João B Serra disse:
Mesmo que a Isabel não assinasse, julgo que seria capaz de descobrir a autoria deste texto. É claro, preciso, arguto e salpicado de humor (mesmoquando esconde a ironia por detrás da mais objectiva das descrições). Mas como ela já aqui uma vez me chamou à condição de seu antigo professor,sinto-me autorizado a dizer-lhe que não me parece que se possa dizer que a modernização é o caminho para o fim das organizações e duvido que tenha sido o caso do ERO. A massificação do ensino secundário teria que passar em Portugal forçosamente pela acção do Estado. Quando este despertasse para a necessidade de qualificar os portugueses em níveis mais avançados do que a escolaridade primária e de ampliar o acesso ao ensino superior, o ensino particular passaria um momento difícil. Foi assim em todo o país, e não só nas Caldas. O ensino particular nos anos 70 foi deixando o campo do ensino secundário, ocupado cada vez mais pelo Estado, e procurando outros espaços de acção: o pré-primario e o primário, sobretudo. Este movimento começou antes do 25 de Abril. A revolução apenas o acelerou. O conceito dominante então, consagrado nas políticas de educação, era o de um ensino particular supletivo do oficial. Competindo ao Estado assegurar o acesso livre e gratuito à escolaridade obrigatória, ao ensino particular restaria preencheras falhas. Foi daqui que se evoluiu depois para o conceito de liberdade de opção, que é muito difícil de concretizar, pois a empresealização implica um fim lucrativo.
Em 1972, quando, depois de décadas de protesto e espera pelo ensino liceal,foi finalmente autorizada a criação de uma secção liceal nas Caldas, que poderia ter feito o Externato Ramalho Ortigão para sobreviver? Pouca coisa,certamente. Reter os melhores professores? Como, com que garantias? Baixar o valor das propinas? Seria sempre superior ao do liceu. Oferecer um ambiente escolar mais confiável? Mas como, se os liceus é que tinham o exclusivo daavaliação e da certificação?
Em suma: o elan reformador do Padre Xico estava certo e teria conduzido a organização a um patamar atractivo nos anos 70 se ela não tivesse sucumbido pelo movimento exterior. Morreu por algo que veio de fora e não por algo que veio de dentro.
..
Manuela Gama Vieira disse:
Não conheci esta fase conturbada do Colégio e o seu epílogo, muito bem descrita quer pelo Senhor P.e Naia, quer pela Isabel Xavier, uma rapariga mais nova que eu.Contudo, não resisto a partilhar convosco o que "guardei" de três personalidades do Colégio, aqui lembradas:
Mesmo que a Isabel não assinasse, julgo que seria capaz de descobrir a autoria deste texto. É claro, preciso, arguto e salpicado de humor (mesmoquando esconde a ironia por detrás da mais objectiva das descrições). Mas como ela já aqui uma vez me chamou à condição de seu antigo professor,sinto-me autorizado a dizer-lhe que não me parece que se possa dizer que a modernização é o caminho para o fim das organizações e duvido que tenha sido o caso do ERO. A massificação do ensino secundário teria que passar em Portugal forçosamente pela acção do Estado. Quando este despertasse para a necessidade de qualificar os portugueses em níveis mais avançados do que a escolaridade primária e de ampliar o acesso ao ensino superior, o ensino particular passaria um momento difícil. Foi assim em todo o país, e não só nas Caldas. O ensino particular nos anos 70 foi deixando o campo do ensino secundário, ocupado cada vez mais pelo Estado, e procurando outros espaços de acção: o pré-primario e o primário, sobretudo. Este movimento começou antes do 25 de Abril. A revolução apenas o acelerou. O conceito dominante então, consagrado nas políticas de educação, era o de um ensino particular supletivo do oficial. Competindo ao Estado assegurar o acesso livre e gratuito à escolaridade obrigatória, ao ensino particular restaria preencheras falhas. Foi daqui que se evoluiu depois para o conceito de liberdade de opção, que é muito difícil de concretizar, pois a empresealização implica um fim lucrativo.
Em 1972, quando, depois de décadas de protesto e espera pelo ensino liceal,foi finalmente autorizada a criação de uma secção liceal nas Caldas, que poderia ter feito o Externato Ramalho Ortigão para sobreviver? Pouca coisa,certamente. Reter os melhores professores? Como, com que garantias? Baixar o valor das propinas? Seria sempre superior ao do liceu. Oferecer um ambiente escolar mais confiável? Mas como, se os liceus é que tinham o exclusivo daavaliação e da certificação?
