ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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STANDING TALL...

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«Quem já tem o livro de Inglês?»
Muitos braços se levantam, mais de meia turma. Era a vantagem de já ter o material logo na primeira aula. «Guardem o livro, não vão precisar dele. Eu sou o livro!» Gosto. E a seguir, outra pergunta: «Quem já tem a gramática?» Ainda muitos braços. «Guardem a gramática, não vão precisar dela. Eu sou a gramática!» Desapontante? Não, gosto ainda mais, mas será a sério? Em Português e em Francês temos livro e gramática -- em Inglês não é preciso!? «Quem já tem dicionário?» Ainda mais braços -- afinal o dicionário é peça insubstituível, ainda mais que a gramática.
«Guardem o dicionário, não vão precisar dele. Eu sou o dicionário!» Tanto gozo a sério já causa receio -- parece que isto não vai ser mais do mesmo.
Não foi, o Dr. Luís era, como ele dizia, de 18s e de 8s. E lá começa a escrever no quadro a sua primeira «sentence»: «How are you? I am all right, thank you». E mais quatro sentences. Treinar a pronúncia, repetir a rodar pela sala de aula. Dia seguinte, primeira coisa, na ponta da língua: tudo. O Dr. Luís era diferente, a disciplina de Inglês era diferente, e era disruptiva para com as outras disciplinas.
Isto aconteceu e hoje, como acontece com tantas outras coisas, parece inacreditável. Onde estava o espartilho, a avaliação do professor, a certificação, o controlo de conteúdos e métodos? Naturalmente, havia quem não concordasse com o estilo do Dr. Luís, mesmo entre os outros professores. Como ousa ele fazer isto? Em surdina as perguntas seriam talvez mais assim, em linguagem de hoje, Can he get away with it? Can he pull it off?
É uma história nossa que vale a pena recordar, aconteceu mesmo e com sucesso -- tremendos sucessos dos alunos ERO nos exames nacionais.
E eu, muitos anos depois, «The weather is getting milder and milder» -- a impressionar os Américas.
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Tinha dado o primeiro toque. Saía da Sala de Professores e caminhava na nossa direcção, para a sala a Este na ponta do corredor, a Dra. Cândida. Senhora alta, fina, dossier no braço esquerdo, um pouco contra o peito, aproximava-se. Era uma presença agradável -- uma professora nova, elegante, num estilo sóbrio e clássico. Bonita, de pernas finas, feições finas, tez clara, cara esguia mas feminina, cabelo puxado para cima, pescoço longo, visível apesar do lenço, dentes em arcada esguia e perfeita, sorriso natural. Uma grande serenidade, um olhar calmo mas não triste, olhos serenamente vivos, castanhos claros e límpidos, abertos, sem óculos. Voz clara, dicção sempre correcta, mas tolerante (não é portenha, diz velhice com e fechado mas aceita aberto). Não há gritos nem histerias. Serenidade e presença. Uma presença de grande classe, numa classe de miúdos rabinos. «Comment allez-vous, Madame?» dizem os meus colegas logo à entrada da segunda aula de Francês -- o Filipe (do Bom Sucesso) é o mais ilustre. Na aula seguinte, já está a Dra. Cândida com os três eee de «élève». Há muito mais aqui ...
A Dra. Cândida foi talvez a melhor professora que eu tive. Muito gostaria de a poder voltar a encontrar e agradecer-lhe o muito que fez: ensinar bem, procurar incutir formas de disciplina, e acima de tudo mostrar logo no primeiro ano que ninguém estava abaixo de ninguém, e que ela era justa, disciplinante e que nos compreendia e apreciava. [JJ, não te lembras de como ela apreciava o teu especial jeito a adjectivar e adverbiar?]
