Belão
(Isabel Sousa e Silva)
O CASINO
Todos os anos o Paulino Montez organizava um campeonato de Crapô que culminava com uma festa de entrega de prémios aos três primeiros classificados. Em 1964, se não me falha a memória, a festa do Crapô foi um acontecimento único. O portão do Casino abriu-se e os concorrentes entraram de automóvel no Céu de Vidro, vestidos à Anos 30.
Em dias de sol a juventude reunia-se na Aldeia dos Macacos (nunca percebi o porquê do nome) e jogava King ou Lerpa.
Não resisto a contar um episódio que despoletou na altura enormes gargalhadas. Passou pelo Casino um funcionário, o Sr Hermínio, que de expedito tinha muito pouco. Durante uma partida de King, o Nené resolveu tocar à campainha para chamar o Sr Hermínio que ao fim de algum tempo lá apareceu para tomar nota dos pedidos. Todos disseram o que queriam e o Nené concluiu: “ para mim é um copo de água d’el cano”.
Passado algum tempo o Sr Hermínio regressou: “ Sr Nené, dessa água não temos. Mas eu já escrevi no livro das faltas para o Sr Carreia Alves mandar vir.” Lindo!
E os bailes! Se havia coisas que nós as meninas ansiávamos, com direito a preparação com horas de antecedência, eram os bailes. Lembro-me de, juntamente com a João Ferreira e a João Gomes, em casa desta, começarmos o ritual às 6 horas da tarde! O baile era às 10h da noite, mas máscaras de beleza, banho de espuma, pinturas... tudo exigia muito tempo, claro! As pinturas eram o mais complicado, sem dúvida. Como não tínhamos propriamente idade para andarmos todas maquilhadas, era a Anabela (hoje Cera) que, vizinha do rés-do-chão, colocava as pinturas num cestinho que a João Gomes com uma corda recolhia no 2º andar, pela janela das traseiras do prédio. Não sei se ficávamos mais bonitas, mas nós achávamos que sim!
Bailes com eleição das Misses era outro momento alto. Sobretudo quando os rapazes conseguiam angariar os cartões de voto do pessoal mais velho e que quase sempre tinham como objectivo votar na pior de todas. Só para destabilizar e gozarem, claro! O menino Rui Hipólito era perito nessas andanças. Coitada da concorrente que desfilou com cinta por baixo do biquini e que, para espanto geral, e dela provavelmente, foi eleita Miss Praia da Foz do Arelho!
E os concursos de dança, organizados pelo Dr. Calheiros Viegas, nos quais até os últimos classificados recebiam prémio (que variava entre uma lata de concentrado de tomate da Frami e um cinzeiro de louça da Secla)?
Havia excelentes dançarinos que nos guiavam pela enorme pista de dança. Posso realçar talvez o Araújo, o Chiquinho Carrilho, o Xixas e o Carlos Branco. Mas havia mais, concerteza.
O Casino do Parque recebeu, ao longo da sua vida, grandes vedetas do mundo da música: Amália Rodrigues (que bebia uns valentes whiskies no toillete), Carlos do Carmo, Paulo de Carvalho, Paco Bandeira, Hermínia Silva, Shegundo Galarza... mas para muitos de nós a maior vedeta foi sem dúvida o Xaranga Beat.
O XARANGA BEAT
O Xaranga Beat chegou à experiência em 1970. Eram cinco rapazes, alguns de cabelo comprido, vestidos meio à hippies mas que convenceram pelo menos um director do Casino, logo à primeira música. E vieram para ficar.
Vocalista- Rui Burguete
Viola – Carlos Velez
Viola Baixo – Porfírio Laborinho
Viola Rítmica – Luís Maduro
Bateria – Rui Venâncio
Claro que foi um sucesso! Durante os meses de Julho e Agosto havia bailes todos os dias, excepto à 2ª feira, sempre com grande afluência, o mesmo sucedendo no Carnaval.
“Os êxitos do momento saíam em disco e um dia depois tocavamo-los, por vezes sem sequer os termos ensaiado uma única vez”! – Confirmou-me o Porfírio num magnífico serão que passámos juntos. “Ensaiávamos no carro, a caminho do casino.”
“O Xaranga Beat já existia antes de surgirem no Casino” – recorda Porfírio. Do 1º Xaranga não fazia parte o Carlos Velez nem o Rui Burguete, mas sim o Tó Achega (que mais tarde regressou ao grupo) e o Rui André.
Um dia, quatro rapazes (Burguete, Porfírio, Maduro e Venâncio) juntaram-se para tocarem durante os intervalos do conjunto que actuava no casino da Nazaré. Alfredo Monderrey, na altura fadista e proprietário da boîte “Digo eu” tornou-se empresário do grupo e marcou a dita audição para o Casino. “Não tínhamos instrumentos nenhuns na altura. Tocámos com tudo emprestado, até a bateria era do Tó Freitas. Foi o Alfredo que financiou aparelhagem e instrumentos. Fomos então buscar o Carlos Velez para se juntar ao grupo.” – Conta o Porfírio.
Fazia parte do contrato que no final do Verão se realizasse uma festa cujo lucro reverteria na totalidade para o grupo: “ Foi a Festa Hippie, que esteve para ser proibida. Cartazes...hippies... 1970... pensavam que era uma festa de drogas! Esteve quase para não se realizar. A GNR esteve mesmo de plantão à porta do casino.O resultado foi um tremendo sucesso e cada um de nós arrecadou 7 contos e tal. Muito dinheiro na época.”- Recorda o Porfírio.
