Ano após ano, a família Xavier deslocava-se com “armas e bagagens” para a praia de S. Martinho do Porto durante os meses de Agosto e Setembro.
O ambiente que se vivia nessa época era bastante diferente do que se vive hoje em dia. Nas décadas de 50, 60 e princípios de 70, S. Martinho era uma estância balnear muito frequentada para os níveis de então, mas que nada têm a ver com o que se passa nos dias de hoje.
Na última semana de Julho, em minha casa, já havia a agitação própria dos preparativos necessários à grande mudança para a praia e que culminavam no dia 1 de Agosto, com o transporte de todas as bagagens numa camioneta do armazém do meu avô Augusto. Para nós era nesse dia que começavam as verdadeiras férias.
As alterações aos nossos hábitos eram muitas e a simples deslocação durante 2 meses para uma localidade a 15 quilómetros de distância das Caldas era sempre uma aventura inesquecível. Após a instalação iniciávamos uma nova forma de vida, noutra casa e com outros amigos. Na verdade tinha amigos da praia até porque, embora se deslocassem algumas famílias caldenses para S. Martinho, a maioria dos meus colegas e amigos faziam praia na Foz do Arelho.
Quem hoje conhece S. Martinho do Porto só consegue vislumbrar parte do ambiente e da vivência da época a que me refiro. Nesse tempo, ainda a praia fazia bem às criancinhas, S. Martinho era frequentada por algumas famílias que se conheciam umas às outras.
As barracas da praia, alugadas pelos banheiros: José Augusto, Libório, Eduardo e João (este último era quem nos alugava a nossa) formavam uma única fila paralela ao chamado Paredão (muro que ainda hoje existe e que separa a praia do passeio da estrada marginal).
Só bastante mais tarde, com a vinda de mais veraneantes, se alterou a disposição das barracas.
As embarcações de recreio encontravam-se no areal da praia, em frente das barracas. Existia uma jangada com dois pisos ancorada na baía, de onde se mergulhava. Os cães iam para a praia e conviviam alegremente com os donos nas barracas.
Era expressamente proibido jogar à bola e o uso do biquíni pelas senhoras. O cabo do mar encarregava-se de fazer cumprir essas regras, sendo vulgar apreender bolas de futebol (biquínis julgo que não).
Recordo-me que era muito usual a constituição de grupos de jovens. Eu era uma criança mas lembro-me dos meus irmãos Luís e Graça fazerem parte de um grupo que, embora constituído informalmente e sem regras explícitas, acabou por durar muitos e bons anos.
Esse grupo divertia-se com o que era possível fazer nessa época, nomeadamente organizando festas em casa do Zé Valente, actividades desportivas e, imagine-se, um “autêntico” concurso da areia, com o espaço delimitado por cordas, júri, prémios, etc. Este concurso em tudo era igual ao verdadeiro mas com inspirações diferentes no que respeita às construções elaboradas, recorrendo muitas vezes a material sanitário como fontes de inspiração.
Na praia existia um único café, construído em madeira, que toda a gente chamava “TÁBUAS”.
Se a memória não me atraiçoa, tal café ostentava um tom verde bastante feioso e, garantidamente, não resistiria a uma breve investida da ASAE.
Para além deste café, os veraneantes eram servidos por muitos vendedores de bolos, barquilhos e gelados. Os outros locais de convívio eram o cinema, com duas classes de lugares (geral e plateia), sendo a geral constituída por cadeiras de madeira e a plateia por cadeiras com estofo e mais cómodas. Normalmente frequentava a geral, mas quando ia com as minhas irmãs sentávamo-nos na plateia.
O local mais frequentado, e que ainda hoje tem importância relevante, era a famosa “rua dos cafés” com as suas esplanadas sempre com gente e animação. Nessa rua existia, e julgo que ainda funciona, o chamado clube, onde no rés-do-chão se jogava ténis de mesa, bilhar e outros jogos e no primeiro andar, reservado a sócios, se jogava às cartas.
Alguns caldenses e ex-alunos do ERO frequentavam esta praia, tais como: o meu cunhado Zé Valente e a sua irmã Fátima, a Salete, a família Rosado Lourenço, a Cristina e os seus irmãos (entretanto falecidos, Victor e Zé Luís), o Luís Machado e a irmã Teresa, e outros que não recordo.
Os jogos mais frequentes na praia eram o futebol e o mata, bem como partidas de cartas (King, Sueca e Lerpa), todos disputados com elevado brio e alto nível técnico.
Tenho ainda outras boas recordações de S. Martinho do Porto, o que é normal, pois lá vivi boa parte da minha juventude, com momentos inesquecíveis e, sei-o hoje, de felicidade e alegria.
Fazem parte do meu espólio de recordações pessoais, que gosto de preservar, até porque tiveram influência determinante no meu modo de estar e ser.
