ALMOÇO / CONVÍVIO

ALMOÇO / CONVÍVIO

Os futuros almoços/encontros realizar-se-ão no primeiro Sábado do mês de Outubro . Esta decisão permitirá a todos conhecerem a data com o máximo de antecedência . .
.
.

E.R.O. , por José Carlos Faria

Recebemos por email este artigo do José Carlos Faria. Pedida a opinião a um dos editores, ele escreveu:

O artigo está muito bem escrito, apesar de pessoalmente não subscrever algumas partes da visão que ele transmite. Mas as visões são mesmo assim, pessoais e com doses de subjectividade variáveis segundo os autores.
Interrogo-me também sobre a sua extensão, parecendo-me que este meio pode não conviver muito bem com artigos demasiado longos...
Em todo o caso, é seguramente mais um contributo para o enriquecimento do Blog e para o sucesso da iniciativa.

Aqui está, à vossa disposição para ler e comentar.


Externato Ramalho Ortigão

por José Carlos Faria

A «Ramalhal Figura» (como Eça lhe chamava) era o patrono tutelar. Da sua fina ironia e das «Farpas» de crítica mordaz, pouco ouvimos falar. Talvez o facto de, perante a Mofina, ter renegado a condição de ateu confesso e anticlerical impenitente, indo desta para pior confortado com a extrema-unção e os sacramentos da Santa Madre, acabasse por justificar, para cónegos, bispos e cardeais, o seu nome em relevo no frontão duma entidade pertencente ao Patriarcado.
Liceu era uma via aberta que conduzia directamente à Universidade, mas só existia nas capitais de distrito. Nas pequenas terras de província restava como alternativa o ensino particular ou as Escolas Industriais e Comerciais, formatadas para propiciar honradamente um emprego, ponto final. Para quem delas viesse e quisesse continuar os estudos, tinha pela frente um calvário tortuoso, que, aos mais persistentes e só a esses, conferiria enfim o direito a integrar o número dos «happy few» universitários. E cara alegre, já que o entendimento dominante num país com bem mais de um terço de analfabetos confinava-se ao ler, escrever e saber as quatro operações. E não para todos, claro!
O Colégio, portanto. Aliás, Externato: o E.R.O.

Em Outubro de 1965, o Benfica de Costa Pereira, Coluna, José Augusto, Torres, Simões e do número De(u)z Eusébio, ganhava campeonatos em séries de três, os Beatles estavam à beira de editar «Rubber Soul» com «Girl» e «Michelle», e eu, de alma amortalhada na borracha duma gabardina nova dum escuríssimo castanho, comprida e com capuz (quase um hábito fradesco) a qual, como de costume e para desespero do meu casal progenitor, viria a perder rapidamente, dava entrada (bicho pequeno assustado) no ginásio/salão de festas do E.R.O. para a sessão de boas vindas do novo ano lectivo.
«Não há bons alunos nem maus alunos. Há tão só alunos que estudam mais e os que estudam menos», perorou o Director. Pertencendo eu arreigadamente ao segundo grupo, durante os anos que se seguiram tive de ouvir o meu pai repetir até à náusea tão douta máxima.
Para um novato caloiro, a guerra colonial em três frentes, que barrava o horizonte, era, naquela altura, apenas as imagens do «nós por cá todos bem /adeus até ao meu regresso» a zumbir na televisão e o eco longínquo, infiltrado na sala de aula, das explosões de obus e tiros de G-3 no campo de treino
militar. Ao fim da tarde, entre mornos pastéis de nata da "Frami"
e a consulta gulosa dos discos da "Tália", podia-se assistir ao desfile extenuado de magotes enlameados dos magalas do RI5, em camuflado, a marcar com os pés no chão, em cadência marcial, a rota batida para o «Ingola é nossa». Aqueles rebanhos de desgraçados em fardeta, vindos da instrução de armas, marchavam perante o bando de basbaques que formávamos no passeio e que, a curto prazo, intuiria ser uma outra Instrução um recurso precioso para fintar sina tão mal fadada.
No E.R.O., louvados sejam os Deuses, não existia Mocidade Portuguesa. Dela restavam uns tristes trastes num canto esconso da arrecadação e dois tambores esventrados, despojos empoeirados de defuntas glórias e dos «clamores sem fim» do «Lá vamos cantando e rindo, levados, levados, sim». Sobravam, no entanto, propósitos blasonados de brio e aprumo. Com Mãe e Avó, 2-familiares-2 como docentes no Colégio, era suposto dar exemplo. O meu, foi sempre, na medida do possível, o da irreverência e da insubmissão, porque contra contínuos, «profes» e sanções paternas, tinha uma reputação para defender na selva do recreio. Nada de cedências, mesmo (ou sobretudo), afectado, como tantos outros, pelo sindroma inculcado dos três P’s: Pais, Padres e Professores. Era pois, por vocação, um desalinhado (no corpo e no espírito). Para não tão poucos assim, o Quadro de Honra era uma infâmia, edital aviltante afixado no átrio. Orgulhosamente na corda bamba feita fio da navalha, entre o alfa e ómega do 9 e do 12 (chegava e era óptimo), não ignorávamos que a fama de melhor instituição de ensino do distrito de Leiria ditava a subavaliação interna e rendia o proveito de, pelo menos, dois a três valores suplementares nos exames: suficiente transmutava-se em bom!