Em suma: o elan reformador do Padre Xico estava certo e teria conduzido a organização a um patamar atractivo nos anos 70 se ela não tivesse sucumbido pelo movimento exterior. Morreu por algo que veio de fora e não por algo que veio de dentro.
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Manuela Gama Vieira disse:
Não conheci esta fase conturbada do Colégio e o seu epílogo, muito bem descrita quer pelo Senhor P.e Naia, quer pela Isabel Xavier, uma rapariga mais nova que eu.Contudo, não resisto a partilhar convosco o que "guardei" de três personalidades do Colégio, aqui lembradas:
Senhor P.e Chico:
A primeira pessoa que encontrei quando, "esbaforida", no dia 25 de Abril de 1966, pelas 19h30, ia a entrar no Montepio, para visitar minha Mãe e meu irmão Luís Filipe, "acabado de nascer; ainda mal abria os olhos e já eram para ME ver"!!!, como diz o poeta; (o Senhor P.e Chico vinha a sair de uma visita a alguém doente e ali internado).Relembro ainda as suas magníficas aulas de Canto Coral, "passando" discos de vinil, explicando-nos peças clássicas, respectivos andamentos, biografia dos respectivos compositores. A par das sonoridades caseiras, contribuiu para ajudar a "educar" os meus gostos musicais, tal como contribuiu a música clássica (que, desculpem-me, não classifico de fúnebre) que se ouvia nos corredores do colégio do meu tempo. Esta uma particularidade muito positiva que recordo do Colégio.
Senhora D. Dora:
Não vou acrescentar muito...porque recordo pormenores engraçados, coincidentes com colegas que já os referiram:O bâton encarnado nos lábios e nos dentes....o cabelo, de tão ralo, parecia mesmo algodão doce; essa dos fósforos, oh Jales, que maldade....Lembro-me das enormes e bem cuidadas unhas encarnadas, e as sobrancelhas, quase inexistentes, desenhadas a lápis castanho.
Director do Colégio- Senhor P.e Albino:
Quanto o detestava! Não pelas protuberâncias que tinha na cabeça: a saúde ou a falta dela, de quem quer que seja, merecem-me o maior respeito.Contudo...estou ESQUECIDA da pessoa que era o Sr. Director, que se impunha não pelo respeito que inspirava, mas sim pelo "ambiente quase de terror" que queria...que se respirasse no colégio.
Já aqui contei que no tal dia 25 de Abril de 1966, eu estava a cumprir 1 dia de suspensão por me ter sentado na relva.
Um místico?....Acho que era tudo menos um místico.
De resto, penso que nem se "aguentou" muitos anos na Cartuxa de Évora, para onde se auto-exilou...e fez ele muito bem!!!!
UM ABRAÇO A TODOS! MANUELA GAMA VIEIRA
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Ana Carvalho disse:
Isabel ainda bem que há pessoas que escrevem bem e passam para o papel, na perfeição, aquilo que sentem e conseguem fazer-nos voltar ao passado. A descrição do Padre Albino e Padre Chico está fantástica e parece que estou a ver a D. Dora no 1º baco da carrinha a fazer esse comentário e outros claro, só ela mesmo para chamar leiteirinhas às miudas do Liceu. E já agora a propósito da D. Dora o João fala no cabelo mas e o baton nos dentes? PP
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Belão disse:
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Ana Carvalho disse:
Isabel ainda bem que há pessoas que escrevem bem e passam para o papel, na perfeição, aquilo que sentem e conseguem fazer-nos voltar ao passado. A descrição do Padre Albino e Padre Chico está fantástica e parece que estou a ver a D. Dora no 1º baco da carrinha a fazer esse comentário e outros claro, só ela mesmo para chamar leiteirinhas às miudas do Liceu. E já agora a propósito da D. Dora o João fala no cabelo mas e o baton nos dentes? PP
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Belão disse:
Tal como a Isabel, não sou do tempo do Pe António Emílio. Somos muito novinhas! Também, como todas as rapariguinhas da época, ia de carrinha para o Colégio e recordo-me perfeitamente da D.Dora sentada na frente, contabilzando quem faltava. Ousei uma vez fazê-lo e, ainda não tinham terminado as aulas da tarde, já a minha mãe sabia que eu tinha ido às aulas, mas me tinha baldado à carrinha! Deu castigo, é certo. Mas era tão mais divertido subir a ladeira em conversas típicas da "idade do armário"!Obrigada Isabel por nos avivares a memória!Bjo. Belão
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Jorge disse:
entre o relato pessoal e a crónica histórica,este é um post de alguém que sabe o que quer dizer.suponho que seja a mais nova dos Xavier,certo?