Nos 2 meses de férias esperávamos pacientemente que o tempo “levantasse”, tal como na Foz do Arelho.
Eram tempos bem diferentes dos que vivemos hoje, em que a escassez de outros divertimentos mais sofisticados nos “obrigava” a conviver mais, o que consolidou amizades que perduram até aos dias de hoje.
Foram, enfim, belos tempos de lazer e divertimento.
Caldas da Rainha, 04 de Outubro de 2008,
Mário Xavier
..............................................................................................................
COMENTÁRIOS
.
Isabel Xavier disse:
Oh Mário! Será que não tens acompanhado a "saga" do cinema de S. Martinho, para me vires assim desmentir? Só se foi com as irmãs mais velhas, mas duvido! Eu nunca vi um filme na plateia do cinema de S. Martinho, sendo tu a acompanhar-me ou não.
Quanto às paródias ao concurso da areia, há quem diga que foi por isso que deixaram de o fazer na praia de S. Martinho, com evidente prejuízo para a iniciativa e respectivos organizadores. A areia de S. Martinho pode ser muito arreliante, principalmente quando há vento, mas para construções na areia não há melhor. Eu que o diga que nunca ganhei senão prémios de consolação, no concurso a sério, claro. Isabel Xavier
.
JJ disse:
Foi apanhada, a Isabel! Na plateia, com o maninho mais velho....Que desprestígio!
Mas quem conhece o Mário sabe que ele é assim, sempre muito concentrado e atento a tudo, calculista, perito em maquinações, dissimulado, traiçoeiro...(Pobre Mário, imagino o que não vai ouvir na próxima reunião familiar!)
E as memórias são assim, variando a cada testemunho, todas diferentes e todas verdadeiras. Como eu digo sempre, esta diversidade é a riqueza destas memórias colectivas.
Obrigado aos dois "Xavieres" pela sua disponibilidade e bom humor (com que então não se apreendiam biquinis?). Até à próxima. JJ
.
Luisa disse:
Afinal vimos nestes últimos dias que havia muito para dizer sobre S. Martinho, muitos segredos, muitas saudades...
S. Martinho ou Foz, os locais importam pouco, o que importa é se lá fomos ou não felizes! Bjs aos "Xavieres" . Luisa
.
Manuela Gama Vieira disse:
Devo dizer que tenho assistido absolutamente deliciada a todo este "filme", em S.Martinho do Porto, que intitularia de "Modos de ver...."
.
AnaLuisa disse...
Cada um lembra-se do que quer,somos donos das nossas memórias,ora essa!!!E estas notas soltas ficam bem neste filme de que fala a Manela e que vimos esta semana,porque como aprendemos na história do Jales a ordem não interessa - interessa é que lá estejam os acontecimentos todos.....
Cada um lembra-se do que quer,somos donos das nossas memórias,ora essa!!!E estas notas soltas ficam bem neste filme de que fala a Manela e que vimos esta semana,porque como aprendemos na história do Jales a ordem não interessa - interessa é que lá estejam os acontecimentos todos.....
.
Maria Fátima Gama Vieira
Sempre agradável visitar o site, é uma visita repleta de momentos maravilhosos,convivemos revivendo e sentimo-nos próximos. bem hajas João.
.
Isabel Esse disse...
Já aqui foi dito (e vejo aqui repetido pelo Mario) que a ausência de tecnologia (e de dinheiro!!) aguçava o engenho em busca de distracções e fortalecia as amizades e relações pessoais. Tenho a mesma opinião, mas sou muitas vezes chamada de retrógrada por a pronunciar....
Já aqui foi dito (e vejo aqui repetido pelo Mario) que a ausência de tecnologia (e de dinheiro!!) aguçava o engenho em busca de distracções e fortalecia as amizades e relações pessoais. Tenho a mesma opinião, mas sou muitas vezes chamada de retrógrada por a pronunciar....
É sempre um prazer ler estas memórias (que são comuns a várias gerações) Isabel S
3 comentários:
Devo dizer que tenho assistido absolutamente deliciada a todo este "filme", em S.Martinho do Porto, que intitularia de "Modos de ver...."
Cada um lembra-se do que quer,somos donos das nossas memórias,ora essa!!!
E estas notas soltas ficam bem neste filme de que fala a Manela e que vimos esta semana,porque como aprendemos na história do Jales a ordem não interessa - interessa é que lá estejam os acontecimentos todos.....
Já aqui foi dito (e vejo aqui repetido pelo Mario) que a ausência de tecnologia (e de dinheiro!!) aguçava o engenho em busca de distracções e fortalecia as amizades e relações pessoais. Tenho a mesma opinião, mas sou muitas vezes chamada de retrógrada por a pronunciar....
É sempre um prazer ler estas memórias (que são comuns a várias gerações) Isabel S
Enviar um comentário