Janeiro e Fevereiro de 1964: durante aqueles dois breves meses, Mário e Eva, alunos do 5º ano do Externato Ramalho Ortigão, corresponderam-se intensamente. Separados por turmas, corredores, recreios e horários, recorriam à escrita para comunicarem, animando o sentimento forte que os tocara. Faziam-no às ocultas – dos professores, dos contínuos, dos pais – servindo de intermediário um colega do 3º ano (onde a separação de alunos por sexo ainda não se processara). Extractos da correspondência trocada entre os dois jovens:
De Eva para Mário: «Hoje na aula de Geografia, o Dr. Lopes disse que houve um problema qualquer que só tu conseguiste resolver. Toda a gente olhou para mim e eu senti-me muito corada. (…) A Júlia faz colecção de fotografias assinadas e conseguiu uma do Dr. Kildare. Estou a pensar escrever a pedir uma do Bonanza, que achas?»
De Mário para Eva: «No próximo sábado, na Tertúlia, o poeta David Mourão-Ferreira vai dizer poemas. A Dr.ª Rita falou-nos disso na aula. Gostava de ir, mas à noite não tenho transporte. (…) Hoje saio às 4 e meia. Talvez pudéssemos encontrar-nos na Tália, por volta das 5.»
De Eva para o Mário: «Este fim de semana vai no Ibéria um filme com a Marisol. Vais? Eu já vi, quando fui a Lisboa, não achei muita graça, mas vocês rapazes é que gostam muito dela… Hoje, no intervalo grande, estivemos a falar do Carnaval. Parece que há um grupo que quer preparar um assalto a casa do Vasco. Que é que vocês rapazes dizem?»
De Mário para Eva: «Vou mandar-te um poema que fiz esta manhã na aula de História ( estavam todos a bocejar enquanto o Meia Leca soletrava o Mattoso). O Carnaval não é a minha especialidade. Diz a malta do 6º e 7º que os bailes do Lisbonense são os mais divertidos (provavelmente porque os pais preferem os do Casino…)»
De Eva para Mário: «Ontem à tarde fui a casa da Júlia estudar para o ponto de inglês e estivemos a ouvir discos no gira-discos que o Pai lhe ofereceu no Natal. Ela tem o último disco dos Shadows, que é bestial. Já ouviste? Ou tu és daqueles que só gostam de Sylvie Vartan?»
PS. Recebi os teus versos. Mas já me disseram que há uma outra rapariga aqui na aula que recebeu versos teus e não tenho a certeza se isso me agrada».
De Mário para Eva: «Não leves muito a sério nem os versos nem a nossa correspondência. Dos primeiros não ficará nem uma palavra na tua memória e da segunda não rezará história alguma».
De Eva para Mário: «Hoje na aula de Geografia, o Dr. Lopes disse que houve um problema qualquer que só tu conseguiste resolver. Toda a gente olhou para mim e eu senti-me muito corada. (…) A Júlia faz colecção de fotografias assinadas e conseguiu uma do Dr. Kildare. Estou a pensar escrever a pedir uma do Bonanza, que achas?»
De Mário para Eva: «No próximo sábado, na Tertúlia, o poeta David Mourão-Ferreira vai dizer poemas. A Dr.ª Rita falou-nos disso na aula. Gostava de ir, mas à noite não tenho transporte. (…) Hoje saio às 4 e meia. Talvez pudéssemos encontrar-nos na Tália, por volta das 5.»
De Eva para o Mário: «Este fim de semana vai no Ibéria um filme com a Marisol. Vais? Eu já vi, quando fui a Lisboa, não achei muita graça, mas vocês rapazes é que gostam muito dela… Hoje, no intervalo grande, estivemos a falar do Carnaval. Parece que há um grupo que quer preparar um assalto a casa do Vasco. Que é que vocês rapazes dizem?»
De Mário para Eva: «Vou mandar-te um poema que fiz esta manhã na aula de História ( estavam todos a bocejar enquanto o Meia Leca soletrava o Mattoso). O Carnaval não é a minha especialidade. Diz a malta do 6º e 7º que os bailes do Lisbonense são os mais divertidos (provavelmente porque os pais preferem os do Casino…)»
De Eva para Mário: «Ontem à tarde fui a casa da Júlia estudar para o ponto de inglês e estivemos a ouvir discos no gira-discos que o Pai lhe ofereceu no Natal. Ela tem o último disco dos Shadows, que é bestial. Já ouviste? Ou tu és daqueles que só gostam de Sylvie Vartan?»
PS. Recebi os teus versos. Mas já me disseram que há uma outra rapariga aqui na aula que recebeu versos teus e não tenho a certeza se isso me agrada».
De Mário para Eva: «Não leves muito a sério nem os versos nem a nossa correspondência. Dos primeiros não ficará nem uma palavra na tua memória e da segunda não rezará história alguma».
.João Bonifácio Serra
Nota: Publicado na Gazeta das Caldas e incluído na compilação de crónicas de 50/60 "Continuação" de João Bonifácio Serra. A página do autor pode ser consultada em http://www.cidadeimaginaria.org/
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comentários
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5 Dezembro, 2007
Margarida Araújo disse...
Afinal parece que não terá sido bem assim. Das palavras talvez tenham ficados algumas na memória da tal "Eva" e agora ficam certamente na nossa. Da correspondência terá rezado por certo uma bonita história.
Margarida Araújo disse...
Afinal parece que não terá sido bem assim. Das palavras talvez tenham ficados algumas na memória da tal "Eva" e agora ficam certamente na nossa. Da correspondência terá rezado por certo uma bonita história.
A quem ainda não leu as crónicas do João Serra, na Gazeta, ou depois compiladas em livro que aqui se cita, fica a garantia de uma escrita viva e as recordações de uma memória comum. Fiquem atentos!
Beijos da Guidó
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