Sei que lhe dei algumas alegrias, que recebi alguns prémios (livros), que certamente lhe demonstrei a minha afeição pelo respeito que lhe tinha, pela atenção como a escutava e olhava e como me sentia bem nas suas aulas. Aulas chatas? Só uma, a Francês, e como foi só uma não dá para esquecer -- a chamada ao Jorge Pedro, um craque, não está a correr bem (para grande consternação dela) e quando me chama a seguir eu sei que a minha também não vai correr bem. Não corre, para uma talvez ainda maior consternação dela e alguma dissimulação de misérias óbvias. [Eu tinha sido chamado no dia anterior e tinha inferido que não iria ser chamado no dia seguinte; e a lição era bem difícil, sobre as galinhas e os Lenoir].
Exigente, sem excessos, tolerante mas sem tolerância para excessos, nem sempre recebeu a apreciação que merecia da nossa parte. Entregava-se ao ensino, e a nós para além do mero ensino, com dedicação e com entusiasmo, como uma grande professora, que de facto era. Standing tall, mas sem olhar por cima.
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Luis Marcelino
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COMENTÁRIOS
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Tó Zé Hipólito disse:
Bravo Luis! Realmente o espirito observador e a atenção nos pormenores sempre foram teus apanágios. Este retrato detalhado da Dra. vem ao encontro de uma recordação das famosas sabatinas das aulas de geografia do Dr. Lopes em que uma das perguntas feitas pelo rapazinho em causa, era "o que é a standardização?"
Claro que não lembro quem era a vitima ou, generalizando, as vitimas pois ninguém da turma sabia a resposta. O prof., depois de uma rara (nele) prelecção sobre a qualidade da pergunta, motivada pela não especificação no livro de geografia do significado que tinha, argumento usado por alguém da turma para amenizar a falha, perguntou como era que o "génio" sabia. Simplesmente foi ao dicionário. Seguiu-se o post scriptum da prelecção, com o elogio das qualidades de inteligencia e blablabla... do L.A. Tudo isto num dos raros longos momentos de silencio que a nossa turma sempre foi parca.
Fico a espera de mais momentos que tenhas guardados no arquivo da tua "malinha".
AJH
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João Jales disse:
Magnífico texto, mostrando, se tal fosse necessário, que a "malta da F" também sabe escrever (e bem).
Várias satisfações pessoais para mim:
- o Luis António foi meu colega de turma e amigo durante os sete anos do liceu;
- esta é a sua primeira colaboração;
- o seu depoimento corrobora a impressão e opinião que eu aqui exprimi sobre estes dois excelentes professores que tivémos o privilégio de ter no Colégio. ( Podem ler ou reler OS PROFESSORES QUE VIERAM DO FRIO ) .
Não é, aparentemente, uma memória consensual, mas as memórias não têm que o ser.
E sim, respondendo à pergunta que ele faz, lembro-me de ser um bom aluno que a Cândida apreciava, mas um bom aluno apreciado por um bom professor dificilmente é uma estória interessante...
Um abraço para o autor , e o desejo que volte a escrever o mais depressa possível. JJ
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Ana disse...
Gostei muito de ler este depoimento que também acho muito bem escrito,quem diria que debaixo do cientista estava um escritor?
A minha memória dos dois professores é igualmente muito favorável nem desconfiava que houvesse opiniões contrárias;li o teu texto sobre eles mas não os comentários feitos depois por falta de tempo.
Parabéns ao Luis António.Ana
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AntMor disse...
As fotografias são fantásticas,o Flores e o Malinha escrevem muito bem,onde vai parar este blogue???E o que é feito do Tó Zé Neto que parece uma estrela do surf dos anos 60???O Luis e a Cândida eram Grandes professores,assino essa declaração.

1 comentário:

Anónimo disse...

Gostei muito de ler este depoimento que também acho muito bem escrito,quem diria que debaixo do cientista estava um escritor?
a minha memória dos dois professores é igualmente muito favorável nem desconfiava que houvesse opiniões contrárias,li o teu texto sobre eles mas não os comentários feitos depois por falta de tempo.
Parabéns ao Luis António.Ana