, por termos terminado os estudos que lá se faziam ou por transitarmos para o liceu, onde participámos nas RGA’s e nas RGE’s próprias do período revolucionário. Alguém imagina RGA’s e RGE’s no colégio? Tudo estava certo porque tudo aconteceu no tempo próprio.

O colégio passou, entretanto, a Jardim-escola, com consequente desperdício de salas de aula, suponho eu. Actualmente é um pólo da Universidade Católica. A propósito, já viram como está bonito o colégio? Os tempos passam e a vida muda e nunca mais volta a ser como era. Outras coisas nascem e se desenvolvem.

Anos mais tarde, quando terminei o curso (1981) e fui apresentar-me como professora no “liceu” (ainda hoje os alunos lhe chamam assim, tal como chamam “técnica” à Escola Secundária Rafael Bordalo Pinheiro), receberam-me os membros do Conselho Directivo. No respectivo gabinete estavam o Dr. Serafim de Físico-Química, o Padre Eduardo de Religião e Moral e Sra. D. Rosa de Educação Física. Adivinhem de onde é que eu já conhecia estes “colegas”…

- Isabel Xavier-
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COMENTÁRIOS

2 comentários:

Isabel Esse disse...

Já que agradeci ao Padre Naia o seu texto,tenho que fazer o mesmo à Isabel.
Eras uma garotita quando eu brincava com a tua irmã Lena,olha que bela escritira te tornaste,quem diria?
Também não conheci o Padre António Emílio,só o Padre Xico(também gostava dele) e o Albino(Brrrrrrr!!!!pôe medo nisso).

Anónimo disse...

Tal como a Isabel, não sou do tempo do Pe António Emílio. Somos muito novinhas! Também, como todas as rapariguinhas da época, ia de carrinha para o Colégio e recordo-me perfeitamente da D.Dora sentada na frente, contabilzando quem faltava. Ousei uma vez fazê-lo e, ainda não tinham terminado as aulas da tarde, já a minha mãe sabia que eu tinha ido às aulas, mas me tinha baldado à carrinha! Deu castigo, é certo. Mas era tão mais divertido subir a ladeira em conversas típicas da "idade do armário"!
Obrigada Isabel por nos avivares a memória!
Bjo
Belão