ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
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DIÁRIO - 9 de Janeiro

Esta é uma página do Diário de um aluno do Externato Ramalho Ortigão. Esteve guardado num sótão muito húmido, tem a capa desfeita e o ano ilegível. Foi-me enviado há poucos dias e grande parte das folhas estão coladas umas às outras, muito amarelecidas e com a tinta esborratada. Estou a tentar transcrever as mais aproveitáveis e que tenham, simultâneamente, referências a locais de encontro e acontecimentos desse tempo. Os nomes dos locais foram fáceis de perceber, penso que estão correctos, os das pessoas não estou tão seguro.
Valeu a pena o esforço? Vocês me dirão.



9 de Janeiro


Levantei-me cedo, como sempre as aulas são às oito e meia. Passei pelo Capristanos para tomar uma bica, mas tive o cuidado de só acender o cigarro depois de sair. O empregado é o mesmo que serve, depois de almoço, um grupo de médicos ali do Montepio, alguns comerciantes e empresários que lá vão tomar café e jogar o 31. Como o meu Pai faz parte do grupo, o empregado pode dizer-lhe que já fumo. É melhor não arriscar… Vou a correr, porque chove e esqueci-me do guarda-chuva. Como sempre.

As aulas foram a chatice do costume, a Madame Inc. parece mais intragável a cada dia que passa! Ou já a aturamos há demasiados anos... Como estamos a começar o período não tivemos o filme de terror das "chamadas", com as folhas da caderneta a andarem lentamente para trás e para a frente.

Estivemos a combinar onde ir no Carnaval. Todos querem um “assalto”, mas não resolvem onde. Os meus pais já puseram a minha casa fora de causa. A minha Mãe nem costuma ser bera nestas coisas de levar amigos lá a casa, mas desta vez são muitos e ela não vai estar lá, vai para o Casino. Diz que quem tem vivendas é que tem assaltos. É verdade que a festa baril é na garagem da vivenda dos Coutos, mas é malta um pouco mais velha. Vamos ver.

Como parou de chover saí no intervalo grande e vim com a Luisa à Zaira. Ela teve que inventar uma desculpa para sair (nós podemos, mas elas não). Às onze horas os pastéis de nata estão mornos e estaladiços, de comer e chorar por mais. A minha Mãe estava lá com as amigas a tomar café e pagou a meia-dúzia que comemos (5 eu, claro). Em troca lá tive de lhe ir buscar uma saca de batatas à praça e de lha trazer para o carro. Obviamente só faz compras nestas quantidades quando tem quem as carregue. Em casa calhará à criada vir buscá-las ao porta-bagagens. Fiquei com as botas sujas de bosta de burro. Quando é que proíbem os animais no centro da cidade? Há anos que falam nisso, mas continuam os vendedores a vir com burros, e até bois, que são guardados na Cova-da-Onça, na subida do Colégio, ao fundo da Praça e noutros locais próximos. Deixam as ruas, incluindo a das Montras, todas sujas.

Almocei em casa e voltei para o colégio. No caminho fui tomar café ao Bocage. A maior parte dos clientes são comerciantes, funcionários públicos e empregados dos bancos e seguradoras ali da zona. O meu Pai nunca lá vai, até posso fumar um cigarrinho em público.

Vou ter às 5 bicas, onde a malta costuma esperar por companhia. Dizem-me que as miúdas, sempre com a mania da pontualidade, já subiram. Vou no grupo dos últimos, mas consigo chegar às duas e meia.

As aulas da tarde começam com a Super e, como não há apontamentos para tirar, dá para ir olhando pela janela e pensar como seria bem melhor estar na Mata a jogar à bola... Acho que quase adormeci, acordo com a Super aos berros! Felizmente é com os do costume, nunca mais aprendem a não discutir com ela. Não vale a pena. No intervalo, chuva outra vez. Dia chato!

Depois das aulas fomos directos à Floresta, tentar apanhar a mesa de matraquilhos junto à parede, que é a melhor das duas. Joguei à defesa e o Filipe ao ataque contra o Mário e o Paulo. Desta vez ganhámos, eles dizem que são fifty-fifty as nossas vitórias e derrotas contra eles. São uns gabarolas, nós ganhámos muito mais jogos!

Comi uma bifana e bebi uma imperial. A bifana era melhor, a imperial sai pouco, porque os jogadores da laranjinha preferem o tintol.

A Luisa esperava-me, furiosa, na Tália. Nem tivemos tempo para ouvir o novo disco dos Simon & Garfunkel que chegou hoje e que o Sr. Diogo me mostrou. Ela tem horas para chegar a casa e queixa-se do tempo que eu passo nos matraquilhos da Floresta e no bilhar do Central e do Marinto. Embora aí ela possa ir, não se diverte nada, porque cada vez que pega num taco aparece logo o empregado: ”Cuidado, não rasgue o pano que é muito caro! Isto não é para meninas.” Fica pior que estragada! E à noite, durante a semana, não pode sair excepto se houver um grupo que vá ao cinema. Mas tem que ser um filme realmente especial e com colegas (raparigas) a ir buscá-la. E eu nem apareço, espero na Zaira ou no Casino, conforme vamos ao Pinheiro Chagas ou ao Ibéria. Ao fim-de-semana há um pouco mais de liberdade.

Jantei e fui um bocado à Maratona experimentar um carro novo que o meu Pai comprou no Turita. Diz que é para correr com o Dr. Brito Mota e o Frazão, no fim-de-semana, mas nunca tem tempo Acabo sempre por ficar eu com os carros. Mas há muita gente da idade dele a correr. Tenho que arranjar um “punho” novo, o meu aquece muito e queima-me a mão.

Estava um briol tramado e chovia a cântaros, mas eu já tinha combinado ir a Óbidos beber uma cerveja ao Montez. Fui com o Toni. Os meus pais nem podem sonhar, proibiram-me de entrar no carro dele, porque anda sempre na mecha. Mas se não for com ele não vou a lado nenhum. Além dele só os tipos que já trabalham ou estudam em Lisboa têm carro. E com esses não ando, são um grupo muito diferente.

Lá acabei por voltar muito depois da meia-noite combinada, o que foi uma chatice. Disse à minha Mãe que já não tenho idade para Cinderela mas, para ela, vou ter sempre dez anos. Culpa o meu Pai por me ter dado uma chave de casa quando terminei, com boas notas, o quinto ano do Liceu. Só não foi um raspanete maior porque o meu Pai e o meu irmão mais novo já dormiam.

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