por Isabel Sousa e Silva
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D. Dora no magusto do ERO em 1972
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Ainda bem que a Paula resolveu escrever sobre a D.Dora, figura carismática do ERO.
São tantos os episódios engraçados que, ao ler o texto, vieram-me à memória algumas cenas que, se já na altura nos faziam rir, hoje então....
Cena 1:
A minha turma tinha nesse dia um teste (ponto, como se dizia na altura) de História e, à mesma hora, outra turma (já lá iremos) tinha ponto de Físico-Química. Por motivos de força maior o Dr. Serafim teve de faltar nesse dia, o que raramente acontecia.
A campainha tocou para a entrada. Ao entrarmos na sala, a Drª Noémia anunciou:
- Metade da turma vai para a sala ao lado, misturar-se com os colegas que vão fazer ponto de Física.
E assim foi. As turmas dividiram-se pelas duas salas. Acho que o Dr. Serafim, conhecedor da necessidade que a D.Dora tinha de, ao longo do dia, aplicar várias camadas de verniz nas suas unhas, não confiava lá muito na eficiência com que tomava conta dos que eram especialistas em técnicas de copianço. Havia também a hipótese de durante aquela hora, ela dormitar por alguns momentos e só acordar quando o ruído já chegava ao corredor. Daí a mistura das turmas.
E assim foi. As turmas dividiram-se pelas duas salas. Acho que o Dr. Serafim, conhecedor da necessidade que a D.Dora tinha de, ao longo do dia, aplicar várias camadas de verniz nas suas unhas, não confiava lá muito na eficiência com que tomava conta dos que eram especialistas em técnicas de copianço. Havia também a hipótese de durante aquela hora, ela dormitar por alguns momentos e só acordar quando o ruído já chegava ao corredor. Daí a mistura das turmas.
Fiz, portanto, o ponto de História sob a vigilância da D.Dora.
Pontos distribuídos, meio minuto depois estabelece-se este diálogo:
- Tia Dorinha, posso fazer uma pergunta que não vem no ponto?
- Oh Robertinho, veja lá se não vem no ponto!
- Tia Dorinha, acha que eu ia fazer uma pergunta que vem no ponto? É só um esclarecimento para eu poder responder.
- Então vá lá. Mas veja lá!
O Roberto levantou-se, foi ao quadro, pegou no giz, escreveu e perguntou:
- Alguém me sabe esclarecer?
Claro que alguém prontamente o fez (acho que foi o Chiquinho) e claro que vinha no ponto.
Nada de extraordinário, não fora o facto de, minutos depois e por mais duas vezes o diálogo se repetir e a D. Dora permitir que as dúvidas do Roberto continuassem a ser esclarecidas.
Resultado: O ponto de Físico-Química foi anulado.
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Cena 2:
Cena 2:
Toda a gente sabe que se fumavam uns cigarritos na casa de banho das meninas. Pois é. Um belo dia resolvemos que a aula de lavores era o local ideal para mandarmos umas valentes passas de SG. E como o fazer sem que D.Dora desse por isso? Colocámo-nos ao fundo da sala, rodeadas pelas belas toalhas que algumas bordávamos a ponto pé-de-flor, dos casaquinhos de crochet e dos panos de tabuleiro, e, lá para a terceira camada de verniz, três de cada vez sentávamo-nos no chão, esfumaçando, enquanto as outras iam abanando as toalhas e paninhos para tentar ocultar o fumo.
Sem levantar os olhos, não fosse o verniz ultrapassar a unha e “esborratar” o dedo, D.Dora indagava:
- O que é que andarão a queimar lá fora? Cheira tanto a queimado! Fechem lá as janelas!
As risadas debaixo daquelas peças de lavores eram mais que muitas, claro está.
Repetimos a cena várias vezes, até sermos descobertas e levadas ao Pe.Chico que, embora querendo manter-se sério, não conseguia disfarçar uma tremenda vontade de rir.
O facto de não me lembrar de qualquer castigo mostra que, se houve, não foi de molde a estragar o gozo que a cena da fumaça nos deu!
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Belão
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COMENTÁRIOS
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João Jales disse:
Deliciosas estas duas "cenas da vida da D. Dora no ERO". Dura vida, diga-se, a de quem aturava estas "pestinhas"...
Tenho sempre pena que a Belão não tenha mais tempo para escrever, já que tem muitas memórias e um natural talento para nos divertir com a sua narração. Vai aparecendo! JJ
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farofia disse...