a recordação do jales é uma maldade,mas suficientemente divertida para ninguém levar a mal.abraço.jorge
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Jorge disse:
entre o relato pessoal e a crónica histórica,este é um post de alguém que sabe o que quer dizer.suponho que seja a mais nova dos Xavier,certo?
a recordação do jales é uma maldade,mas suficientemente divertida para ninguém levar a mal.abraço.jorge
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Isabel Caixinha disse:
Alguns comentários são mais dificeis de escrever que outros...Este texto da Isabel lembrou-me quão confusos foram estes dois anos lectivos!Ano lectivo de 72/73, o ultimo ano do Colégio, por todas as incertezas que o seu encerramento veio trazer, como tambem a tristeza do fim!O Ano Lectivo de 73/74 no liceu, por ser para mim uma escola nova e por ter acontecido o 25 de Abril durante o ano .A tristeza que eu senti pelo fim do ERO foi em breve substituída por alegria ao descobrir que o liceu me proporcionava as vivências próprias da idade, e a liberdade, que nunca até ali tinha conhecido no colégio...Pela primeira vez desde que tinha entrado para a escola, pude descer e subir a ladeira para ir para o Liceu!Um ano muito importante o do 25 de Abril!!Obrigada Isabel por trazeres de volta estas preciosas memórias, através do teu texto!Beijinhos Isabel Caixinha
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João Jales disse:
Tenho que começar pela D. Dora e o seu fantástico penteado (era o que se chamava uma "permanente", julgo). Grande e almofadado como uma bola de algodão-doce, cabiam lá, sem a dona dar por isso, dezenas de fósforos, papelinhos, bilhetes usados e enrolados, enfim, tudo quanto a "carrinha" proporcionava aos entediados alunos que nela viajavam. A D. Dora ia sempre estrategicamente sentada no banco da frente, logo atrás do motorista. Os lugares imediatamente atrás eram rijamente disputados.
O texto da Isabel, embora omita este curioso passatempo, dá-nos uma concisa mas certeira caracterização do que foram os consulados dos padres directores. E descreve a "morte anunciada" do navio da perspectiva dos passageiros e não do comandante.
O esvaziamento do Colégio era inevitável perante a abertura do Liceu e todos o sabiam. Concordo com a Isabel, passo por ali com frequência e o edifício, entretanto ampliado, está muito bem conservado.
Penso que as contribuições da Isabel têm sido, na forma e no conteúdo, uma lufada de límpida prosa no Blog, não acham? JJ
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João Jales disse:
Tenho que começar pela D. Dora e o seu fantástico penteado (era o que se chamava uma "permanente", julgo). Grande e almofadado como uma bola de algodão-doce, cabiam lá, sem a dona dar por isso, dezenas de fósforos, papelinhos, bilhetes usados e enrolados, enfim, tudo quanto a "carrinha" proporcionava aos entediados alunos que nela viajavam. A D. Dora ia sempre estrategicamente sentada no banco da frente, logo atrás do motorista. Os lugares imediatamente atrás eram rijamente disputados.
O texto da Isabel, embora omita este curioso passatempo, dá-nos uma concisa mas certeira caracterização do que foram os consulados dos padres directores. E descreve a "morte anunciada" do navio da perspectiva dos passageiros e não do comandante.
O esvaziamento do Colégio era inevitável perante a abertura do Liceu e todos o sabiam. Concordo com a Isabel, passo por ali com frequência e o edifício, entretanto ampliado, está muito bem conservado.