Num universo concentracionário de portões fechados a cadeado e corrente, pátios e escadarias separadas para gineceu e androceu, o ritual de passagem acontecia no 5º ano, com o cartão que facultava, nos intervalos maiores, sair, para tirar umas passas (não, ainda não eram cigarrinhos de fazer rir), às escondidas do senhor Caria, ex-polícia reformado, de feitio cariado pelo serviço na Corporação e, («ordes» são «ordes»), oficial a tempo inteiro do santo ofício de apontar nomes para minudentes relatórios ao Padre Albino. O todo poderoso Padre Albino! As protuberâncias quistosas na calva deste espectro em perpétuo negro, vértice da hierarquia e de medíocre magistério, surgiam como uma crista ruim, signo cruel da maldição violácea que o coroava e cujos efeitos sofríamos em metódica repressão, quase como se procurasse alívio nas humilhações que espalhava a eito. O focar dos olhos azul-aço, por detrás da fronteira gélida das lentes, era já uma devassa impiedosa. Os tufos de pelos nas orelhas de abade Camiliano, brotavam de igual modo nas falanges, falanginhas (não sei se nas falangetas) dos dedos grossos, diligentes em ocasionais e viscosas festas nas nucas duns infelizes, desconsolados eleitos, ou em mais frequentes e enérgicos puxões de orelhas, (engalanados pelo requinte da garra adunca do polegar cravada no lóbulo), quando não em girândola de bofetões estrepitosos (e bofetões havia-os de quase todos os tipos e para todos os perfis; os didáctico-pedagógicos eram a especialidade do Dr. Azevedo nas aulas de Matemática, distribuídos em relação directamente proporcional aos erros cometidos. À minha condição «caixad’óculos» era concedido o privilégio de aviso prévio. No final, estava-se apto a extrair raízes quadradas e as raízes dos molares…).
A ladeira das 5 Bicas perfilava-se como uma via rigorosamente vigiada pelos zeladores da Moral, sempre dispostos a identificar onde quer que fosse a horrenda fisionomia do pecado, almejando sexos em forma de cruz e de pias de água benta. Contrariando ingénuos (e incipientes) amores adolescentes, preconizava-se lados distintos da estrada para rapazes e raparigas (norma ostensivamente ignorada), sim, que a canga da suprema disciplina (ler diciplina) estendia-se até casa.
Pontificavam as rusgas e inspecções minuciosas ao tamanho das guedelhas masculinas (cuidadosamente dissimuladas no esconderijo pouco fiável do colarinho) ou para avaliar o grau de pureza do comprimento das bainhas das saias, escondidas sob o uniforme multicolor das batas às riscas. Emprestávamos medo e t(r)emor sob a aparência de respeito e recebíamos cautela. Cautela com tudo! Diga-se que por vezes rasgada em pedaços de gáudio descarado, como quando o Canhão, obrigado a cortar a grenha, ousou afrontar a intimação com uma esplêndida e radical ida à máquina zero, conquistando, em simultâneo, a admiração geral e uns dias de suspensão; ou quando uma tropa fandanga, de para aí uma centena de moços, miúdos e graúdos irmanados, decidia vingar-se e achincalhava, em coro uníssono, os contínuos, pobres homens, encarregues de serem os primeiros vigilantes da Ordem e da Autoridade, contestada ali pela insolência, espontânea, instintiva e inconsciente da pandilha em turbamulta…
E assim fomos, pouco a pouco, crescendo e perdendo a inocência, entre muros, onde, apesar de tudo, conseguíamos a bênção e a proeza duma alegria sadiamente estouvada.