A Dona Dora! pensei que nunca iria falar dela, mas neste ambiente informal e afectuoso, à distância de 40 anos, já consigo confessar que tinha medo da Dona Dora! Ela olhava para mim como se visse o diabo de mini-saia. Virava a cabeça, desaprovadora com um murmurado t'arrenego, belzebut!
A Dona Dora! pensei que nunca iria falar dela, mas neste ambiente informal e afectuoso, à distância de 40 anos, já consigo confessar que tinha medo da Dona Dora! Ela olhava para mim como se visse o diabo de mini-saia. Virava a cabeça, desaprovadora com um murmurado t'arrenego, belzebut!
Não era uma pessoa fácil, capaz de alterar os rígidos princípios morais que eram a sua essência de vida. Tinha muitos afectos, muitas pessoas na sua riquíssima galeria social. Sabia tudo de todos e era mestra a contar histórias, reais umas, outras fantasiadas.Boa pessoa, a nossa Dona Dora!
Inolvidável, como se vê pelas memórias adolescentes que os seus alunos revivem com prazer e sorrisos.
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Isabel X disse...
Não presenciei estas giríssimas cenas passadas com a D. Dora e tão bem contadas pela Belão. Do que eu me lembro melhor é de nós lhe perguntarmos nas aulas de Lavores porque é que não se tinha casado, sendo uma senhora tão interessante, tão bem arranjada, etc., etc... Ao que a D. Dora dava uma resposta enigmática: "Lá está (em Lisboa) quem também não se casou!...". Julgo saber que se referia ao Dr. Paulo Rodrigues, a quem Mário Soares apelidou de "Caneta de Salazar". A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
Não presenciei estas giríssimas cenas passadas com a D. Dora e tão bem contadas pela Belão. Do que eu me lembro melhor é de nós lhe perguntarmos nas aulas de Lavores porque é que não se tinha casado, sendo uma senhora tão interessante, tão bem arranjada, etc., etc... Ao que a D. Dora dava uma resposta enigmática: "Lá está (em Lisboa) quem também não se casou!...". Julgo saber que se referia ao Dr. Paulo Rodrigues, a quem Mário Soares apelidou de "Caneta de Salazar". A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
No entanto, contou-me o Dr. Serafim, quando o Papa Paulo VI veio a Fátima, enquanto ele estava no meio do povo, a D. Dora ocupava um lugar de destaque ou, pelo menos, à parte do comum dos mortais. Apesar de tudo, o antigo enamorado lembrava-se dela nessas ocasiões!
- Isabel Xavier -
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Belão disse...
Olá Isabel!Também me lembro de cá em casa se falar desse amor platónico, mas da parte da D.Dora. Sabes que o Paulo Rodrigues é primo direito do meu pai e um contador de estórias fabuloso. Quando em miúda ia a casa dele e a família se reunia, era certo o serão ser divertido.
Olá Isabel!Também me lembro de cá em casa se falar desse amor platónico, mas da parte da D.Dora. Sabes que o Paulo Rodrigues é primo direito do meu pai e um contador de estórias fabuloso. Quando em miúda ia a casa dele e a família se reunia, era certo o serão ser divertido.
Segundo o meu pai, confirma-se a paixão da D.Dora. Mas só a dela!Bjo
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Isabel VP disse:
Isabel VP disse:
Posso fazer outra correcção? Foi o próprio Dr. Paulo Rodrigues que se apelidou "lapiseira de Salazar" quando foi secretário de estado; o Dr. Mário Soares apenas o citou.IVP
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Isabel X disse:
Agradeço as correcções. Não era caneta, de facto, mas lapiseira, e o próprio a designar-se desse modo. Mário Soares deve tê-lo citado.
Falei nisso para situarem Paulo Rodrigues e o relacionarem com quem de direito, mas não me fui documentar sobre o assunto como devia. Falei de cor!Não sabia que Paulo Rodrigues era primo da Belão, mas já desconfiava que o sentimento platónico que a D. Dora nutria por ele não fora correspondido, mesmo na juventude; por isso falo em "ilusões" da sua parte.
Beijinhos para todos.
- Isabel Xavier -
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Luis disse:
Sim,IVP tem razão,foi o próprio Paulo R que se auto-denominou.A partir daí surgiu realmente uma alcunha,mas não era "a lapiseira" nem "a caneta",mas um objecto mais funcional e sempre à mão...Luis
Sim,IVP tem razão,foi o próprio Paulo R que se auto-denominou.A partir daí surgiu realmente uma alcunha,mas não era "a lapiseira" nem "a caneta",mas um objecto mais funcional e sempre à mão...Luis
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João Ramos Franco disse...
