ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
.
.

Encontros de Verão

por João Jales

O motor ultrapassava certamente o seu limite máximo de rotações, o barulho era ensurdecedor e, no meio de uma ainda confusa “neblina cerebral”, eu tentava desesperadamente descobrir como é que tinha aterrado no meio desta chinfrineira a que se juntavam, ocasionalmente, gritos humanos…

Algumas horas antes (muitas? poucas? não me lembro…) estivemos no Casino, onde tínhamos “negociado” umas cervejas com a Luísa, do Bar; sei que era cedo, pouco depois de jantar. Mas o baile dessa noite de quarta-feira estava fraco, arrancámos depois para o Ferro Velho no Mini da Isabel, com o Fernando, o Nuno e a Anabela. Mas o motor do Mini, apesar de barulhento, nunca provocaria esta sensação de ter uma trituradora dentro do crânio! É óbvio que uns whiskies em cima não tinham ajudado nada a eliminar a Super Bock anterior, mas eu tinha quase a certeza de ter ido para casa dormir depois disso… Estaria no meio de um pesadelo atormentado pelo álcool? Não, a sensação era demasiado real e dolorosa, nenhum sonho é assim. E os gritos, que gritos seriam estes?

Enquanto eu pensava se seria preferível descobrir o que se passava ou ignorar o terrível fim que seguramente me esperava, o ruído aumentou e eu decidi arriscar. Abri os olhos: havia um exagero de luz, o Sol rasgava o pára-brisas do automóvel, mas eu viajava felizmente no banco de trás, o que tornava menos iminente a sensação de desastre. Estranhamente calmas perante as circunstâncias, sentadas nos dois lugares da frente, duas senhoras, minhas velhas conhecidas da sociedade caldense. O único facto estranho era que conversavam aos berros, já que as suas palavras tinham que se sobrepor ao ensurdecedor rugido do motor. Comecei a lembrar-me...

Apesar da “noitada” tinha-me levantado cedo e decidido ir até à Foz. Como a minha família não ia, devido aos preparativos para uma qualquer festa (roupas, cortes de cabelo, costureira, cabeleireiro), decidi apanhar uma camioneta que saía da garagem às dez e meia e passava na Rainha dois minutos depois. A grande vantagem de ir à Rainha, e não à garagem dos Capristanos, é que as hipóteses de ser visto por alguém conhecido eram grandes e evitava o incómodo das paragens constantes da camioneta e o preço do bilhete. E parecia ter resultado porque, mal cheguei, imobilizou-se logo um carro e ouvi chamar o meu nome. Com o cérebro ainda entorpecido só tarde de mais descobri que a condutora era uma amiga da minha Mãe, a D. Florinda, célebre pela sua condução. A forma como obteve a carta é um dos grandes mistérios caldenses! Tentei esconder-me mas já não consegui, e lá fui naquela terrível boleia para a praia. O curto sono nocturno, o calor do Sol e a baixa velocidade fizeram-me adormecer. Mas o problema é que, mesmo devagar, a manutenção em segunda velocidade provocava um enorme ruído, devido à elevada rotação do motor, obrigando também a que a conversa se desenrolasse a um volume insuportável! E foi essa combinação de barulho e gritos que me acordou, confuso e sobressaltado.

Com umas noções de condução obtidas em pequenas experiências no carro da minha Mãe e de alguns amigos, tentei convencer a condutora a engrenar a terceira velocidade. Respondeu-me que não era aconselhável, porque não queria ir muito depressa e assim era muito mais seguro! Desisti dos meus conselhos na subida para o Alto do Nobre, precisamente no momento em que fomos ultrapassados pela camioneta em que eu devia seguir, se o azar não me tivesse batido à porta… A viagem durou uma eternidade, com a minha ligeira ressaca a tentar, sem êxito, adaptar-se àquele ambiente claramente hostil. Quando chegámos, as duas amigas estavam já um pouco roucas e o automóvel não devia ter o motor nem a transmissão em grande estado, mas isso não me preocupava, não tencionava viajar nele nunca mais!

Estava um glorioso dia de Verão na Foz! A espessa neblina, batida pela nortada com que tínhamos sido brindados após passar o palacete Almeida Araújo, parecia chuva e encharcava até aos ossos. Dia invulgar, já que habitualmente ou está nevoeiro ou vento, não as duas coisas simultaneamente.

A praia estava muito vazia e a nossa barraca não estava armada. Nem perguntei porquê ao banheiro, o Zé Luís, com o dia assim não precisava dela, fui direito ao Tábuas tomar uma bica. Encontrei lá vários amigos refugiados, entre eles a Luísa, uma lisboeta que alugou casa na Foz, admirada com a nossa presença num dia tão mau. Expliquei-lhe que isso era imprevisível, é preciso vir todos os dias; hoje, por exemplo, estavam 30 graus nas Caldas e ali era o que se via. Mas por vezes é ao contrário, estamos habituados à Foz ser sempre uma aventura e as condições meteorológicas uma incógnita. Mas para os verdadeiros entusiastas é irrelevante, o sol não é imprescindível. Nestes dias joga-se King no Mar à Vista à espera que “abra”. Este é o verbo que todos usam nas conversas: “abrir”.
- Será que “abre”?
-Ontem só “abriu” às três…
-Se “abrir” fica o melhor dia do ano!
”Abrir” significa aparecer o sol, dissipar o nevoeiro. Acontece raramente, mas, quando acontece, são tardes fenomenais e esta é a “melhor praia do Mundo”; esquecemos os dias de chuva, vento e frio que são, infelizmente, a maioria.