Nós, os filhos dilectos da pequena burguesia, impropriamente tomados por elite (as propinas eram caras e o esforço familiar considerável), com todas as naturais diferenças de percurso, de visão do mundo e de opções de vida, fomos capazes de encontrar um caminho norteado pela honradez e dimensão ética. Sem isso não há qualquer sucesso nem qualificação profissional que valham. E este é porventura o maior elogio que se pode fazer ao E.R.O.
Há quem se vanglorie dos homens de Estado formados numa dada escola, à laia de atestado da sua presumível excelência. Não é esse o nosso caso, felizmente!
Tal como escreveu Su-Tung P’o, poeta chinês do século XI, citado por Bertolt Brecht:

As famílias quando lhes nasce um filho
Desejam-no inteligente.
Eu, que pela inteligência
Arruinei toda a minha vida,
Só tenho a esperança de que o meu filho
Venha a sair
Ignorante e tardo no pensar.
Então terá vida tranquila
Como ministro no Gabinete

Saímos todos, sem excepção, um pouco mais espertos, graças sejam dadas…


José Carlos Faria

............................................................................................................

comentários:
.
Dezembro 12, 2007-12-12
Miguel B M disse:
Comentário ao artigo do Faria
Na minha opinião o artigo do ZCF pode ser analisado de duas maneiras. Do ponto de vista literário trata-se de uma escrita densa e que precisa de ser lida atentamente. O autor revela uma erudição assinalável e facilidade de expressão. mas o conteúdo peca por defeito. Embora eu não concorde com as observações em relação ao dr AJAzevedo, pois ele não era como a fama que o precedia fazia crer, e no dia a dia até era uma pessoa agradável e afável,quanto ao resto eu teria sido mais duro que o autor. E poderia acrescentar mais meia dúzia de situações inenarráveis, espiões, delatores, coacções, perseguições, castigos e proibições injustas e desajustadas. Tivémos profs magníficos como a Super de boa memória ou o dr Tó Zé Lopes,mas também tivémos docentes execráveis. Vivemos agora um período particularmente agradável graças ao almoço e especialmente ao blogue,que nos permite fazer uma viagem no tempo sempre que o queiramos. Temos a ponderação que os cabelos brancos proporcionam e que nos permite analisar (julgar?) os factos que ocorreram há muito tempo. Mas não podemos esquecer esses mesmos factos porque vivemos coisas muito desagradáveis,perfeitamente evitáveis e desnecessárias. E isso molda-nos em termos de futuro. Eu dou apenas um exemplo: tenho as minhas convicções cristãs e acredito na maioria dos dogmas da religião,no entanto sou profundamente anti-clerical. Mas esta conversa levava-nos muito longe
….

1 comentário:

Anónimo disse...

bom comeco