Lá que a D. Dora tivesse essa ideia... A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
Lá que a D. Dora tivesse essa ideia... A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
No meu tempo dizia-se que o Salazar e o Dr. Paulo Rodrigues tinham reuniões de trabalho na Pousada de Óbidos...As meias verdades da ditadura...
João Ramos Franco
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Isabel X disse:
As meias verdades não são um exclusivo das ditaduras, são de todos os tempos e de todos os regimes...
Nunca ouvi nem li nada que aponte para, ou suporte, a insinuação que o João R F refere.
- Isabel X -
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João Ramos Franco disse...
Isabel Xavier:
Isabel Xavier:
Tem razão, eu retiro a palavra "ditadura".Talvez por defeito meu e de conhecer tanta coisa que se contava, à época, das referidas reuniões eu tenha dito a palavra que realidade não está no contexto do que disse.
Desculpe. João Ramos Franco
8 comentários:
A Dona Dora! pensei que nunca iria falar dela, mas neste ambiente informal e afectuoso, à distância de 40 anos, já consigo confessar que tinha medo da Dona Dora! Ela olhava para mim como se visse o diabo de mini-saia. Virava a cabeça, desaprovadora com um murmurado t'arrenego, belzebut!
Não era uma pessoa fácil, capaz de alterar os rígidos princípios morais que eram a sua essência de vida. Tinha muitos afectos, muitas pessoas na sua riquíssima galeria social. Sabia tudo de todos e era mestra a contar histórias, reais umas, outras fantasiadas.
Boa pessoa, a nossa Dona Dora! Inolvidável, como se vê pelas memórias adolescentes que os seus alunos revivem com prazer e sorrisos.
Não presenciei estas giríssimas cenas passadas com a D. Dora e tão bem contadas pela Belão. Do que eu me lermbro melhor é de nós lhe perguntarmos nas aulas de Lavores porque é que não se tinha casado, sendo uma senhora tão interessante, tão bem arranjada, etc., etc... Ao que a D. Dora dava uma resposta enigmática: "Lá está (em Lisboa) quem também não se casou!...". Julgo saber que se referia ao Dr. Paulo Rodrigues, a quem Mário Soares apelidou de "Caneta de Salazar". A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
No entanto, contou-me o Dr. Serafim, quando o Papa Paulo VI veio a Fátima, enquanto ele estava no meio do povo, a D. Dora ocupava um lugar de destaque ou, pelo menos, à parte do comum dos mortais. Apesar de tudo, o antigo enamorado lembrava-se dela nessas ocasiões!
- Isabel Xavier -
Olá Isabel!
Também me lembro de cá em casa se falar desse amor platónico, mas da parte da D.Dora. Sabes que o Paulo Rodrigues é primo direito do meu pai e um contador de estórias fabuloso. Quando em miúda ia a casa dele e a família se reunia, era certo o serão ser divertido.
Segundo o meu pai, confirma-se a paixão da D.Dora. Mas só a dela!
Bjo
Posso fazer outra correcção? Foi o próprio Dr. Paulo Rodrigues que se apelidou "lapiseira de Salazar" quando foi secretário de estado; o Dr. Mário Soares apenas o citou.
IVP
Sim,IVP tem razão,foi o próprio que se auto-denominou.A partir daí surgiu realmente uma alcunha,mas não era "a lapiseira" nem "a caneta",mas um objecto mais funcional e sempre à mão...Luis
João Jales disse:
Deliciosas estas duas "cenas da vida da D. Dora no ERO". Dura vida, diga-se, a de quem aturava estas "pestinhas"...
Tenho sempre pena que a Belão não tenha mais tempo para escrever, já que tem muitas memórias e um natural talento para nos divertir com a sua narração. Vai aparecendo! JJ
Lá que a D. Dora tivesse essa ideia... A senhora mantinha a ideia de que ambos tinham optado por não casar devido ao sentimento platónico que mantinham um pelo outro. Ilusões...
No meu tempo dizia-se que o Salazar e o Dr. Paulo Rodrigues tinham reuniões de trabalho na Pousada de Óbidos...
As meias verdades da ditadura...
João Ramos Franco
Isabel Xavier
Tem razão, eu retiro a palavra "ditadura".
Talvez por defeito meu e de conhecer tanta coisa que se contava, à época, das referidas reuniões eu tenha dito a palavra que realidade não está no contexto do que disse. Desculpe.
João Ramos Franco
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