Penso que as contribuições da Isabel têm sido, na forma e no conteúdo, uma lufada de límpida prosa no Blog, não acham? JJ
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Luísa disse:
Oh JJ tu tens que ser interdito ou interditado -já nem sei como se escreve -se continuas a lembrar-te e a divulgar estas histórias! Nunca mais me tinha lembrado da “permanente” da D Dora!!!O texto da Isabel lê-se,como dizes,com prazer e foi para mim uma revelação- desconhecia a existência desta “turma fantasma” no E.R.O.- enquanto todos os outros estavam já no Liceu. Mas não percebi bem porque é que isso aconteceu.As palavras sobre o Padre Xico são justas - e sobre o Padre Albino também,já agora!Bjs. L
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Isabel Esse disse:
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Isabel Esse disse:
Já que agradeci ao Padre Naia o seu texto,tenho que fazer o mesmo à Isabel.
Eras uma garotita quando eu brincava com a tua irmã Lena,olha que bela escritora te tornaste,quem diria?Também não conheci o Padre António Emílio,só o Padre Xico(também gostava dele) e o Albino(Brrrrrrr!!!!pôe medo nisso).
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Eras uma garotita quando eu brincava com a tua irmã Lena,olha que bela escritora te tornaste,quem diria?Também não conheci o Padre António Emílio,só o Padre Xico(também gostava dele) e o Albino(Brrrrrrr!!!!pôe medo nisso).
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João Ramos Franco disse:
Tu escreveste: "O estilo existencialista do texto de João Ramos Franco sobre a praça, que também é característico do tempo em que foi escrito".
A propósito do estilo com que escrevemos, e estando tu com "receio" da citação do Gabriel Garcia Marquez, eu vou acrescentar uma outra citação também sobre a morte anunciada: "Não são dores verdadeiras, é pior, são as dores que vou ter amanhã de manhã. E depois?". Jean Paul Sartre (O Muro)
Talvez seja bom sinal ter algum estilo, mostra que sempre ficou em nós algo do que lemos.
João Ramos Franco
Tu escreveste: "O estilo existencialista do texto de João Ramos Franco sobre a praça, que também é característico do tempo em que foi escrito".
A propósito do estilo com que escrevemos, e estando tu com "receio" da citação do Gabriel Garcia Marquez, eu vou acrescentar uma outra citação também sobre a morte anunciada: "Não são dores verdadeiras, é pior, são as dores que vou ter amanhã de manhã. E depois?". Jean Paul Sartre (O Muro)
Talvez seja bom sinal ter algum estilo, mostra que sempre ficou em nós algo do que lemos.
João Ramos Franco
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Manuela G V disse:
Quanto à criação tardia, digo eu, do ensino liceal nas Caldas, não seriam alheias as "cumplicidades" entre Estado e Igreja! "Foi você que pediu justiça social"????
Resposta e comentário final da Isabel Xavier:
Eu não digo que a modernização foi um "caminho", mas sim um sinal, falo até em "sinal premonitório". Digo também que a nomeação do padre Xico (pelos seus superiores hierárquicos) é que indicia o fim que se aproximava inexoravelmente, sem que o padre Xico tivesse "culpa", portanto, sem ser devido à sua acção.
Mas concordo com o comentário do João Serra e agradeço as explicações que ele dá sobre o contexto histórico de tudo isto. Fá-lo na qualidade de meu antigo professor, aqui invocada por ele por eu já a ter invocado noutra ocasião. Nessa altura, eu disse também que ele era um grande amigo, e é. Por isso fez questão de realçar as características específicas da minha escrita, na sua opinião. Feliz de quem pode continuar a aprender pela vida fora com professores assim!
Aproveito para agradecer os outros comentários também. A Isabel Caixinha deve lembrar-se bem deste processo porque sempre fomos colegas de turma. Ela passou a percorrer a ladeira do colégio,mas no sentido inverso, quando nós deixámos de o fazer: é curioso!
O comentário do Jales é impagável! Coitada da D. Dora!... Já agora, o da Belão também.
Tudo isto é uma descoberta! "Vasculhando" o passado, reatando o que julgávamos perdido, descobrindo-nos a nós mesmos nas memórias uns dos outros!
É urgente que nos encontremos para sabermos como somos agora. Quase como aqueles casais de possíveis namorados que levam um sinal exterior para se reconhecerem no primeiro encontro, depois da comunicação escrita, quase como nos filmes.
-Isabel Xavier-
1 comentário:
Quanto à criação tardia, digo eu, do ensino liceal nas Caldas, não seriam alheias as "cumplicidades" entre Estado e Igreja!
"Foi você que pediu justiça social"????
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