Do programa constava a eleição da “Miss Xaranga” e do “Homem mais Feio”. Lembrava-me, claro, que fui “Miss Xaranga”. Não nos conseguimos lembrar quem foi o “Homem mais Feio”.
Em Outubro de 70, findo o Verão, um trágico acidente de viação vitimou toda uma família (Reis Vieira) e também o vocalista deste grupo, o Rui Burguete.” Ele era fantástico a cantar música francesa.” E era mesmo!” Lembras-te quando ele interpretava o Joseph e eu fazia uns falsetes?”- pergunta-me algo emocionado.
Não me lembro agora! Até me lembrei de uma música composta por eles, que o Rui Burguete escrevera e interpretava na perfeição. Dizia assim:
Um barco que parte
Entre imagens de areia
Um mar que se ergue
Pescador, barco, odisseia
Uma ânsia crescente
Uma ilusão falida
Um sol que é poente
Uma aurora em perspectiva...
................................................
Não sei se fiz boa figura a cantar com o Porfírio, mas gostei de o fazer. Lá que rimos muito, rimos.
Mas não era só a cantar que o Rui Burguete era fantástico. Embora muito miúda, tinha-o na minha conta como um ser superior. Tinha um coração enorme!
Sem a equipa completa, havia que substituir o Rui. Surge então e o Carlos Cavalheiro.
“ Tinha uma voz mais potente que bonita. E um grande pancadão!” – recorda.
Dois meses depois a tragédia abateu-se de novo sobre este grupo. O Porfírio sofre um brutal acidente de viação, com consequências graves. Felizmente não ficámos sem ele. Mas o Xaranga Beat viu-se privado de outro elemento.
Tó Achega ocupa o lugar de viola baixo, no grupo que nessa altura já contava com um teclista (Carlos Alberto).
Alguns meses mais tarde houve outra (trans)formação : Saem Maduro e Carlos Velez e o Xaranga conta a partir de então com Patrício, Cavalheiro, Rui Venâncio e Júlio Pereira que em 1971/1972 grava “Acid Nightmare Great Goat”- álbum duplo. No 2º disco Rui Venâncio dá o seu lugar a Zé da Cadela.
Aqueles cinco rapazes, os do “nosso Xaranga”, que em 1970 vieram para animar os bailes do Casino, mais do que artistas, eram parte do nosso círculo de amigos.
Ao longo destes anos lá fui encontrando uns e outros e sempre constatando que é com imensa saudade que recordam o Casino e a cidade, com toda a animação que a caracterizava.
5 comentários:
havia também uma figura carismática que era a "tia Maria",a tia de todos, sempre alegre a dançar ,imparável!Foi com ela que eu iniciei as minhas idas ao casino
Belão apreciei muito a tua mensagem e fez-me relembrar os Xaranga Beat um conjunto fabuloso de músicos e óptimos profissionais.
Muito afinados, assisti a vários ensaios e logicamente em muitas actuações ao vivo durante creio, os meses de Agosto.Lembro-me também do desastre na Estrada de Tornada que vitimou o vocalista. Foi um acontecimento horroroso.Toquei várias vezes com a "Fender" do Júlio Pereira. Nunca esqueci estes fabulosos músicos.
Os Xaranga editaram no início dos anos 70 2 singles em vinil que gostava de os adquirir. Quem os tiver ou souber quem tenha agradeço o contacto. obrigado sonix@sapo.pt
...muito interessante tudo isto,fantásticos tempos e pessoas , que nunca mais voltam, mas só para ajudar a lembrar as memórias desses tempos gloriosos no Casino das Caldas todas essas festas eram organizadas e concebidas por uma única pessoa:MARIA CARLOTA WADDINGTON PETERS ANDRADA MENDOÇA mais conhecida pela Tia Carlota, tinha o talento e a particularidade de organizar tudo. O tio Eduardo Mendonça era o Director máximo do Casino, e homem das massas, por ele passava a última palavra, mas deve-se á Tia Carlota toda a panóplia de cantores e artistas que passaram pelo Casino, e alguns tiverem o seu "baptismo"de notoriedade como o Paco Bandeira, que depois fez a carreira que se sabe.Mas não é tudo, a ela se deve a contratação também do "Xaranga"(o Tio Eduardo não queria....)da passagem da Amália pelas Caldas que teve um palco especial em "T" nessa noite, ou a bandas de hard-rock como os famosos" Kama-sutra" de Almada(o meu irmão também teve influência aqui, já que Almada era a cidade onde vivíamos na altura, e tinham má fama por produzirem som muito alto,....foi lindo para convencer o Tio Eduardo), ou ainda as célebres festas a favor do Movimento Nacional Feminino com ranchos e outros que tais, uma das poucas hipóteses que havia para angariar fundos para ajudar as famílias dos nossos soldados que combatiam galhardamente em África.Ela foi de facto a alma e a génese da segunda fase do Casino(reaberto por iniciativa dela em 1960), e a ela se deve o divertimento, a folia, e a projecção de muita gente que por lá passou. Rui Peters sobrinho
Asim foi como conta a Belao sobre a banda que eu pertenci(Rui Venâncio)Só há um mas...a bateria não era do Tó Freitas , pois ele ia para o Casino e padir-me para tocar um bocadito, que o fiz sempre de boa vontade e o "puto" tinha geito. A Audição foi feita com uma bateria que ainda a tenho, Roger dupla.O resto é como está descrito. È tudo e obrigado por se lembrarem de nós, Abraços. Rui Venàncio
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