Mas, por enquanto, a Foz dava razão a Ramalho Ortigão, que afirmava ser esta a estância balnear onde o Inverno passa o Verão… E lá nos preparámos para jogar umas cartas. O dono autorizou mas, para justificar o uso da mesa, trazia uma rodada de bicas de dez em dez minutos. Como ele tem sempre uma barba de três dias e os olhos injectados de quem não dorme há semanas, ninguém teve coragem de dizer que não! Com tanto café, os cigarros acenderam-se uns nos outros. Tenho que voltar a perguntar ao Dr. Marcos Costa se ele pensa mesmo que vir à praia é benéfico para a minha saúde...

Já perto da hora de almoço era evidente que não ia “abrir”. Muita gente se dirigia para a camioneta ou para os carros, a minha boleia matinal também regressava e ofereceu-se para nos transportar de volta. Assegurámos que tencionávamos ficar todo o dia, aproveitando o tempo estar esplêndido! Salvos dessa ameaça, apanhámos pouco depois boleia com o Eng. Ramires. O automóvel era novo, tivemos que assinar uma declaração assegurando que não transportávamos qualquer grão de areia. Assegurámos repetidamente que não tínhamos estado na praia, sempre no café! Olhou-nos, desconfiado, mas lá entrámos na viatura. O Nuno, um pouco mais forte que eu e o Fernando, não se enquadrava no plano do condutor de “distribuir equitativamente os pesos dos passageiros, por causa da suspensão” e ficou em terra. Os dois filhos do Engenheiro foram devidamente espanados e lá fomos todos entrando e saindo, trocando de lugares, em busca de um “equilíbrio perfeito” dos pesos dos ocupantes. Finalmente satisfeito com uma solução, após inúmeras experiências, o condutor rumou às Caldas. Durante a viagem, enquanto o automóvel se engasgava em quarta velocidade, a passo de caracol e o dono se queixava do excesso de carga, quase decidi sair para vir a pé e chegar mais depressa ao almoço. Mas o Fernando convenceu-me que seria uma indelicadeza e eu lá me deixei ficar, já com saudades da viagem com a D. Florinda.



Durante o Verão vivemos de manhã na Foz e à tarde no Parque (e à noite nunca se sabe, para desespero das mães mais preocupadas…).

Tinha um “court” de ténis marcado às quatro e bati umas bolas durante uma hora. Não tenho o vício do Miguel, também gosto de pingue-pongue, das tardes de cartas no Casino, dos passeios de barco, dos lanches no Machado e Esplanada, da preguiçosa inactividade nas “avionetas” da alameda principal e das longas conversas sobre tudo e sobre nada com garotas que fingem deixar-se seduzir enquanto nos avaliam, escolhendo (elas sim) um flirt de Verão…

Mais do que a jogar ténis, diverti-me a ver uma partida, entretanto iniciada no outro campo, entre o Dr. Camilo Veiga e o filho, o João. A esposa de um dos adversários, e mãe do outro, assistia ao feroz embate quase impossibilitada de se manifestar já que, se batia palmas ao pai, era apelidada de “madrasta”, se aplaudia o filho, de “esposa traiçoeira”. Sentei-me com o Filipe junto à senhora e acabámos a comer umas magníficas línguas de gato do Machado, originalmente destinadas aos contendores, entretanto caídos, por culpa própria, em desgraça. Nem vi quem ganhou, o prémio principal, as bolachas, já nos tinha sido entregue! E o Ténis obrigou-me a um duche que fui tomar a casa, não há balneários no Parque.

Vesti-me e preparei-me para sair. Um metro e oitenta e seis com sessenta e dois quilos permitiram-me vestir umas justas calças brancas, que hoje me serviriam talvez de cinto, e uma Lacoste que se colava às costelas, isto apesar da meia-dúzia de papo-secos do Teixeira que lanchei. O meu Pai, acabado de sair do consultório, também se lavava, barbeava e vestia para o tal jantar que impedira a minha Mãe e irmã de irem à praia. Eu, que me barbeio duas vezes por semana, olho sempre incrédulo para ele que, fazendo a barba de manhã, tem que repetir o ritual quando sai à noite.

Com a minha idade estou já dispensado de os acompanhar, o que me permitiu ir jantar fora em mais interessante companhia. Ainda me fizeram recomendações sobre horas e deslocações, mas nem ouvi, já estava ao telefone a fazer planos. Porque a noite estendia-se à minha frente, prometendo tudo (generosa e sem condições, como só é possível aos dezassete anos), em qualquer dos Locais de Encontro da Juventude Caldense …

João Jales

1 comentário:

Anónimo disse...

Parabéns João por este magnífico texto. Quase que podemos dizer que qualquer semelhança com a realidade não é mesmo coincidência.Gostei dos nomes fictícios, mas deu para identificar. Quem não se lembra da "D.Florinda", autêntica Michelle Mouton da época?
Muito divertido!Bjo